José Álvaro de Lima Cardoso
Em função da combinação macabra instalada hoje
(crise econômica brutal e o pior governo da história do país) o Brasil é o caso
mais problemático do mundo, no que se refere ao enfrentamento da pandemia. Com
a doença fora de controle, o país caminha para ser o epicentro mundial,
rapidamente. O Brasil ultrapassou no dia 20.05, a casa dos 291 mil casos e, com
isso, assumiu a condição de terceiro país no mundo com o maior número de
registros, com o número de mortos alcançando 18.859.
Nesse
contexto geral, chama atenção o caso dos trabalhadores da indústria de
processamento de carnes, que têm grande peso, tanto na matriz industrial do Brasil,
quanto na de Santa Catarina. O Brasil é o maior produtor de carnes bovina, o
primeiro exportador, e vende carne de frango para mais de 150 países. Em Santa
Catarina, que é o segundo maior produtor de carne de frango do país, o setor tem
grande peso no volume de produção, empregos, exportações, etc. O primeiro
produto exportado por Santa Catarina no ano passado foi carnes de aves, que
representou 24,13% da pauta exportadora; o segundo foi carne suína, com
participação de 8,1% na pauta. Boa parte desse produto é exportado in natura,
sem processamento industrial (coisa de país subdesenvolvido, registre-se).
A indústria de carnes é um setor essencial, que não “pode parar”, já
que, com pandemia ou não, os alimentos têm que ser produzidos e processados
industrialmente. Pelas características do processo de trabalho, que é intensivo
em mão de obra, o risco de contaminação dos trabalhadores desse setor, pelo
covid-19, é muito grande. Não por acaso, mais de 60 frigoríficos em 11 estados do
país estão sendo investigados pelo poder público neste período de pandemia, em
função da falta de condições adequadas de prevenção à doença. Deve ser o setor
da indústria de transformação com maior incidência de contaminação.
O problema da exposição dos trabalhadores de frigoríficos neste período
de pandemia é mundial. Há denúncias vindas de Alemanha, França, Irlanda, EUA,
entre outros, de que as empresas estão colocando os trabalhadores em situação
vulnerável ao contágio pelo covid-19. Nos EUA, atual epicentro da doença, mais
de 10.000 trabalhadores contraíram o vírus, com dezenas de mortos. Nesse país, um
dos maiores produtores de carne do mundo, nos municípios com grandes
frigoríficos, a taxa de infecção do coronavírus é mais do que o dobro da taxa
nacional, após a ordem de Donald Trump ordenar a reabertura dos negócios.
Em Santa Catarina os dados são impressionantes. Concórdia (cidade com 75
mil habitantes no Meio Oeste catarinense) tem sete mortes registradas até a
tarde do dia 20.05. O município já é o segundo no estado, junto a
Florianópolis, com mais vítimas fatais da Covid-19. Segundo a prefeitura, no
dia 06 de maio havia 176 casos confirmados de Covid-19, 94 deles em
trabalhadores de frigoríficos. Concórdia
tem uma grande unidade da BR Foods (antiga Sadia) no próprio município, com
milhares de trabalhadores. O caso é tão grave que essa unidade da BRF terá que testar
todos os trabalhadores para o Covid-19, a partir de 21.05, por exigência da
Vigilância Sanitária Estadual. Os operários que apresentarem o resultado positivo
para Covid-19 serão afastados por 14 dias.
Em Ipumirim, município vizinho à Concórdia, no dia 18 de maio o
Ministério da economia interveio em uma unidade de processamento de frangos da
JBS por irregularidades no combate à transmissão do coronavírus entre trabalhadores.
Os fiscais encontraram, inclusive, trabalhadores com teste positivo de covid-19
operando normalmente, mesmo tendo atestado médico para afastamento do processo
produtivo. A referida planta registra pelo menos 86 funcionários com teste
positivo para o novo coronavírus em um universo de 1.500 trabalhadores. É uma
taxa de contaminação impressionante. Como uma das características predominantes
da pandemia no Brasil é a subnotificação, é possível que o número de
contaminados no município seja bem maior.
