*José Álvaro de Lima Cardoso
O enfrentamento dos desafios da Quarta
Revolução Industrial (Indústria 4.0) pressupõe investimentos crescentes em
ciência e tecnologia. Para se sair bem no processo o Brasil precisaria estar investindo, permanentemente,
bilhões de reais em pesquisa e inovação industrial. No entanto o orçamento disponível para
investimentos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI)
para o ano passado foi de apenas R$ 3,7 bilhões, e a proposta do governo
para 2021 é reduzir
ainda mais esse valor, chegando a R$ 2,7 bilhões. Em 2014, o mesmo orçamento, sem
correção monetária, foi de 8,4 bilhões, mais do que o triplo.
Os danos que os cortes do
orçamento em ciência e tecnologia causam para o país permanecerão por muitos e
muitos anos. Na pesquisa, por exemplo, com os cortes orçamentários a partir de
2016, equipes se desmontaram e aprofundou-se a chamada “fuga de cérebros”,
cientistas e pesquisadores que vão morar em outros países em busca de
oportunidades de trabalho e de continuidade em seus estudos. A evasão de
cientistas ocorre por motivo financeiros, falta de oportunidades, e até
políticos, em função do fechamento dos poucos espaços democráticos na
sociedade, fenômeno que o golpe de 2016 acelerou. É bom lembrar que ciência
séria não convive bem com obscurantismos e semelhantes.
O corte de orçamento em ciência e
tecnologia desde 2016 afetou pesquisas da
indústria de nanotecnologia e os estudos de genética, que vinham recebendo
apoio das fundações estaduais de pesquisa, especialmente na área de commodities
agrícolas, e desenvolvidos pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária).
A política dos golpistas, de
destruição da ciência e tecnologia não está sendo cometida apenas por estupidez
(que, inegavelmente, é muito grande). É um plano. É uma política deliberada,
que está destruindo o que o Brasil construiu nessas áreas, sempre à duríssimas
penas. Uma das
primeiras ações do golpe de Estado foi a interrupção do programa de
enriquecimento de urânio e de todas as demais etapas do ciclo do combustível
nuclear. O Brasil estava desenvolvendo uma das mais bem-sucedidas experiências mundiais
na viabilização, com tecnologia nacional, do desenvolvimento e instalação
nuclear para submarinos, incluindo a fabricação, no Brasil, de todos os
equipamentos e componentes. O Brasil vinha também desenvolvendo o mais moderno
programa de construção de centrais nucleares e armazenamento de rejeitos. Desmontaram
todos esses projetos, e de caso pensado. A operação Lava Jato, que à altura
todos sabem que foi criminosa, prendeu, inclusive, o vice-almirante Othon
Silva, cientista e o grande cérebro brasileiro na área de tecnologia nuclear. Foi
a primeira prisão da Lava Jato, pelo menos de pessoa tão importante, logo no
início, ainda em julho de 2015.
Desde 2016 estão cortando
criminosamente o orçamento das universidades públicas. O Brasil precisaria formar
profissionais, na Engenharia
de Computação, nas Ciências da
Computação, e outras áreas, profissionais que são formados em número
insuficiente. Nesse processo as universidades têm papel fundamental. A
principal função da universidade é formar pessoas bem preparadas do ponto de
vista básico. Outra função essencial das universidades é a pesquisa, que estão
matando à míngua. O país precisa muito de ciência e pesquisa acadêmica, agora
mais do que nunca. Desenvolvimento conectado, é claro, com o processo produtivo,
de forma que se transforme em conquistas concretas na indústria e no processo
produtivo de uma forma geral.
Em função da destruição da
indústria nacional, que já vem em um processo de encolhimento há décadas, (hoje
representa menos de 10% do PIB) o grande capital internacional aprofundou a apropriação
desse vazio em nosso mercado interno. Grandes empresas internacionais dominam
setores estratégicos de bens industrializados com tecnologia de ponta, com
grandes lucros. Um simples estudo das quinhentas maiores empresas que atuam no
Brasil revela o dramático nível de internacionalização da economia brasileira.
