*José Álvaro de Lima Cardoso
O
processo de privatizações, especialmente realizado num momento como este, de
grave crise econômica e crise sanitária é, antes de tudo a possibilidade de as
empresas comprarem barato ativos estratégicos, extremamente eficientes e
rentáveis como Banco do Brasil, Correios, refinarias de petróleo e outros. Não
pode haver ilusões: “fazer dinheiro” é o objetivo central desses processos de
privatização, especialmente em países subdesenvolvidos. Por isso, esses processos
têm que ser enrustidos, sem transparência. Para justificar a entrega de ativos
públicos fundamentais para a população, ao capital, os governantes têm que
mentir descaradamente. No caso do Brasil, o problema é agravado porque a grande
mídia é oligopolizada e defende as privatizações, dando visibilidade para
apenas uma posição em relação ao assunto.
O maior obstáculo
para as privatizações de setores estratégicos da economia são os trabalhadores
organizados, porque estes têm informação das empresas. Normalmente, num
processo de privatização, a esmagadora maioria da população é enganada, como
vimos isso na criminosa privatização do governo Fernando Henrique Cardoso. Se
gastou uma fábula de dinheiro público para fazer propaganda contra as estatais
e enganar o povo. Dentre as várias mentiras que se conta, uma delas é de que a
privatização resolve o problema fiscal do governo. Mas não há saída para o
problema fiscal no Brasil, se não se resolve o problema da dívida pública. A
meta de arrecadação do governo com a privatização, para o ano passado era de R$
150 bilhões. O governo conseguiu arrecadar muito menos do que isso. Mas só os
gastos com o pagamento de juros e amortizações da dívida pública chegaram a
espantosa cifra de R$ 1.381 trilhão, tendo aumentado R$ 344 bilhões no ano
passado, em relação à 2019.
Um dos
objetivos das privatizações é abrir excelentes negócios, para um capitalismo
mundialmente em crise. Ou seja, as privatizações são, essencialmente, um
mecanismo de solução dos problemas do capital. Mas a pauta das privatizações, ao contrário da
destruição de direitos dos trabalhadores, não unifica o empresariado.
As
estatais são fundamentais para a estabilidade macroeconômica e a garantia dos
serviços em setores estratégicos, de qualquer país. A privatização de certas
áreas não interessa ao empresariado nacional. Por exemplo, se depender do
governo a Eletrobrás será privatizada rapidamente. Sabe-se que se o capital
privado assume 100% do fornecimento de energia, a tendência muito forte é
aumentar o preço da energia. Isso não interessa à indústria e mesmo ao capital
nacional como um todo. Ademais, normalmente quem tem café no bule para comprar
as estatais é o capital internacional, ou seja, o grosso dos capitalistas
nacionais não irão faturar com as privatizações
É grande
a correlação entre privatização e desnacionalização. Normalmente quem dispõe de
recursos para adquirir as empresas públicas, são as grandes empresas
imperialistas, com sedes nos governos centrais. Aqui no Brasil quem ainda pode
adquirir as estatais são os bancos, que continuam ganhando muito dinheiro. Mas
bancos são bancos. A primeira coisa que farão é aumentar as tarifas, independente
do setor em que estejam. A desnacionalização da economia apresenta vários
riscos: setores estratégicos caem nas mãos de estrangeiros (água e luz,
petróleo, por exemplo), aumenta a remessa de lucros (desequilíbrio no balanço
de pagamentos), assumem grupos que estão interessados exclusivamente em lucros
imediatos, etc.
Um dos
argumentos é que é a privatização é fundamental para aumentar o nível de
investimentos no país. Mas esse argumento é cretino, pois o “financiamento” que
vem para o país em tempos de privatização é para comprar empresas à preço de
bananas. Investimentos produtivos não se
deslocam à países que estão destruindo as leis trabalhistas, destruindo
previdência, e liquidando o mercado consumidor interno. Pelo contrário, vejam o
que está acontecendo no Brasil. A montadora Ford anunciou que encerrará a
produção de veículos no Brasil em 2021. A decisão deve implicar no fechamento
de cerca de 5.000 postos de trabalho no país. Privatização só atrai o recurso
para comprar o ativo a preços de banana, mais não para investimentos.
