*José Álvaro de Lima Cardoso
Os
portos públicos brasileiros estão na linha de tiro dos golpistas para serem
privatizados. Em fevereiro deste ano o governo catarinense anunciou a extinção
da Santa Catarina Parcerias, a SC-Par,
empresa estadual que administra os portos de Imbituba e São Francisco do Sul. Ainda
que as informações sejam desencontradas e nada transparentes, segundo o que foi
anunciado, a extinção da SC-Par virá acompanhada da privatização desses dois
portos, ambos do governo federal, mas administrados em concessão pelo governo
catarinense.
As
medidas anunciadas não são fatos isolados. Os portos públicos brasileiros - e
toda a complexa estrutura que os coloca em funcionamento - sofrem neste momento
uma intensificação dos ataques da direita privatista. O modelo de exploração
portuária que prevalece no planeta é o Landlord Port (exploração compartilhada
público-privada). Esse modelo possui uma Autoridade Portuária (pública,
naturalmente), geralmente municipal ou estadual, que tem o papel de fiscalizar
e regular a atividade. É o modelo que vigora nos portos da Europa (Rotterdam,
Bélgica, Hamburgo etc.), nos EUA (Los Angeles, New York-New Jersey) e Ásia
(China, Coreia e Japão). Os portos citados são todos referenciais mundiais em
eficiência, agilidade e sustentabilidade. O Landlord Port é o modelo sob o qual
funciona, atualmente, o Porto de Imbituba, unidade para o qual dirijo este
modesto artigo.
Os
portos públicos do Brasil são organizados também sob o modelo Landlord Port, com
gestão pública e operação portuária privada. A maioria dos especialistas
defende que este é mesmo o modelo mais eficiente para os portos públicos, no
qual a concessão ao setor privado ocorre somente nas atividades de
administração do condomínio portuário e na zeladoria. As demais funções, como regulação,
fiscalização e planejamento portuário permanecem com o setor público. Toda
estrutura complexa, como é um porto, tem problemas, com origens e naturezas
diferentes. Por exemplo, é evidente que os portos públicos no Brasil, em geral,
sofrem o problema de falta de investimentos em ações estratégicas em suas
dependências, como dragagem, sinalização, automação, governança, entre outras.
Mas, como poderemos observar nas páginas seguintes, este não é bem o caso de
Imbituba, que tem recebido investimentos importantes.
O
sistema portuário brasileiro é estratégico, sob os pontos de vista econômico,
geopolítico e militar. O país possui uma costa de 8,5 mil quilômetros
navegáveis, - número que sobe para 10 mil km se incluído o Rio Amazonas – e é
composto por 37 portos públicos, entre marítimos e fluviais. É um gigante, que
requer um padrão elevado de gestão, para ser bem aproveitado. Esse sistema
gigantesco movimentou, em 2020, 1,151 bilhão de toneladas, segundo a Agência
Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ). Desse total, os Portos
Organizados, que são os públicos, movimentaram 391 milhões e os Terminais de
Uso Privado (TUPs), 760 milhões de toneladas de produtos. O setor portuário
brasileiro viabiliza mais de 90% das exportações do país.
Ao invés de decorrer de uma estratégia, a adesão
pura e simples à privatização dos portos catarinenses, revela, por parte do
governo estadual, uma ausência de estratégia de desenvolvimento do estado (o
que aliás, é muito evidente). Uma estratégia que leve em conta a necessidade de
recuperação da indústria, que promova uma política agrícola forte e a elevação
do valor agregado das exportações catarinenses. Se não existe planejamento
público do desenvolvimento, empresas públicas estratégicas, como um porto,
perdem também um pouco a razão de existirem.
O
porto de Imbituba foi construído pelos ingleses em 1880, para o escoamento da
produção de carvão, extraído nas minas na cabeceira do Rio Tubarão e
transportado pela Estrada de Ferro Donna Thereza Christina. No início do século
XX, a concessão das minas de carvão e da ferrovia foi transferida para a firma
carioca Lage & Irmãos, que também assumiu o porto. O Porto foi decisivo historicamente
para a viabilização de milhares de empresas, ao enviar a produção catarinense
para várias partes do Brasil e do mundo. O Porto está localizado à apenas 6 KM da
BR-101, uma das mais importantes rodovias do país, que é totalmente pavimentada
em concreto rígido. O Porto localiza-se em uma enseada aberta e, além disso,
possui profundidade que o caracterizam como um dos portos brasileiros de
melhores condições de navegação. Isto possibilita por exemplo, a atracação de
navios de grande porte, com grande capacidade de transporte de cargas, o que
oferece ao porto uma razoável vantagem competitiva.
O
Porto teve em 2020 um dos melhores anos de sua existência. O ano foi histórico,
com recordes de embarques e de movimentação mensal e anual. Além disso o Porto
obteve a diversificação das cargas movimentadas e atraiu fortes investimentos,
num ano em que a economia brasileira recuou 4,1%. Entre janeiro e dezembro de
2020, foram movimentadas no Porto 5,9 milhões de toneladas, volume 1,8% maior
que o realizado em 2019 e cerca de 85 % superior ao primeiro ano de
administração pelo Estado de Santa Catarina, em 2012. Dentre as cargas mais
movimentadas no ano passado está o coque de petróleo, a soja, o minério de
ferro, os contêineres, o milho, o sal e a ureia. Ao todo, foram 234 atracações
de navios em 2020.
