*José Álvaro de Lima Cardoso
As negociações coletivas se desenvolvem em
meio à uma brutal crise política, econômica e social. As negociações, que são
uma das tarefas mais importantes dos sindicatos, nunca foram fáceis, mas nessa
conjuntura ficaram ainda mais adversas. Um dos efeitos disso é a não reposição
das perdas salariais, que para a maioria das mesas, é a cláusula mais relevante
da negociação coletiva no Brasil. O motivo é simples: como as negociações no
Brasil são extremamente limitadas, o reajuste salarial acaba sendo a cláusula
mais importante.
Segundo pesquisa do DIEESE
relativa ao primeiro semestre de 2020 (“Pandemia muda contexto das negociações coletivas
no 1º semestre de 2020”), houve redução do número de cláusulas relativas a
reajustes salariais em 28% na comparação com o negociado no mesmo período de
2019 (conforme registrado no Sistema Mediador, da Secretaria de Relações de
Trabalho). Como não teve redução no número de registros de instrumentos
coletivos no período, tudo indica que a queda no número de reajustes está
relacionada à mudança do objeto das negociações coletivas, que passaram a se
concentrar em questões relativas à pandemia da Covid-19. Ou seja, em muitas
mesas, os patrões nem quiseram discutir a cláusula do reajuste salarial ou equivalente.
Uma indicação disso é que, ao menos 55% dos instrumentos analisados nessa
pesquisa pelo DIEESE (4.082 instrumentos) registraram cláusulas relacionadas à
covid-19.
Além de quase 30% dos
instrumentos de negociação no primeiro semestre, nem ao menos preverem reposição
da inflação no período, uma parcela significativa ou praticou reajuste inferior
à inflação, ou adiou o reajuste para o período de pós-pandemia. Em muitos casos
o acordo traz a cláusula de reajuste, só que definindo o mesmo para começar a
valer meses à frente da data-base, impondo assim uma perda de salários reais.
Por exemplo, houve negociações em que as partes acertaram a aplicação do INPC-IBGE
do período, mas para começar a vigorar bem mais à frente, em alguns casos em
janeiro de 2021.
A não reposição da inflação
nos salários, ou o adiamento da reposição para meses após a data-base, vem provocando
uma queda dos salários reais, estes já bastante irrisórios. O fato é
especialmente grave para os salários mais baixos, já que, apesar da inflação em
geral estar em torno de 3%, os alimentos têm aumentado de preço em ritmo bem
superior. Como se sabe, quanto mais baixo o salário, maior o peso relativo dos
alimentos sobre o orçamento. Uma família que tenha orçamento de R$ 1.500,00 (só
com um empregado, por exemplo), gasta a totalidade dos recursos com comida,
limpeza e higiene. O preço da cesta básica indica isso. Segundo o DIEESE, a
cesta básica de alimentos em São Paulo, que custou R$ 539,95, em agosto,
aumentou 12,15% nos últimos 12 meses. A variação de SP foi uma das menores do
país. Em 8 das 17 capitais pesquisadas em agosto, apresentaram variações anuais
acima de 15%. Em Florianópolis a CB está custando R$ 530,42 e aumentou 14,26% em
12 meses.
O PIB caiu 11,4% no segundo
trimestre de 2020 (comparado ao segundo trimestre de 2019). Foi a maior queda
da série, iniciada em 1996. O consumo das famílias brasileiras despencou 12,5%
no segundo trimestre, na comparação com o trimestre anterior. Essa queda do
consumo, que também é a maior registrada na série histórica do IBGE é resultado
matemático das políticas praticadas a partir do golpe de 2016, cujo objetivo é tirar
o que puder dos direitos e da renda do trabalhador. Neste contexto de brutal
crise econômica e super exploração do trabalhador, os patrões aproveitam a
pandemia, e a natural desarticulação do movimento sindical, para não conceder reajuste
salarial na mesa de negociações, e ainda retirar os poucos benefícios que os
acordos e convenções coletivas, possuem, fruto de décadas de luta.
A mesma política de arrocho se
observa nas estatais. O caso dos Correios é a prova de que a lei não existe mais
no país há um bom tempo. A direção dos Correios simplesmente quebrou um acordo
que tinha vigência até 31 de julho de 2021, com a apoio do STF. Com essa
decisão, os trabalhadores dos Correios, que estão morrendo de Covid-19 na linha
de frente, perderam direitos históricos, obtidos em décadas. Só é possível
entender que um acordo que foi feito entre a empresa e os trabalhadores seja
quebrado por uma decisão liminar, se entendermos que o Brasil está no Modo
Golpe desde 2016. A greve dos Correios, que é histórica, tem também o caráter
de ser contra a privatização da empresa, que é a próxima da lista de Paulo Guedes.
A greve é contra a retirada de direitos, a privatização, e também a negligência
dos Correios com a saúde dos trabalhadores em tempos de pandemia.
A quebra do acordo por parte
da direção da estatal certamente é uma preparação para a entrega da empresa aos
tubarões. Entre as 70 cláusulas derrubadas pelo governo e o Supremo estão: 30%
do adicional de risco, vale alimentação, licença maternidade de 180 dias,
auxílio-creche, indenização por morte, auxílio para filhos com necessidades
especiais, pagamento de adicional noturno e horas extras. O grupo econômico que
arrematar os Correios, na bacia das almas (provavelmente uma multinacional),
assumirá uma empresa onde os trabalhadores têm o mínimo de direitos, e uma remuneração
que foi achatada no período recente.
O aumento das dificuldades na
negociação se verifica num contexto em que as adversidades da ação sindical, no
seu conjunto, ampliaram muito. De 2012 a 2019 os sindicatos perderam 3,8
milhões de filiados no Brasil, segundo dados da Pnad Contínua/IBGE. O número de
sindicalizados passou de 16,1% em 2012, para 11,2% em 2019. Além disso, há uma
sistemática desqualificação dos sindicatos realizada através da mídia
comercial, empresas, instituições em geral, o que torna muito difícil os
trabalhadores enxergarem a importância que exerce o sindicato nas suas vidas.
Os patrões estão aproveitando toda essa
conjuntura de crise econômica e sanitária para tentar “depenar” os direitos dos
trabalhadores, muitos conquistados a suor e lágrimas, às vezes obtidos em
muitas décadas de batalhas. Em função desse quadro, a direção sindical do
DIEESE em Santa Catarina, em documento recente, sugeriu algumas medidas aos dirigentes
sindicais no sentido de enfrentar esses ataques, as quais listo a seguir:
1.Não assinar acordos ou convenções coletivas que imponham perda salarial
para os trabalhadores. As negociações devem contemplar no mínimo a inflação do
período;
2. Não assinar acordos ou convenções coletivas que impliquem em perder
benefícios de qualquer natureza;
3.Não fechar acordos ou convenções que signifiquem perdas de direitos
sociais, organizativos, ou de qualquer outra ordem;
4.Antes de fechar o acordo procurar obter informações de negociações do
setor, no município, estado ou país.
São orientações muito
adequadas da direção do DIEESE. Em algumas situações é preferível ficar sem
acordo coletivo, do que celebrar acordos ou convenções que impliquem em prejuízos
para os trabalhadores. Se a entidade sindical referenda cláusulas que pioram a
vida dos trabalhadores, oficialmente ela estará concordando com tais prejuízos.
Nesse caso, é preferível simplesmente não assinar o acordo e encaminhar as
medidas cabíveis, que passam principalmente pela mobilização dos trabalhadores.
Mais do que nunca, é preciso resistir!
*Economista. 14.09.20
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