Privatização significa desemprego, como revelam a experiência mundial e
brasileira. As demissões começam antes de entregar o ativo. Vejam o caso do
Banco do Brasil, que irá fechar no país 361 unidades, sendo 112 agências, 7
escritórios e 242 postos de atendimento. Ao mesmo tempo o banco lançou dois
planos de “demissão voluntária”, com estimativa de desligamento de 5 mil
trabalhadores da ativa. Estão preparando o Banco para privatizar, estão fazendo
o serviço sujo. Ao mesmo tempo abrem mercados para os bancos estrangeiros e
enxugam o banco para o processo de privatização. Detalhe: o lucro líquido do
banco no ano passado, com pandemia e tudo, foi de R$ 13,88 bilhões.
As privatizações
são sempre realizadas abaixo do que seria o valor real da empresa, essa é a regra.
Por exemplo, a BR Distribuidora, cujo controle acionário foi vendido pela
Petrobrás, é a maior distribuidora de derivados de petróleo do país, com cerca
de 30% do mercado de combustíveis e lubrificantes. Possui quase oito mil postos
de venda e atua em 99 aeroportos. Com o negócio o governo entregou o controle
do terceiro maior mercado de combustíveis do planeta, o Brasil, que perde
apenas para EUA e China. Isso por cerca de R$ 9,6 bilhões, em torno de US$
1,6 bilhão (ao câmbio atual). Esse valor, para uma empresa como essa, é
dinheiro trocado. O valor de venda da BR Distribuidora (R$ 9,6 bilhões), já foi
devolvido em boa parte com o lucro líquido de 2020, de R$ 3,9 bilhões (ano de
pandemia). Ou seja, só no primeiro ano de funcionamento com controle privado, o
lucro líquido da empresa já cobriu 41% do preço de compra. É um verdadeiro
negócio da China para quem comprou o ativo (que não aparece, é uma incógnita,
mas tudo indica que foi a Exxon).
Empresas
públicas têm uma função social. Por exemplo, a Caixa Econômica Federal e a
Dataprev foram fundamentais na distribuição da Renda Emergencial no período
recente. Só foi possível o benefício chegar para uma parte dos beneficiários
por causa das estruturas de atendimento público. Existe o Cadastro Único,
o Sistema Único de Saúde e a Caixa Econômica, estruturas que ainda não deu
tempo de privatizar. E estas estruturas são sempre fundamentais, especialmente
na hora do aperto. O exemplo mais extremo também é o SUS. Governo Bolsonaro
está fazendo de tudo para desmontar o SUS, e colocar as empresas dos amigos do
governo para atender o setor. Imaginem, neste momento, no qual o Brasil é o
centro da pandemia no mundo, em que está havendo um genocídio, caminhando para
os 4.000 mortos diários, dependemormosdo setor privado.
Uma das
falácias dos privatistas é associar privatização com eficiência. Essa é uma das
pegadinhas da privatização. Como tem mesmo ineficiências nas empresas públicas
(assim como tem na empresa privada) e a vida do povo é muito ruim, muito
difícil, eles associam estatais e ineficiência. Mas o fato é: qual a economia
mais eficiente do mundo, há décadas? Eficiência traduzida aqui por crescimento
da produtividade e do PIB. É a China, disparado!. Pois bem, a China tem 150.000
estatais (55.000 diretamente subordinadas ao governo central. Então, a relação
entre estatais e ineficiência é completamente mentirosa, como revelam inúmeros
exemplos também aqui no Brasil.
Enquanto o governo Bolsonaro (o mais
ineficiente e lambe botas da história) “quer privatizar tudo”, no mundo está
havendo um movimento contrário, de reestatização de serviços de setores
importantes, como energia, água e transporte. Desde 2000 quase 900
reestatizações foram feitas em países centrais do capitalismo, como EUA e
Alemanha. Ademais, a experiência do Brasil com as privatizações no governo
Fernando Henrique Cardoso, seria fundamental recordar porque há um culto ao
esquecimento no Brasil.
As novas gerações são sempre induzidas a
desconhecer a história. Em termos gerais o governo FHC destruiu a economia
nacional, tornando-a muito mais dependente do exterior e aumentando muito o
desemprego e a precarização. Especificamente no que se refere às privatizações,
o livro “O Brasil Privatizado”, de Aloysio Biondi (I e II), traz uma listagem
completa dos crimes cometidos contra o país naquele governo. Crimes que tendem
a serem repetidos agora, em escala mais ampla.
*Economista.29.03.21
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