*José Álvaro de Lima Cardoso
Os recentes
acontecimentos de Israel, Colômbia, Chile, Bolívia, Peru, Brasil, que são grandes
“fatores de crise”, em diferentes regiões do mundo, parecem revelar um
deslocamento à esquerda por parte da ação dos trabalhadores. Além disso, parecem
ser movimentos interligados, que mostram uma tendência mundial. São elementos muito
importantes, que revelam o esgotamento de um tipo de política do sistema
capitalista, que é a “política neoliberal”. Tem que procurar entender a
política do governo de Joe Biden (econômica, diplomática, etc.), olhando essa
situação no seu conjunto. O polo político que ele representa está numa crise
extraordinária. Ou seja, é uma crise gravíssima nos partidos mais
representativos da política do imperialismo. Nos EUA esta crise não é uma
possibilidade, ela é muito real. O país está em grande polarização, ou o
governo faz alguma coisa ou será varrido pela mobilização popular.
O plano de Biden, que pretende injetar US$ 6
trilhões na economia (quase 30% do PIB do país) tem que ser entendido dentro
dessa lógica de enfrentamento da crise. Não significa uma ruptura com a
política neoliberal. Não se trata também de uma guinada keinesiana na política
estadunidense, como desejam alguns analistas. Apesar de serem medidas de grande
envergadura, reveladoras, inclusive, da profundidade da crise, não há garantias
que as políticas neoliberais sejam interrompidas. Até mesmo porque faz quarenta
anos que o imperialismo só apresenta essa política para tentar resolver os
problemas do capitalismo no mundo. A crise é muito significativa, o mundo
parece estar caminhando para uma situação de verdadeiro colapso político e
econômico, como poucas vezes se viu na história.
Com os
planos recém lançados, Biden inicia uma temporada de acirramento das relações
com China e Rússia. A retomada dos investimentos públicos, é uma forma de
competir com o modelo de desenvolvimento econômico chinês. Há uma avaliação,
por parte do governo Biden, que a China está ocupando um espaço econômico exagerado,
desproporcional ao seu poderio geopolítico e militar no mundo. Poderio
econômico e poder bélico são fatores intimamente interligados. O golpe recente
no Brasil, aliás, em boa parte motivado pela descoberta de novas jazidas de
petróleo, parece não deixar dúvidas sobre esse fato. Portanto, nesse contexto, a
relação China X Estados Unidos tende a ficar cada vez mais tensa, em meio a uma
série de disputas sobre comércio, direitos humanos e as origens da Covid-19. Recentemente
os Estados Unidos colocaram na lista maldita dezenas de empresas chinesas, utilizando
pretextos. Biden vem criticando a China por seus “abusos” no comércio e em
outras questões.
Com Biden, os norte-americanos deverão promover
uma série de conflitos militares no mundo, “por procuração” com outros grupos, tropas
irregulares como fizeram na Síria e em outros países. O objetivo é estimular a
oposição interna para depois, apoiado pela OTAN, partir para agressões
militares. Provocação à Rússia, à China, à Venezuela, é esse o ambiente que
deve prevalecer nos próximos anos. Joe Biden foi o candidato da máquina de
guerra norte-americana: Pentágono, falcões, Cia e demais serviços de
espionagem, forças armadas, grande capital imperialista, etc. Ou seja, a
essência da política imperialista apoiou Biden. Trump presidente, comparado com
Biden, é um “estranho no ninho”, acusado, inclusive, de aproximação com a
Rússia.
O padrão de vida conquistados pelos
norte-americanos está relacionado à sua ação imperialista no mundo todo. Então,
ao mesmo tempo em que eles tem que se preocupar com a disputa geopolítica com a
Rússia, estão de olho no tabuleiro político latinoamericano. Não é nada
específico contra a Rússia ou China. É que atuam como um Império que são, e
aqueles são seus principais rivais. Se quisermos entender a natureza da
“democracia” nos países imperialistas, precisamos saber que o orçamento militar
dos EUA para este ano, de US$ 740,5 bilhões, é superior aos orçamentos
militares somados dos 10 países seguintes com os maiores orçamentos.
A
democracia norte-americana funciona segundo aquele princípio sintetizado por
Roosevelt: “Fale suavemente e carregue um porrete grande” (Theodore
Roosevelt, Presidente dos Estados Unidos, 1901-1909). A situação na América do
Sul é muito frágil porque não tem nenhuma potência com capacidade nuclear. Por
outro lado, nenhum país tem uma aliança estratégica do ponto de vista militar,
com Rússia ou China. Tudo isso torna a situação do subcontinente extremamente vulnerável.
Os Estados Unidos, além de suas frotas de
porta aviões, navios e submarinos nucleares que cruzam os mares de todo o mundo,
possuem mais de 700 bases militares terrestres fora de seu território nacional
nos mais diversos países. Eles conseguiram essas bases através de tratados e
através do peso econômico da economia norte-americana, do imperialismo
norte-americano. Russos e os chineses não têm esse poderio. Uma das razões dos
EUA terem encaminhado o golpe no Brasil foi a aproximação com a Rússia e a
China através dos BRICS. Em 2015, antes do impeachment, o Brasil tinha assinado
com a China 35 grandes projetos de infra-estrutura no país, incluindo a Ferrovia
Transocenianica, ligando o Atlântico ao Pacífico, ligando o Brasil (RJ) à Lima,
no Peru.
Um sintoma de que a política do “grande
porrete” funciona nas relações internacionais, foi o quase sepulcral silencio
da China e da Rússia, em relação ao golpe no Brasil, assim como nos demais
países da América do Sul. A China perdeu uma porção de negócios na América
Latina toda, por causa dos golpes, mas não se manifestou mais fortemente. Os norte-americanos querem obrigar Rússia e a
China a recuarem das posições geopolíticas que eles adquiriram no último
período. Eles vão procurar fazer com que os russos e os chineses gradativamente
cedam terreno, tanto do ponto de vista militar como do ponto de vista econômico.
Bolsonaro apesar de todos os absurdos que
comete, está sendo tratado com boa vontade pelo imperialismo. Aqui e ali eles dão
uma podada no Bolsonaro, mas sem liquidá-lo. Vocês imaginem se Dilma Roussef
tivesse cometido 0,5% das atrocidades feitas por Bolsonaro. O fundamental é que,
enquanto nos distraímos com as monstruosidades que Bolsonaro diz, ele segue
fazendo o que o imperialismo quer. Nesse momento estão privatizando a Eletrobrás.
Se não conseguirmos barrar, será mais um crime de lesa pátria. A essência do golpe
está, justamente, no que veio após a derrubada de um governo legitimamente
eleito. Centenas (possivelmente mais de mil) medidas, objetivando: 1.destruir
direitos; 2.tirar renda dos trabalhadores; 3.liquidar o pouco de soberania que
o Brasil possuía 4. Saquear o Brasil.
A essência do golpe não é o gabinete do
ódio e sim as privatizações. A essência do golpe não as “rachadinhas” e sim os
bilhões roubados do pré-sal e os bilhões que serão afanados com a privatização
da Eletrobrás. O programa neoliberal unifica todos os golpistas. Não há
diferença entre negacionistas e “civilizados”. Não há divergências entre
direita tradicional e fascistas. É um equívoco querer se juntar com a direita
chamada de “civilizada” para defender o Brasil. A direita “civilizada” participou
do golpe de 2016 e quer vender o Brasil da mesma forma que os fascistas.
*Economista,
31.05.2021.
Nenhum comentário:
Postar um comentário