*José Álvaro de Lima Cardoso
Nesta semana o Intercept Brasil e o sítio
da Agência Pública, divulgaram mensagens privadas, trocadas em 2018 entre o
então coordenador-geral da operação Lava Jato, Deltan Dallagnol, e Bruno
Brandão, diretor-executivo do escritório brasileiro da ONG Transparência
Internacional. Mais do que mensagens casuais os vazamentos transparecem um razoável
grau de articulação entre a ONG (que tem sede na Alemanha) e a Lava Jato,
principal instrumento do imperialismo para encaminhar o golpe no Brasil. Pela troca de mensagens entre os dois fica
evidente o uso do prestígio da ONG para o desenvolvimento das ações políticas
golpistas da Lava Jato, e para proteger os membros da operação, que àquela
altura, ainda enganavam a maioria da sociedade brasileira, fantasiados de
paladinos da moralidade.
Essas denúncias de agora, as da Vaza Jato
em 2019, e as de alguns meses atrás (que revelaram o envolvimento estreito
entre a Lava Jato e o FBI), confirmaram o que a gente já sabia: o óbvio envolvimento
dos países imperialistas no golpe de Estado no Brasil. Claro, com destaque para
os EUA, que considera a América Latina o seu pátio dos fundos. A comprovação da
atuação, e interesse, do imperialismo no golpe, são dimensões fundamentais da
compreensão do turbilhão de acontecimentos ocorridos no Brasil nos últimos oito
ou nove anos. Sem o conhecimento e a concatenação
desses complexos fatos, é muito difícil entender a conjuntura brasileira atual.
Assim como ocorreu em 1954, 1964, e em outros golpes contra o povo brasileiro,
entre os principais grupos de interesses no golpe de 2016, o principal é o do
Império. É fundamental compreender isso porque muito do que está ocorrendo na
economia e na política brasileiras, está relacionado com o fato. Ou seja, o
processo golpista está vivo e em andamento.
Por conta da crise econômica mundial e dos
golpes de Estado, que atingiram quase todo o subcontinente, a situação política
na América Latina é instável e caracterizada por grande polarização. Com a
crise mundial, para o imperialismo não foi mais possível conviver com governos
reformistas e nacionalistas, que atrapalhavam as intenções dos EUA na região. A
crise econômica mundial tornou imperativa uma política geral de guerra contra
os direitos da população. Governos de esquerda, mesmo que moderados, são sempre
obstáculos importantes a implementação deste tipo de política, mesmo porque,
chegaram ao poder respaldados pelo voto. Obviamente que esse tipo de política
antipopular gera uma instabilidade muito grande, na medida em que uma parcela
expressiva da população, mais consciente e aguerrida, se nega a seguir para o matadouro
sem lutar.
No Brasil, os golpistas diziam que era
tirar Dilma Roussef que o crescimento econômico e os investimentos
internacionais retornariam, como num passe de mágica. Dado o golpe, com a
grande farsa do impeachment, o governo Michel Temer foi um verdadeiro show de
horrores, com continuidade na política de destruição do Estado e um retumbante
fracasso na economia. Intencionando “fechar” o processo golpista, fraudaram as
eleições de 2018, apoiados numa operação gestada no Departamento de Estado
norte americano. Entrou Bolsonaro e a coisa só piorou. Com o advento da
pandemia, logo de saída ficou evidenciado que Bolsonaro é o pior governo da
história do país, uma penitência cruel, que o povo brasileiro jamais mereceria.
Passados pouco mais de quatro anos do
golpe de 2016 no Brasil (tomando o impeachment de Dilma Roussef como
referência), é evidente a degradação do regime político vigente. Era inevitável
que isso acontecesse já que os governos pós Dilma são frutos da liquidação do
pouco de democracia que o país tinha até o golpe. O golpe levou a um retrocesso
político e econômico muito grande. O país está nas mãos de uma direita
terraplanista completamente lunática, e dos militares. Isso traz um risco
concreto não só de um golpe militar aberto, numa eventual piora da situação
econômica, mas da instalação de um regime fascista. Para o qual, inclusive, o
fato do núcleo de poder federal já ser fascista, contribuiu enormemente.
Apesar do evidente avanço dos golpistas no
Brasil (e em toda a América Latina), estes não conseguiram dar uma estabilidade
política ao país, a polarização política é muito grande. A instabilidade está
relacionada diretamente com o fato de que eles não conseguiram dar uma saída
para a crise econômica. E o seu programa de governo, que se resume a destruir
direitos e entregar patrimônio, obviamente está tornando a situação ainda pior.
Como há uma crise internacional muito
profunda, o sistema financeiro mundial (que comanda verdadeiramente o processo
no Brasil), quer mais. Toda a destruição de direitos, o enfraquecimento dos
sindicatos, a entrega de patrimônio, o enfraquecimento da Petrobrás, a
privatização da água, tudo isso não satisfaz os setores que financiaram e deram
o golpe no Brasil.
A população brasileira, e mundial, está comendo
o pão que o diabo amassou. Milhões de trabalhadores perderam seus empregos em
decorrência da falência de pequenas e médias empresas, e da falta de
alternativas de recolocação no mercado de trabalho. Os trabalhadores informais são
ainda mais impactados, visto que a maioria não tem acesso a qualquer tipo de proteção
trabalhista ou social e a auxílios governamentais. A renda do trabalhador
informal funciona ”da mão pra boca”, ou seja ele não dispõe de reservas. Se
perde o emprego, como não tem nenhum tipo de seguridade social, cai em
insegurança alimentar, ou seja, começa a passar fome mesmo.
Do
outro lado, as grandes empresas aproveitam a crise econômica e pandêmica para
aumentar ainda mais os seus lucros. A ONG Oxfam realizou uma análise para
algumas das empresas mais lucrativas do mundo com operações nos Estados Unidos,
Europa, Austrália, Índia, Nigéria e África do Sul. A organização observou que
32 empresas devem faturar US$ 109 bilhões a mais no exercício fiscal de
2020 do que na média dos quatro anos anteriores. Segundo o estudo, cinco
empresas - Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft – devem ter lucros
excedentes de US$ 46 bilhões durante a pandemia. Detalhe: lucros excedentes,
acima dos “normais”.
No Brasil, os efeitos da pandemia também têm
sido desiguais. Enquanto a maioria da população perdeu emprego e renda (o país
tem hoje cerca de 13 milhões de desempregados e 40 milhões de trabalhadores
informais) e mais de 600 mil micros, pequenas e médias empresas já fecharam as
portas, os 42 bilionários brasileiros tiveram sua riqueza aumentada em US$ 34
bilhões (mais de R$ 180 bilhões) durante a pandemia.
Um ciclo de aceleração da concentração da
riqueza, como esse analisado pelo estudo da Oxfam, resolve o problema imediato
do capital porque aumenta lucros, enxuga empregos, aumenta o exército
industrial de reserva, etc. Mas este mesmo ciclo, agrava o problema no médio e
longo prazos, em função da impossibilidade de o sistema realizar a riqueza
produzida, trazida pelo empobrecimento de uma grande parte da população. Ou
seja, aparentemente resolve o problema imediato, mas agrava as contradições
estruturais do sistema capitalista no médio e longo prazos.
Economista, 18.09.20
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