Apesar
das dificuldades adicionais advindas da pandemia, que exigiu investimentos
específicos, em 2020 o Porto bateu três recordes históricos de volume de
movimentação mensal: em junho, (602.370 toneladas), setembro (602.737
toneladas) e dezembro (662.512 toneladas). O Porto registrou também um aumento
no volume médio de consignação de cargas por navio, com destaque para a maior
delas, que atingiu 119,7 mil toneladas em uma única embarcação, pelo que se
sabe o momento o maior embarque de granel sólido do Sul do Brasil, de acordo
com os dados disponíveis no Estatístico da Agência Nacional de Transportes
Aquaviários (Antaq).
O
Porto ampliou seu portfólio de cargas, agregando celulose, minério de ferro
(hematita e magnetita), fertilizante (superfosfato triplo) e alimentos em big
bags.[1] Foi a movimentação expressiva
de minério que possibilitou que o Porto atingisse recordes de embarque, assim
como atraísse importantes investimentos privados, como foi a construção de um
novo armazém dedicado exclusivamente à carga, com capacidade de armazenagem
estática cerca de 80 mil toneladas.
É
possível que, em decorrência de suas características de Porto Público, o
combate à Covid-19 tenha sido de qualidade acima da média dos portos
brasileiros. A Autoridade Portuária promoveu várias reuniões junto aos representantes
da comunidade portuária, realizou a distribuição de materiais de
conscientização para a população do Porto e proporcionou suportes adicionais de
higiene. Ao que se sabe, Imbituba foi um dos primeiros Portos do país a ter equipe
de saúde exclusiva para monitoramento 24 horas de sintomas de Covid-19 nos trabalhadores,
caminhoneiros e nos demais prestadores de serviços do Porto. Segundo a
Administração, ao longo do ano passado foram mais de 70 mil abordagens de
controle de saúde para evitar o contágio dentro da área portuária.
O Porto
de Imbituba (como também ocorrem em outros portos públicos) se constitui em um verdadeiro
ecossistema que faz interagir arrendatários, operadores portuários, agências marítimas,
órgãos intervenientes, trabalhadores portuários autônomos, colaboradores de carreira
e comissionados da autoridade portuária, trabalhadores terceirizados, estagiários.
É um grande número de atores, com diferentes interesses, o que torna a cadeia
extremamente complexa. No caso de privatização, em um contexto no qual a
autoridade portuária seja tarefa de um consórcio de empresas privadas, a
instalação de outros terminais se tornaria mais complexa. Entre outros fatores,
porque poderá haver a concorrência de mercado entre a empresa que está
pleiteando o ingresso e alguma (s) das que compõe o consórcio.
O Porto
fechou 2020 com um lucro líquido de R$ 10,3 de lucro, em um ano em que milhares
de empresas faliram e o PIB recuou 4,1%. Os números financeiros positivos, apesar
da crise econômica nacional e dos efeitos da pandemia, aconteceram pelo esforço
de diversificação da movimentação, assim como pelo fato de que as receitas do
porto advêm principalmente da movimentação de commodities, em especial de
origem agrícola e mineral. A movimentação destas, mesmo em momentos de crise
brutal, costumam estabilizar ou crescer, como aconteceu no Porto de Imbituba em
2020. Mas o Porto é estruturalmente lucrativo. O lucro oscila em função do
comportamento da economia, mas a Companhia tem gerado lucro significativo nos
últimos anos, de R$ 17,4 milhões na medida entre 2016 e 2020.
Um
dos “segredos” da obtenção de lucros, por parte do Porto, é a regularidade com que
tem apresentado ganhos de produtividade. O Porto saiu de uma movimentação de 2,1
milhões de toneladas/ano em 2012, para 5,9 milhões de toneladas/ano em 2020, o
que representa um crescimento de 181% de crescimento da produtividade em um
período de 8 anos. Com crescimento, inclusive, no ano passado, de quase 2%. O
Porto de Imbituba é de múltipla vocação, ou seja, transporta todo tipo de
mercadoria.
Não
é fácil defender a privatização de um ativo que apresenta indicadores
financeiros excelentes, com lucro líquido regular e que ainda possui reservas
de lucros que chegam a R$ 108 milhões. Mantendo ainda um patrimônio líquido de
R$ 152 milhões, um crescimento de 10,92% em 2020, ano de crises combinadas. No
caso do Porto de Imbituba a defesa da privatização ainda é mais difícil pelo
simples fato de que o Porto já foi Private Landlord. Foi justamente a partir de
2013, com a assunção da SCPAR PORTO DE IMBITUBA, que ele adotou o modelo atual,
de Landlord. A partir do novo modelo de governança todos os indicadores
melhoraram, assunto que abordaremos no próximo artigo.
*Economista 24.05.2021
[1] Os big bags são
recipientes grandes, cúbicos e flexíveis, feitos de um tecido em polipropileno,
fazendo com que o tecido tenha alta resistência ao rompimento. Reza a lenda
que, quando cheios de material, os big bags podem suportar até
3.000 quilos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário