*José Álvaro de Lima Cardoso
O que estamos assistindo no
mundo todo, especialmente na América Latina, é uma decomposição dos regimes
políticos, que anteriormente, ainda procuravam manter uma fachada de
democracia. Onde antes havia uma democracia meia-boca, com baixo nível de
participação popular e grande concentração de renda - caso do Brasil - estamos assistindo
agora uma franca deterioração dos regimes. Ao invés de democracias limitadas, permanece
apenas uma cobertura democrática, que esconde a verdadeira natureza do regime. A
eleição presidencial brasileira de 2018 ilustra bem esse processo. Através de
uma série de mecanismos jurídicos e políticos ilegais, que nada tem a ver com
democracia, tiraram do páreo o cidadão que iria ganhar as eleições, numa
operação diretamente coordenada pelo império americano, como inúmeras denúncias
recentes revelam.
Outro exemplo, foi o golpe
escancarado que o imperialismo promoveu na Bolívia em 2019. A coisa foi tão vergonhosa,
tão descarada, que a própria grande imprensa noticiou que o general boliviano
que exigiu a renúncia do presidente Evo Morales, Williams Kaliman, recebeu um milhão de dólares do Encarregado de Negócios da
Embaixada dos Estados Unidos em La Paz, Bruce Willianson. O general traidor
ganhou também um visto de residência permanente nos EUA, onde foi se esconder.
O cidadão vendeu sua pátria e o seu povo por um milhão de dólares.
Em outros países onde também
houve golpes, como Honduras e Paraguai, o mesmo foi suficiente para afastar o
risco de a esquerda ganhar as eleições seguintes. O golpe em si, com suas
estratégias de repressão e desmoralização da esquerda tirou qualquer
possibilidade deste segmento competir nas eleições seguintes. No Brasil foi diferente.
Deram o golpe em 2016 e, em 2018, tiveram que gerar um processo-farsa para
impedir que o candidato favorito das eleições, participasse e ainda com grandes
chances de vencer. Bolsonaro, portanto, é cria de um golpe de Estado, mas também
de uma fraude eleitoral. Ambos os processos
contaram com a criminosa colaboração secreta de órgãos de inteligência
norte-americanos, como agora está mais do que evidenciado. Em 2016, em
2018, e até há pouco tempo, quando se mencionava o golpe no Brasil, ainda
diziam que era “teoria da conspiração”. Porém hoje, após um “caminhão” de
denúncias, e com a desmoralização de Sérgio Moro, e o desmascaramento da Lava
Jato, as pessoas já estão sabendo que as conspirações para o golpe foram muito
maiores que qualquer de suas teorias.
O que se vê na América Latina
como um todo, no Brasil ainda mais, são regimes políticos com aparência de
legalidade, mas que reprimem as forças populares e nacionalistas. No caso do
Brasil, já vivemos debaixo de uma ditadura, cujos poucos espaços democráticos
vão sendo gradativamente espremidos. O que temos no Brasil já é um arremedo de
democracia. O povo está sendo massacrado, estão desmontando o Estado, estão
acabando com o que restou de direitos no país. Claramente a sociedade brasileira
caminha para a direita, como mostram a matança de lideranças populares, a
destruição sistemática de direitos sociais e sindicais, a proliferação de
grupos fascistas cada vez mais agressivos, e a própria existência de um núcleo
de governo que é fascista.
Por uma série de razões, apesar
das evidências do fenômeno, é comum escutarmos que temos que esquecer o golpe
de Estado de 2016, nos conformar com o governo Bolsonaro, que temos que nos
preocupar com as próximas eleições, que através delas iremos recolocar o país
nos eixos, recuperar as centenas de direitos perdidos, iremos retomar o
desenvolvimento, iremos recuperar a democracia. Infelizmente a conjuntura não parece
indicar isso.
Apesar do evidente avanço dos
golpistas no Brasil, no entanto, eles não conseguiram viabilizar uma
estabilidade política no país, o que seria crucial para a estabilização do
golpe de 2016. Permanece uma grande polarização no seio da sociedade. Essa instabilidade
está relacionada, por sua vez, ao fato de que eles não conseguiram apresentar uma
solução para a crise econômica. E o seu programa de governo, que se resume a
destruir direitos e entregar patrimônio público, obviamente tende a piorar a
situação no médio prazo. E quando o Brasil não tiver nada para entregar a preço
de banana? E quando as reservas internacionais, deixadas pelos governos pré-golpe
forem esgotadas? E quando não tiver mais nada para extrair da população
trabalhadora, a não ser o próprio couro?
Como há uma crise
internacional muito profunda, o sistema financeiro mundial (que é quem dá as
cartas realmente no processo do Brasil), quer mais e precisa extrair mais do
país. A grande mídia, e os setores conservadores em geral, reclamam inclusive,
do fato de que as privatizações não estão andando. Ou seja, toda a destruição
de direitos, o enfraquecimento dos sindicatos, a entrega de patrimônio, o fatiamento
da Petrobrás, tudo isso não significa uma saída que satisfaça os setores que
financiaram e coordenaram o golpe no Brasil. Encaminharam agora, por exemplo, a
desarticulação do setor público, via Projeto de Emenda Constitucional para uma Reforma
Administrativa. Tal reforma, dentre outros aspectos, acaba com direitos
históricos dos servidores e tende, no
médio prazo, a desorganizar o Estado brasileiro.
Na outra ponta da corda a
população come o pão que o diabo amassou. Dados divulgados pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que há 12,878 milhões de
pessoas desempregadas. Além dos quase 13 milhões de desempregados, o IBGE
detecta também 27 milhões que gostariam de trabalhar, mas foram considerados
fora da força de trabalho em agosto, por não terem buscado ativamente uma
ocupação. Isso, em meio à uma pandemia que já matou quase 130.000 pessoas no
país, boa parte delas por incompetência e descaso governamentais. Levantamento
divulgado no dia 8 de setembro, elaborado pelo centro de pesquisa The
Conference Board, revela que quatro em cada dez presidentes executivos de
multinacionais pretendem fechar vagas de trabalho ao longo dos próximos 12
meses. Grandes empresas, como Coca Coca, Boeing e American Airlines estão entre
as que já anunciaram cortes nas últimas semanas.
A grave piora recente dos
indicadores conjunturais se soma à uma situação estruturalmente muito aguda. No
Brasil, os 50% mais pobres em termos de renda têm apenas 10% da renda total,
enquanto os 10% mais ricos têm mais de 50% do total. No que se refere à
propriedade a situação é ainda pior: os 50% mais pobres detém 2% ou 3%,
enquanto os 10% mais ricos detém entre 70% a 80% de tudo. Ao contrário do que
alguns imaginam, não se trata de uma força de expressão: a destruição de
direitos e da pouca democracia existente, e o aumento dos níveis de
desigualdade, estão colocando o Brasil na mesma situação da Europa no fim do
século 19. O pior é que no médio prazo todas as medidas do governo irão
empobrecer o povo e concentrar a renda ainda mais.
Economista 11.09.20
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