Em Nova Veneza, Sul do estado, (15 mil habitantes) dois dos seis casos
de coronavírus são de trabalhadores do frigorífico da cidade. Segundo os
dirigentes do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria da Alimentação de
Criciúma e Região, uma das regras fundamentais para proteção dos trabalhadores,
regulamentadas por portaria estadual, inclusive - que é a distância mínima de
1,5 metro entre os trabalhadores - não está sendo respeitada. Os trabalhadores conseguem
manter uma distância de, no máximo, 80 cm entre si. As indústrias de abate e
processamento de carnes têm por característica a presença de centenas e, até
mesmo, milhares de empregados em um único estabelecimento. Os setores têm elevada
concentração de trabalhadores em ambientes fechados, com baixa taxa de
renovação de ar, baixas temperaturas. Alguns setores, inclusive, com bastante
umidade e com diversos postos de trabalho sem o distanciamento mínimo de
segurança, conforme mencionado. Como se vê, a solução, muitas vezes, passa por
investimentos que as empresas simplesmente não querem realizar.
As empresas processadoras de carne usualmente estão situadas em pequenos
municípios e exercem muita influência entre as autoridades e lideranças locais.
Prefeito, fiscais, e outras autoridades, que poderiam interferir, têm medo que
as empresas, que geram empregos e pagam impostos, retirem suas unidades dos seus
municípios. O fato é que se depender das empresas que, em regra, pertencem a
fundos que investem no mundo todo, a questão econômica se sobreporá sempre à
questão humana, à necessidade de preservar a vida dos trabalhadores.
No setor, portanto, o elevado número de trabalhadores testados positivos
pelo coronavírus está relacionado a dois fatores básicos:
1.As
especificidades técnicas do setor: que
é intensivo em força de trabalho, tem pouca maquinaria, com o corte ainda muito
manual. Tudo isso leva à aglomeração humana;
2. O descaso das empresas: condições inadequadas de trabalho, falta de
equipamentos de proteção e segurança, não respeito à distância mínima definida
pelos protocolos estabelecidos. Neste caso é claramente um problema de ganância.
Os patrões querem gastar o mínimo com investimentos de proteção, colocando a
vida dos operários em risco.
Vale aqui uma reflexão. Imaginem o trabalhador do setor de alimentação, enfrentar
essa situação de forma individual, ou seja, sem a organização sindical? Qual a
capacidade de o trabalhador impor melhorias e política de prevenção ao
covid-19, assim como às outras doenças? A pandemia evidencia ainda mais um fato
incontestável: em qualquer cenário do Brasil nos próximos anos, as organizações
sindicais (que resistirem) serão ainda mais fundamentais. Não conseguiremos
enfrentar este turbilhão de desafios de forma isolada, pois desemprego, falta
de dinheiro, e a mais grave pandemia do último século, não podem ser vencidos
de forma individual.
Todos esses problemas só conseguirão ser combatidos de forma eficaz
através da organização coletiva, principalmente a sindical, que atua na esfera
econômica, que é a fundamental. O isolamento e a fragmentação da luta só
interessam aos inimigos da classe trabalhadora. As conquistas obtidas ao longo
da história são fruto de sangue, suor e lágrimas. Sem organização dos
trabalhadores através de sindicatos, não haveria regulamentação da jornada de
trabalho, salário mínimo, seguro desemprego, sistema público de saúde e demais
conquistas sociais. Tudo isso, que está sendo rapidamente triturado nos últimos
anos, foi obtido à duríssimas penas ao longo da história mundial do trabalho.
Os que deram o golpe no Brasil entendem isso perfeitamente, razão pela
qual estão bombardeando ações, desde 2016, que visam destruir as entidades
sindicais. A organização sindical é a melhor ferramenta dos trabalhadores
brasileiros contra o fascismo bolsonarista, contra a pilhagem do pais, contra a
destruição dos direitos trabalhistas e a educação pública. É a melhor
ferramenta também contra a entrega das reservas de petróleo, o massacre da
população pobre, dos índios e quilombolas, dos negros. Nesse momento, a
organização e a luta são as melhores ferramentas também contra a destruição do
Brasil enquanto nação soberana, que, no fundo, é o que está em jogo neste
momento.
Economista,
21.05.
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