*José Álvaro de Lima Cardoso
Para entender
a conjuntura nacional temos que lembrar que o capitalismo atravessa a maior
crise da sua história. A pandemia da Covid-19 não provocou a crise econômica, apenas
antecipou e piorou um tsunami que já vinha se armando no horizonte há bastante
tempo. Não é só uma crise econômica, é uma crise política brutal também do sistema
capitalista. Mesmo usufruindo de todas as vantagens de ser o principal país
imperialista da terra, os EUA enfrentam grandes contradições internas, porque o
seu modelo de desenvolvimento gera grande desigualdade social.
Quase 30
milhões de pessoas nos EUA vivem na chamada “insegurança alimentar”, não têm o
suficiente para comer (quase 10% da população). Além disso, os EUA têm 500 mil
pessoas em situação de rua (morando na rua ou em abrigos públicos). A maioria
são negros ou latinos. O fato de
que os EUA tenham um número tão grande na condição de pobreza, representa uma
verdadeira bomba relógio. Uma revolta geral dos trabalhadores dentro do país
imperialista mais rico do mundo teria um efeito político, econômico e social,
simplesmente imprevisível.
No mundo
todo há uma série de acontecimentos que podem ser considerados “fatores de
crise”. A Colômbia parece ter entrado em transe. O clima já era de muita
insatisfação há anos. Mas com o anuncio, há pouco mais de duas semanas, de uma
proposta de aumento de impostos, as manifestações explodiram. A violência da
polícia escalou, com saldo de quase 50 mortos até aqui e centenas de
desaparecidos. Nada disso conteve os protestos. Também não há expectativa de
que irão acabar tão cedo. No outro lado do mundo, explodiu uma revolta da
população palestina em Jerusalém, dentro de Israel. Na França é surpreendente o desgaste do
governo neoliberal e o crescimento da extrema direita. Não parece haver dúvidas
que são fatores de crise, em diferentes regiões do mundo, e que estão
extremamente interligados. São elementos muito importantes, que revelam o
esgotamento de um tipo de política do sistema capitalista, que é a “política
neoliberal”.
Tem que
entender a política do governo de Joe Biden, olhando a situação no seu
conjunto. O polo político que ele representa está numa crise extraordinária. Ou
seja, é uma crise gravíssima nos partidos mais representativos da política do
imperialismo. Nos EUA esta crise não é uma possibilidade, ela é muito real. O país
está em grande polarização. Ou o governo faz alguma coisa ou será varrido pela
mobilização popular. E também pela extrema direita, porque, apesar de ter
perdido as últimas eleições continua muito mobilizada, sob a liderança de Trump.
O plano
de Biden, que pretende injetar US$ 6 trilhões na economia (quase 30% do PIB do
país) não é uma ruptura com a política neoliberal. Não se trata de uma guinada
keinesiana na política estadunidense, como desejam alguns analistas. Apesar de
serem medidas de grande envergadura, reveladoras, inclusive, da profundidade da
crise, não há garantias que esta seja interrompida. A crise mundial é muito
significativa. O mundo parece estar caminhando para uma situação de verdadeiro
colapso político e econômico, como poucas vezes se viu na história.
Este quadro
conduz à uma grande disputa geopolítica e econômica, entre as potências, em
todo o mundo. O Plano Biden, por exemplo, em boa parte está relacionado à disputa dos Estados Unidos com a China por mercados
mundiais. Essa disputa tende a se acirrar muito nos próximos anos, como a
postura agressiva do novo governo estadunidense demonstra. Biden tem subido o
tom contra os seus principais rivais e logo no início de seu governo criticou
Xi Jinping e Vladimir Putin por não “acreditarem na democracia” e chamou os
regimes destes de autocracias. O pacote pressupõe um maior papel para o Estado,
especialmente para o governo federal, na crise. Seu tamanho, também, é o
reconhecimento da magnitude da crise e da necessidade de uma política agressiva
de investimentos públicos, para tentar revertê-la. Os estrategistas do capital
internacional manobram há anos para a economia voltar a ter um funcionamento
“normal”, mas sem resultados, o que explica também a ousadia das medidas que
vêm sendo tomadas desde o ano passado, ainda sob Trump.
O problema dos EUA não é apenas uma brutal
crise econômica, mas também uma grande crise política. Para começar os EUA
estão extremamente polarizados politicamente, já a algum tempo. Há protestos da
população negra, dos pobres, há protestos da extrema direita, inclusive
fascista. O medo dos setores dominantes, é o de que em algum momento, a
polarização represente um enfrentamento nas ruas. As manifestações ocorridas no
ano passado, a partir do assassinato pela polícia do negro George Floyd, na
intensidade que se deram, não aconteciam desde a década de 1960.
Com os planos recém lançados, claramente
Biden inicia uma temporada de acirramento das relações com China e Rússia. A
retomada dos investimentos públicos, é uma forma de competir com o modelo de
desenvolvimento econômico chinês. Há uma avaliação, por parte do governo Biden,
que a China está ocupando um espaço econômico desproporcional ao seu poderio
geopolítico e militar no mundo. A história demonstra que poderio econômico no
mundo e poderio bélico são fatores intimamente interligados. O golpe recente no Brasil, aliás, em boa
parte motivado pela descoberta de novas jazidas de petróleo, parece não deixar
dúvidas sobre esse fato.
Os montantes do plano estadunidense ficam
muito aquém dos investimentos mobilizados pelos chineses na chamada Nova Rota
da Seda. Lançado em 2013, com investimentos estimados entre US$ 4 e US$ 8
trilhões, os chineses realizam projetos de infraestrutura que se estendem por
países da Ásia Central, Sudeste Asiático, Oriente Médio, África e Leste da
Europa. A relação China X Estados Unidos vive um momento importante, com
tendência a ficar cada vez mais tensa, em meio a uma série de disputas sobre
comércio, direitos humanos e as origens da Covid-19. Numa ação recente, os
Estados Unidos colocaram na lista negra dezenas de empresas chinesas que
afirmam ter ligações com os militares. Biden
vem criticando a China por seus "abusos" no comércio e em outras
questões. Retornou com força também, e de forma articulada, inclusive na grande
mídia norte-americana, a hipótese de que o vírus da Covid-19 se originou na
China.
Os EUA precisam dramaticamente que o plano
de recuperação da economia funcione. Os indicadores de emprego por enquanto não
apontam firmemente para uma recuperação. Além disso, há temores de vários
analistas de retorno da inflação. Está havendo um forte aumento dos preços de
commodities: agro, metálicas, combustíveis e de bens industriais. Isso em meio
ao imenso estímulo monetário que o governo vem promovendo, o que agrava o risco
de aumento da inflação. Um dos riscos existentes, do ponto de vista do capital,
no caso de uma elevação da inflação, é crescer o movimento dos trabalhadores para
recuperação salarial. Potencial que toda elevação de inflação carrega consigo. Os
estrategistas do império certamente temem muito essa possibilidade,
especialmente na atual conjuntura de polarização e significativas manifestações
de massa nos EUA.
*Economista 14.05.2021.
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