*José Álvaro de Lima Cardoso
No começo de fevereiro o
governo de Santa Catarina anunciou a extinção da Santa Catarina Parcerias,
a SC-Par, empresa estadual
que administra os portos de Imbituba e São Francisco do Sul do Sul. Ainda que
as informações sejam incompletas para o grande público, a medida viria
acompanhada da privatização dos dois portos catarinenses que são hoje
administrados pelo governo do Estado: São Francisco do Sul do Sul e Imbituba.
Ambos os portos são do governo federal, mas se encontram sob concessão do
governo catarinense.
O sistema portuário brasileiro
é estratégico sob vários pontos de vistas: econômico, geopolítico, social e
militar, com uma costa de 8,5 mil quilômetros navegáveis, - número que sobe
para 10.000 km se incluir o Rio Amazonas. Esse sistema gigantesco movimentou em
2020 1,151 bilhão de toneladas (dados da Agência Nacional de Transportes
Aquaviários - Antaq). Desse total, os Portos Organizados, (assim chamados os
portos públicos), movimentaram 391 milhões e os Terminais de Uso Privado
(TUPs), 760 milhões de toneladas de produtos. O setor portuário brasileiro
responde por mais de 90% das exportações. O modal aquaviário possui um dos
menores custos no transporte de cargas no Brasil.
O Porto de São Francisco do
Sul é vital para a economia do município e região. Se estima que sua existência
responda por algo em torno de 70% da economia da cidade. O Porto é muito
importante também para os demais municípios próximos, que são vários, numa área
de elevada densidade demográfica. Apesar das magnificas belezas da Baia da
Babitonga e adjacências, o turismo responde por apenas 5% da movimentação
econômica do município. Em empregos diretos, são centenas de trabalhadores, operadores
portuários, trabalhadores avulsos, caminhoneiros. Além disso, a renda do porto
gera milhares de empregos indiretos no comércio e serviços, sejam informais ou
formais. Atualmente são algo em torno de 600 os trabalhadores portuários
avulsos (TPAs), que abrangem os arrumadores, vigias, conferentes e estivadores que
trabalham no porto. Além dos avulsos há trabalhadores de carteira assinada,
cerca de 1.000. No total uma média de 3 mil trabalhadores atuando direta e
indiretamente na área portuária.
Em 2020 o porto de São Francisco do Sul do
Sul permaneceu na condição de 23º principal porto brasileiro em movimentações e
instalações portuárias. Pode não parecer significativo, mas este
país-continente chamado Brasil possui
um total de 175 instalações portuárias de carga, incluindo portos e
terminais marítimos e instalações aquaviárias. O país possui portos ao longo de
toda a costa e no interior, possibilitados pelas extensas bacias hidrográficas.
Além do Porto gerar lucro
líquido e receita, tudo indica que há uma relação direta entre a renda gerada
pelo Porto e o bem-estar da população, como revelam os dados de São Francisco
do Sul do Sul, relativos ao IDH e ao PIB Per Capita, em relação aos demais
municípios do entorno, seja em Santa Catarina, seja no Paraná. Se compararmos
esses indicadores com os municípios mais próximos à São Francisco do Sul,
inclusive os do Paraná, observaremos que São Francisco do Sul do Sul fica em 2º
lugar no conjunto, tanto em IDH, quanto em PIB per capita. Não há outra razão
para o fenômeno, além do emprego e da renda gerados pelo Porto de São Francisco
do Sul.
Uma das falácias utilizadas pelos defensores
da privatização das empresas públicas é associar privatização com eficiência.
Essa é uma das “pegadinhas” da privatização. Como tem mesmo ineficiências nas
empresas em geral (públicas e privadas) e a vida do povo é muito ruim, muito
difícil, acaba-se associando ineficiência e serviços estatais, como se aquela
fosse uma exclusividade deste. A população, que luta para sobreviver, e não tem
informação mais detalhada sobre o assunto, tende a cair nesse tipo de discurso
mentiroso. Até porque não dispõe do contraponto para melhorar sua análise,
visto que a mídia comercial é a favor das privatizações, por princípio.
Mas o fato é que, dos 10 portos considerados
os mais importantes do mundo, pelo critério de quantidades transportadas,
praticamente todos são públicos. Da lista mais recente apenas três não são
chineses: Cingapura (Cingapura); Busa (Coreia do Sul) e Roterdã (Holanda). Os 7
portos chineses da lista são propriedade do governo, conforme quase tudo na China.
O Porto de Cingapura possui um
modelo de administração totalmente público. No porto de Busan, na Coréia do
Sul, prevalece o modelo chamado de Landlord Port, no qual cabe à iniciativa
privada parte dos serviços como a operação portuária, mas a infraestrutura é
pública. A propriedade da terra e a administração do porto são de
responsabilidade do poder público. No caso de Roterdã o porto é 100% público e
a gestão é feita por uma comissão de executivos.
Ou seja, entre os 10 mais importantes
portos do mundo, nenhum deles utiliza o sistema inglês, no qual todos os
serviços, desde a operação portuária, até a propriedade da terra, são privados.
Este último é chamado Private Service Port. Isso significa que, nesse grupo de
portos, considerados os mais importantes do mundo por seu alto nível de
eficiência, não há nenhum porto privado. No máximo, há soluções híbridas, com a
divisão de papeis entre setor público e o privado.
Entre os portos que são considerados
referências de produtividade e governança no mundo todo, nenhum é privado. Os portos
que são considerados modelos internacionais são quase todos públicos. O segredo
dos seus êxitos, está no hábito do planejamento estratégico, no alto nível de
organização e na integração porto/cidade. Normalmente o porto é algo tão
significativo para uma cidade ou região, do ponto de vista econômico, cultural,
arquitetônico e político, que a integração entre o porto e a cidade tem que ser
minuciosamente pensada.
Como ocorre em todo processo de
privatização de ativos públicos importantes, a prefeitura de São Francisco do
Sul do Sul, os representantes sindicais dos trabalhadores, e a população em
geral, tem recebido o mínimo de informações. Não é fácil, mesmo, explicar como
um porto superavitário, que recebeu investimentos públicos pesados
recentemente, que vem melhorando seu desempenho, é fundamental para o orçamento
municipal e para o emprego, e que gera lucro, pode ser entregue de mão beijada
para o capital privado.
Não é por acaso que, em São Francisco do
Sul do Sul, sindicatos e os setores mais mobilizados da sociedade se movimentam
contra a privatização. Quem se mobiliza pressente
que a venda do ativo não melhorará as coisas. Como já testemunharam o processo
de privatização no Brasil e no mundo, sabem que ela vem apenas para resolver o
problema do Capital e não da população como um todo.
Para um banco que venha
comprar o Porto de São Francisco do Sul, o fundamental será o lucro líquido que
ele gera, para distribuição aos seus sócios. O porto público tem uma
perspectiva muito mais abrangente. Interessa os empregos que gera, a renda que
ele aporta na região em que está instalado, a contribuição para a competividade
das exportações, sua capacidade de contribuir para o desenvolvimento regional e
nacional. Para a população tudo isso é fundamental. Para os tubarões que querem
fazer dinheiro rápido, nada disso interessa.
*Economista 05.03.21.
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