sexta-feira, 14 de maio de 2021

Crise e o esgotamento das políticas neoliberais em todo o mundo

 

                                                                                     *José Álvaro de Lima Cardoso

     Para entender a conjuntura nacional temos que lembrar que o capitalismo atravessa a maior crise da sua história. A pandemia da Covid-19 não provocou a crise econômica, apenas antecipou e piorou um tsunami que já vinha se armando no horizonte há bastante tempo. Não é só uma crise econômica, é uma crise política brutal também do sistema capitalista. Mesmo usufruindo de todas as vantagens de ser o principal país imperialista da terra, os EUA enfrentam grandes contradições internas, porque o seu modelo de desenvolvimento gera grande desigualdade social.

     Quase 30 milhões de pessoas nos EUA vivem na chamada “insegurança alimentar”, não têm o suficiente para comer (quase 10% da população). Além disso, os EUA têm 500 mil pessoas em situação de rua (morando na rua ou em abrigos públicos). A maioria são negros ou latinos. O fato de que os EUA tenham um número tão grande na condição de pobreza, representa uma verdadeira bomba relógio. Uma revolta geral dos trabalhadores dentro do país imperialista mais rico do mundo teria um efeito político, econômico e social, simplesmente imprevisível.

    No mundo todo há uma série de acontecimentos que podem ser considerados “fatores de crise”. A Colômbia parece ter entrado em transe. O clima já era de muita insatisfação há anos. Mas com o anuncio, há pouco mais de duas semanas, de uma proposta de aumento de impostos, as manifestações explodiram. A violência da polícia escalou, com saldo de quase 50 mortos até aqui e centenas de desaparecidos. Nada disso conteve os protestos. Também não há expectativa de que irão acabar tão cedo. No outro lado do mundo, explodiu uma revolta da população palestina em Jerusalém, dentro de Israel.  Na França é surpreendente o desgaste do governo neoliberal e o crescimento da extrema direita. Não parece haver dúvidas que são fatores de crise, em diferentes regiões do mundo, e que estão extremamente interligados. São elementos muito importantes, que revelam o esgotamento de um tipo de política do sistema capitalista, que é a “política neoliberal”.

     Tem que entender a política do governo de Joe Biden, olhando a situação no seu conjunto. O polo político que ele representa está numa crise extraordinária. Ou seja, é uma crise gravíssima nos partidos mais representativos da política do imperialismo. Nos EUA esta crise não é uma possibilidade, ela é muito real. O país está em grande polarização. Ou o governo faz alguma coisa ou será varrido pela mobilização popular. E também pela extrema direita, porque, apesar de ter perdido as últimas eleições continua muito mobilizada, sob a liderança de Trump.

     O plano de Biden, que pretende injetar US$ 6 trilhões na economia (quase 30% do PIB do país) não é uma ruptura com a política neoliberal. Não se trata de uma guinada keinesiana na política estadunidense, como desejam alguns analistas. Apesar de serem medidas de grande envergadura, reveladoras, inclusive, da profundidade da crise, não há garantias que esta seja interrompida. A crise mundial é muito significativa. O mundo parece estar caminhando para uma situação de verdadeiro colapso político e econômico, como poucas vezes se viu na história.

     Este quadro conduz à uma grande disputa geopolítica e econômica, entre as potências, em todo o mundo. O Plano Biden, por exemplo, em boa parte está relacionado à disputa dos Estados Unidos com a China por mercados mundiais. Essa disputa tende a se acirrar muito nos próximos anos, como a postura agressiva do novo governo estadunidense demonstra. Biden tem subido o tom contra os seus principais rivais e logo no início de seu governo criticou Xi Jinping e Vladimir Putin por não “acreditarem na democracia” e chamou os regimes destes de autocracias. O pacote pressupõe um maior papel para o Estado, especialmente para o governo federal, na crise. Seu tamanho, também, é o reconhecimento da magnitude da crise e da necessidade de uma política agressiva de investimentos públicos, para tentar revertê-la. Os estrategistas do capital internacional manobram há anos para a economia voltar a ter um funcionamento “normal”, mas sem resultados, o que explica também a ousadia das medidas que vêm sendo tomadas desde o ano passado, ainda sob Trump. 

     O problema dos EUA não é apenas uma brutal crise econômica, mas também uma grande crise política. Para começar os EUA estão extremamente polarizados politicamente, já a algum tempo. Há protestos da população negra, dos pobres, há protestos da extrema direita, inclusive fascista. O medo dos setores dominantes, é o de que em algum momento, a polarização represente um enfrentamento nas ruas. As manifestações ocorridas no ano passado, a partir do assassinato pela polícia do negro George Floyd, na intensidade que se deram, não aconteciam desde a década de 1960.

     Com os planos recém lançados, claramente Biden inicia uma temporada de acirramento das relações com China e Rússia. A retomada dos investimentos públicos, é uma forma de competir com o modelo de desenvolvimento econômico chinês. Há uma avaliação, por parte do governo Biden, que a China está ocupando um espaço econômico desproporcional ao seu poderio geopolítico e militar no mundo. A história demonstra que poderio econômico no mundo e poderio bélico são fatores intimamente interligados.  O golpe recente no Brasil, aliás, em boa parte motivado pela descoberta de novas jazidas de petróleo, parece não deixar dúvidas sobre esse fato.

     Os montantes do plano estadunidense ficam muito aquém dos investimentos mobilizados pelos chineses na chamada Nova Rota da Seda. Lançado em 2013, com investimentos estimados entre US$ 4 e US$ 8 trilhões, os chineses realizam projetos de infraestrutura que se estendem por países da Ásia Central, Sudeste Asiático, Oriente Médio, África e Leste da Europa. A relação China X Estados Unidos vive um momento importante, com tendência a ficar cada vez mais tensa, em meio a uma série de disputas sobre comércio, direitos humanos e as origens da Covid-19. Numa ação recente, os Estados Unidos colocaram na lista negra dezenas de empresas chinesas que afirmam ter ligações com os militares.  Biden vem criticando a China por seus "abusos" no comércio e em outras questões. Retornou com força também, e de forma articulada, inclusive na grande mídia norte-americana, a hipótese de que o vírus da Covid-19 se originou na China.

     Os EUA precisam dramaticamente que o plano de recuperação da economia funcione. Os indicadores de emprego por enquanto não apontam firmemente para uma recuperação. Além disso, há temores de vários analistas de retorno da inflação. Está havendo um forte aumento dos preços de commodities: agro, metálicas, combustíveis e de bens industriais. Isso em meio ao imenso estímulo monetário que o governo vem promovendo, o que agrava o risco de aumento da inflação. Um dos riscos existentes, do ponto de vista do capital, no caso de uma elevação da inflação, é crescer o movimento dos trabalhadores para recuperação salarial. Potencial que toda elevação de inflação carrega consigo. Os estrategistas do império certamente temem muito essa possibilidade, especialmente na atual conjuntura de polarização e significativas manifestações de massa nos EUA. 

                                                                                            *Economista 14.05.2021.

 

 

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