José Álvaro de Lima Cardoso.
Os juízes são praticamente uma casta no Brasil, se beneficiando de uma série de mecanismos de filtros que possibilitam que apenas a elite acesse a postos do Estado, privilegiados e extremamente bem remunerados. Os salários e privilégios dos magistrados já seriam considerados escandalosos em países ricos, como Alemanha, França ou EUA. No Brasil, onde o salário médio é um pouco superior a R$ 2.000,00, aquelas condições representam uma verdadeira afronta a toda a população. Um auxílio moradia de até R$ 4.300,00, equivalente a 2 vezes um salário médio dos brasileiros, num país onde aumenta velozmente a população que mora na rua, é de uma iniquidade sem limites, típica de tempos insanos.
As denúncias que hora vêm a tona, desnudam
verdadeiros “moralistas sem moral”, e ajudam a entender a natureza da Lava
Jato, que tem seus principais representantes no centro dos acontecimentos. Mas
elas devem ser compreendidas como movimentos táticas do complexo xadrez do
golpe de Estado que está em curso. Os que movem os cordéis do golpe, ao que
parece, pretendem desativar uma operação que já cumpriu sua missão: foi essencial
no impeachment de 2016, liquidou a lei de partilha, quebrou a indústria de
petróleo e gás no Brasil, e condenou judicialmente o principal representante do
povo nas eleições de 2018.
Um
dos efeitos colaterais da Lava Jato, algo que não estava nos planos (que mostra
que a história é uma professora irônica), é o fato de que as denúncias alcançaram todos os chefes
do golpe. Por mais que a Lava Jato tentasse esconder, a complexidade de um
golpe como o que foi dado, num país de características continentais, acabou
mostrando que os verdadeiros corruptos foram os que encabeçaram a campanha
contra a corrupção. Todos os cabeças do golpe, ou estão na cadeia, caíram em
desgraça política, ou estão pendurados no foro privilegiado, o que absolutamente
não estava no roteiro da Lava Jato. A operação está sendo desarticulada também
porque já cumpriu sua principal missão, que foi ajudar no desmonte da economia
brasileira e interromper um processo incipiente, muito modesto, de desenvolvimento
nacional. É que a grave crise mundial do capitalismo não permite no momento
este tipo de alternativa para os países periféricos. Tem que esfolar o povo
brasileiro para enviar riqueza para os países centrais, especialmente EUA.
Mas o fato de que Sérgio Moro, mesmo tendo
casa própria, receba auxílio moradia de R$ 52.000 anuais, o que lhe garante
renda acima de 90% dos brasileiros, é uma transgressão menor. O maior deles são
as relações da Lava Jato com os comandantes do golpe no Brasil e, principalmente,
com o império. É sabido e já documentado (teremos muito mais detalhes no
futuro) que a operação esteve sempre em articulação com o Departamento de
Justiça americano, e com as agências de espionagem estadunidenses (NSA, a CIA,
o FBI). Para atingir seus intentos a operação usou todos os procedimentos
ilegais possíveis: prisões arbitrárias, vazamento seletivo de delações de
criminosos, desrespeito à presunção de inocência, escuta telefônica ilegal da
presidenta da República. Incendiaram a opinião púbica, contra pessoas
delatadas, espalhando o ódio na classe média manipulada, com a conivência do
STF.
O site Wikileaks, que publica documentos internos do governo dos EUA,
divulgou que, em outubro de 2009, o Departamento de Estado daquele país realizou
um seminário de cooperação, que contou com a presença de membros da Polícia
Federal, Judiciário, Ministério Público, no Rio de Janeiro. Deste seminário,
(“Projeto Pontes: construindo pontes para a aplicação da lei no Brasil”),
participaram promotores e juízes federais dos 26 estados brasileiros, além de
50 policiais federais de todo o país. A delegação do Brasil era a maior do
grupo, que tinha membros de vários países latino americanos. Segundo o material
divulgado pelo Wikileaks, que alguns blogs no Brasil divulgaram, os policiais
americanos ensinaram aos aprendizes do Brasil e demais países, técnicas de investigação
nos casos de lavagem de dinheiro, confisco de bens, métodos para extrair provas
dos acusados, negociação de delações premiadas, uso de exame como ferramenta, etc.
Em fevereiro de 2015, o então
procurador geral da República, Rodrigo Janot, e um grupo de procuradores da
força-tarefa responsável pela Operação Lava Jato, foram aos Estados Unidos trocar
informações com autoridades americanas sobre as investigações das fraudes na
Petrobras. Os procuradores realizaram reuniões com o Departamento de Justiça, o
FBI, o Banco Mundial e na OEA (Organização dos Estados Americanos). Todas
estruturas de controle da informação e dominação utilizadas pelo imperialismo.