Segundo
a Revista Forbes, das 500 maiores empresas do mundo em 2019, 62% se originam em
quatro países (EUA, China, Japão e França). Só os EUA é o país sede de 128
grupos, representando mais de ¼ do total. O país de origem das grandes empresas
mundiais é sempre uma boa referência para saber a posição do país do aspecto do
desenvolvimento. Das 500 maiores empresas do mundo apenas oito são brasileiras,
de acordo com o ranking Fortune 500, o que diz muita coisa sobre o nosso (sub) desenvolvimento.
Isto
significa que, apesar do Brasil ser a 10ª economia do mundo, sedia apenas 1,6%
das 500 maiores empresas do mundo. Não por coincidência, a primeira empresa
brasileira, com a 74ª colocação no mundo, a Petrobrás, foi a empresa-alvo da
operação Lava Jato e do golpe em geral. Observe-se que das oito empresas
brasileiras que constam da lista da Forbes três são estatais, na mira dos
tubarões para serem privatizadas. É uma situação desesperadora.
Por conta
da internacionalização da economia, e da pouca expressão das empresas
brasileira no ranking global, o
grosso da indústria não tem os centros decisórios e tecnológicos localizados no
Brasil. O país é importador de tecnologias de fora. Quando ocorre uma mudança tecnológica, como agora com a
4ª Revolução Industrial, o Brasil fica para trás. Foi assim com a eletrônica,
pois o país não conseguiu entrar com força no desenvolvimento de produtos nessa
área. O fato de não haver centros de desenvolvimento de tecnologias no Brasil
implica que o grau de inovação é mais baixo e, se o grau de inovação é mais
baixo, a produtividade é menor, a dinâmica da indústria é menor e assim por
diante.
Esse
é o agravante do golpe dentro do golpe, que é a entrega do pré-sal, e o assalto
à Petrobrás, que vem sendo privatizada e desintegrada. Segundo a AEPET, entre
2015 e 2018, foram privatizados cerca de US$ 19 bilhões em ativos da Petrobrás.
Apenas em 2019, foram vendidos US$ 16,3 bilhões (ainda não temos os resultados
consolidados de 2020). Querem transformar a maior empresa da América Latina,
numa empresazinha fornecedora de óleo cru para as “donas do mundo”. A
Petrobrás, além de tudo que significa para a economia (uma autêntica “nação
amiga”), é um centro irradiador de inovação tecnológica. Por isso, também,
ficou no olho do furacão do golpe. Por isso montaram, como ponta de lança de
interesses imperialistas, a operação mais sórdida da história, a Lava Jato, que
agora foi totalmente desmascarada.
A década que se encerrou em 2020, foi perdida
para a indústria. Entre 2011 e 2019 a perda acumulada é de 15%. Após uns
cinquenta anos, o Brasil está saindo do ranking dos 10 maiores países
industriais do mundo. No Brasil, o problema maior não é a ausência de um projeto
nacional de desenvolvimento por parte dos golpistas. É muito mais grave. É que
o Estado nacional foi tomado literalmente de assalto. Estão desarticulando toda
a estrutura produtiva que o Brasil construiu ao longo de décadas, desde Getúlio
Vargas, fundamental para garantir uma indústria de base nacional, e enfrentar a
quarta revolução industrial. Essa estrutura havia sobrevivido em parte ao
primeiro ataque neoliberal na década de 1990, comandada por Fernando Henrique Cardoso
(FHC), que liderou a primeira grande nuvem de gafanhotos que devorou o Brasil. Mas
o período FHC, comparado com os governos do golpe (Temer e Bolsonaro), é
fichinha.
Os países que estão se saindo melhor no
atual processo de revolução industrial são os que têm projeto nacional,
coordenado pelo Estado. Alemanha, China, Coreia do Sul, EUA e outros, são os
que já estão tirando partido desse processo de avanço das forças produtivas e
certamente aproveitarão para avançar em todos os aspectos. Mas do governo atual do Brasil não podemos
esperar nenhuma ação em prol do desenvolvimento nacional. O governo Bolsonaro é
inimigo do Brasil, do povo brasileiro, e da tecnologia. Por isso, com esse
governo, não tem como imaginarmos que o Brasil possa se dar bem no
enfrentamento da Quarta Revolução industrial.
*Economista.
22.02.21.
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