*José Álvaro de Lima Cardoso
No
começo de fevereiro último o governo estadual anunciou a extinção da Santa
Catarina Parcerias, a SC-Par,
empresa estadual que administra os portos de Imbituba e São Francisco do Sul. Ainda
que as informações sejam pouco transparentes, segundo o que foi anunciado, a extinção
da SC-Par, virá acompanhada da privatização dos dois portos catarinenses que
são hoje administrados pelo governo do Estado: São Francisco do Sul e
Imbituba. Ambos os portos são do governo
federal, mas administrados por concessão ao governo catarinense.
As
medidas do governo catarinense não são fatos isolados. Os portos brasileiros, e
toda a complexa estrutura que os coloca em funcionamento, sofrem neste momento,
uma intensificação dos ataques. O Projeto de Lei 4.199/2020, novo marco legal
da cabotagem, também conhecido como BR do Mar, está para ser votado no Senado
Federal. O Projeto tinha sido aprovado em 2020 na Câmara Federal, com muitos
protestos de trabalhadores portuários, caminhoneiros e usuários dos portos. A postura
do governo federal para a aprovação deste projeto é a mesma que tem em relação
às privatizações de outros ativos: aprovar tudo rapidamente, sem debate.
O
objetivo do PL “BR do Mar”, argumenta o governo, é aumentar a oferta de
serviços de transporte entre os portos brasileiros e a concorrência do setor. Segundo
o engenheiro naval e consultor em logística portuária e transporte marítimo
Nelson Carlini, o projeto faz abertura da navegação para o capital estrangeiro
que significa na prática o abandono da navegação brasileira, e não conduzirá a
efeito na indústria e no emprego. Para o engenheiro o chamado BR do Mar, parte
de 2 premissas falsas: considera que o principal entrave ao setor é a pequena
disponibilidade de navios e pressupõe que o modal está estagnado. Mas, segundo
o citado especialista, a cabotagem representa 11% da matriz de transportes
brasileira, e tem crescido em média 10% ao ano[1].
O
governo Bolsonaro, que tem ministro da Economia de orientação ultra neoliberal,
deveria olhar como o sistema funciona no mundo. O modelo de exploração
portuária que prevalece no planeta é o Landlord Port (exploração compartilhada
público-privado). Esse modelo possui uma Autoridade Portuária (pública,
naturalmente), geralmente municipal ou estadual, que tem o papel de fiscalizar
e regular a atividade. Este modelo é o que vigora nos portos da Europa
(Rotterdam, Bélgica, Hamburgo, etc.), nos EUA (Los Angeles, New York-New
Jersey) e Ásia (China, Coréia e Japão). Os portos citados são todos referências
mundiais em eficiência, agilidade, sustentabilidade. O Landlord Port é o modelo
sob o qual funciona, também, o Porto de São Francisco do Sul.
O
marco legal portuário no Brasil estabelece basicamente 3 modelos de exploração
do negócio:
1.
Exploração de instalações portuárias dentro dos portos organizados, por meio de
arrendamentos, precedidos de licitação (Landlord Port). Este é o modelo de todos
os portos públicos do Brasil. Especialmente depois da Lei nº 8.630/1933, que possibilitou
que os portos públicos fossem transferindo a operação portuária ao setor privado,
através de arrendamentos, passando a se ocupar somente da administração do
porto e de investimentos em infraestruturas de uso comum no empreendimento;
2.
Exploração de Terminais de Uso Privado (TUP), fora dos portos organizados, para
movimentação de cargas, mediante autorização do Poder Concedente (Fully
Privatized Port). O Porto de Itapoá, que funciona também na Baía da Babitonga, (onde
se situa o Porto de São Francisco do Sul), é o terceiro do Brasil em movimentação
de cargas, e é um exemplo de TUP bem sucedido;
3.
Exploração de instalações portuárias dentro dos portos organizados, mediante
autorização a operadores portuários pré-qualificados sem exclusividade sobre o
uso das instalações (chamado de Tool Port). Este modelo é o do Porto de Recife,
em Pernambuco, por exemplo.
Nos
inúmeros aspectos que devem ser levados em conta no debate sobre privatização
dos portos catarinenses um deles é a questão do preço. Não
há, pelo menos publicamente, uma previsão por qual valor o Porto de São
Francisco de Sul seria colocado à venda. Mas é fácil prever de que seria um
valor bastante abaixo do seu valor efetivo, como em regra tem sido as
privatizações no Brasil. Para efeito de comparação, podemos tomar a BR
Distribuidora, cujo controle acionário foi vendido pela Petrobrás, como exemplo
recente. É a maior distribuidora de derivados de petróleo do país, com cerca de
30% do mercado de combustíveis e lubrificantes. Possui quase oito mil postos de
venda e atua em 99 aeroportos. Com o negócio o governo entregou o controle do
terceiro maior mercado de combustíveis do planeta, que perde apenas para EUA
e China.
Isso por cerca de R$ 9,6
bilhões, em torno de US$2,5 bilhões (ao câmbio da época, hoje seria menos), uma
mixaria considerando o mercado de petróleo e o faturamento da BR Distribuidora.
Não se sabe quem qual foi o investidor “estratégico” que comprou a BR
Distribuidora. Alguns especialistas neste tipo de mercado acham que foi a SHELL,
que teve participação ativa no golpe de 2016 no Brasil. Até 2017 a Petrobrás era
a única proprietária da BR, ano em que vendeu 29% das ações. Agora os investidores
privados têm a maioria das ações da distribuidora de combustíveis, na prática,
a BR foi privatizada.
O valor de venda da BR Distribuidora
(R$ 9,6 bilhões), já foi devolvido em boa parte com o lucro líquido de 2020, de
R$ 3,9 bilhões. Ou seja, só no primeiro ano de funcionamento com controle
privado, o lucro líquido da empresa já cobriu 41% do preço de compra. É um
verdadeiro negócio da China. Possivelmente as empresas que adquiriram a BR
Distribuidora contaram com crédito público e financiamento facilitado.
Voltando ao Porto de São
Francisco do Sul, como foi registrado, não há ainda nenhuma informação pública
sobre o seu preço de venda. O mesmo ocorre com o Porto de Imbituba. Mas se para
uma BR Distribuidora foram R$ 2,5 bilhões, pode-se imaginar que os valores que
serão estabelecidos para os Portos de São Francisco do Sul e Imbituba, serão
irrisórios. Mas a questão do preço dos ativos públicos será a menos importante.
Existem dezenas de outras razões pelas quais um patrimônio destes não deve ser
entregue ao setor privado. O Escritório Regional do DIEESE em Santa Catarina,
inclusive, está elaborando, ao longo do março, um estudo, no qual boa parte
dessas razões estão sendo elencadas.
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