Essas são informações oficiais, possivelmente uma série de encontros foram
realizados de forma sigilosa.
Se o golpe não fosse uma tragédia
gigantesca, teríamos aqui uma piada pronta. Autoridades brasileiras, fartamente
remuneradas com dinheiro do povo, irem trocar informações com a ave de rapina
mais agressiva do mundo, justamente sobre os alvos da rapinagem, a riqueza do
pré-sal e a Petrobrás. Os procuradores
foram tratar do problema de corrupção na Petrobrás com representantes do país
que é, de longe, o mais corrupto do mundo. Como está fartamente documentado, os
EUA usam todos (TODOS) os recursos possíveis e imagináveis, financiando golpes
e comprando governantes no mundo todo, para acessar riquezas e matérias-primas
e conservar sua hegemonia. Que, aliás, se encontra em crise. Não se fala do
assunto, mas entre 1846 e 1848 os EUA ampliaram seu território em 25%, tomando
terras do México, que perdeu cerca de 50% do território. A guerra entre os dois
países foi iniciada pelos EUA, com base no cínico pretexto de que Deus tinha
concedido o direito do império do Norte expandir suas fronteiras.
Desde
1945, no fim da 2ª Guerra Mundial, Washington já tentou derrubar mais de 50
governos, a maior parte dos quais plenamente democráticos, bombardeou
populações civis de mais de 30 nações e tentou assassinar mais de 50 líderes
estrangeiros. Não pode haver operações mais corruptas, no sentido amplo, do que
essas. Entre 1898 e 1994, os Estados Unidos patrocinaram 41 golpes de Estado
somente na América Latina, o que corresponde à derrubada de um governo a cada
28 meses, no espaço de um século. Um país com essa folha corrida pode dar
conselhos para autoridades brasileiras sobre como combater a corrupção?
A
corrupção é uma característica fundamental do modus operandi não apenas dos
Estados Unidos, mas dos países imperialistas em geral. Quem tiver dúvidas disso
é só analisar o recente caso da MP 795, que ficou conhecida como a MP da Shell.
Rapidamente, sem debate, e através principalmente da MP 795, o governo Temer
mudou as regras da tributação, a regulação ambiental e liquidou com as regras
de conteúdo local para a indústria de gás e petróleo. Segundo estudos da
assessoria econômica da Câmara dos Deputados, somente as isenções fiscais para
as petroleiras, irão representar, no longo prazo, perda de receita na casa de
R$ 1 trilhão e, já em 2018, uma perda de R$ 16,4 bilhões. Este é um caso típico
de corrupção, que torna os “chutados” R$ 6 bilhões desviados da Petrobrás,
verdadeiro “dinheiro de cachaça”.
A Shell é uma velha conhecida no setor de
petróleo, como corrupta ao extremo, tendo uma extensa lista de denúncias e
processos. A denúncia mais recente em relação à empresa anglo holandesa é de
que desviou recursos públicos e pagou propinas durante a compra de um dos
maiores campos de petróleo da Nigéria, que foi vendido por US$ 1,3 bilhão, mas
apenas US$ 210 milhões chegaram até os cofres públicos. A lista de acusações
contra a Shell é longa. Mas na verdade este é o modus operandi não apenas da
Shell, mas de todas as grandes petrolíferas do mundo. O lobby feito
recentemente junto ao governo brasileiro e ao Congresso Nacional, visando
desmontar as regras de exploração e produção do pré-Sal seguiu a mesma lógica
observada no mundo todo. Afinal, o que são alguns milhões de dólares em
propina, em face do acesso aos recursos do pré-sal, que pode conter riqueza
equivalente a 10 PIB do Brasil?
A operação Lava Jato dizimou
parte da construção civil brasileira, fechando empresas e prendendo seus
executivos, em nome do combate à corrupção. Se calcula que as ações da Lava
Jata e da Carne Fraca, em conjunto, possam ter gerado de cinco a sete milhões
de desempregados, sem contar os efeitos da depressão econômica e da entrega do
pré-sal ao imperialismo. Não foram poucos os juristas que denunciaram as
conexões internacionais da Lava Jato e suas inúmeras ilegalidades. Mas, como
todos os poderes estão comprometidos com o golpe, as denúncias não saem nos
grandes meios de comunicação e caem num vazio absoluto. O envolvimento dos
juízes da Lava Jato com falcatruas e recebimentos indevidos acabam sendo crimes
menores, quando comparados com o brutal preço do golpe no Brasil e com os
crimes em série cometidos contra a esmagadora maioria da população brasileira.
*Economista.
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