*José Álvaro de Lima Cardoso
O cenário é de
grande insegurança para os trabalhadores, tanto no aspecto econômico, quanto no
político e social. As possibilidades da conjuntura são variadas, o que
dificulta muito a compreensão correta do que está ocorrendo e, por consequência,
a construção de prognósticos seguros. No entanto, se pode afirmar com razoável
grau de certeza que a vida dos trabalhadores (esmagadora maioria da população) não
irá melhorar com o governo que assumirá em janeiro de 2019. O processo de golpe
que ocorreu no Brasil, que inicia um novo ciclo com a eleição de Bolsonaro, veio
exatamente para fazer o contrário, ou seja, destruir a malha de direitos,
construída a duras penas ao longo de décadas. Por consequência, veio também
para achatar o rendimento real dos trabalhadores. Há muitas indicações de que:
a) Os ataques que os trabalhadores sofrerão serão os mais
duros da história. O que vem por aí é uma outra concepção de Estado/Sociedade,
na qual o “Estado do bem-estar social”, mesmo esquálido como no Brasil, não terá
vez. O ensino público, por exemplo, em todas as instâncias, corre sério risco. E
a privatização do ensino, não é somente para reduzir gastos públicos, mas
também para abrir espaços de negócios para o setor privado, nacional e
internacional;
b) irão tentar aplicar uma “política de choque” que, como o
próprio nome já sinaliza, visa deixar a população sem reação, pelo menos por um
tempo. De certa forma já usaram essa técnica no governo Temer, em dois anos e
meio. Destruíram conquistas de 100 anos, como foi a CLT (CLT tem 75 anos, mas a
luta começou antes). Mas é que o serviço não foi completado;
c) as medidas serão aceleradas por uma outra razão. Como serão
completamente contra os interesses do povo têm que ser implementadas enquanto o
governo ainda dispõe de um estoque de popularidade, que tende a se esvair, à
medida que as políticas forem sendo conhecidas. A aceleração precisará ser
feita, especialmente se a crise financeira internacional se agravar. Se uma
crise internacional pegar o Brasil com política fiscal contracionista, o risco
é muito grande, até de uma super recessão no país;
d) vão aprofundar as “contrarreformas” e diretrizes que
vieram sendo implementadas até aqui. Em particular, uma contrarreforma da previdência,
bastante agressiva, será enviada ao Congresso, eventualmente até ainda neste
ano. Este foi um dos acordos do golpe, que o Temer não conseguiu entregar, e que
é de grande estratégico para os bancos;
e) vão tentar acelerar as privatizações. O economista Paulo
Guedes, que comandará a área econômica, tem afirmado que, se depender,
privatizará todas as estatais. Não conseguirão “privatizar tudo”, obviamente,
porque isso leva ao aguçamento de contradições entre o próprio grupo que apoiou
o golpe. Certamente uma parcela significativa do empresariado, por exemplo, é
contra a privatização do BNDES. Mas, a tendência é de uma privatização muito
forte (se fala em 70 estatais no primeiro ano), com efeitos sinistros, do ponto
de vista da desnacionalização da economia e dos custos dos serviços oferecidos.
Especialmente nas áreas mais sensíveis, das quais dependem o grosso da população,
que vive de salários muito baixos. Já estão falando em fusão do maior banco
brasileiro, o BB, com o Bank of America (BofA), líder do setor bancário dos
Estados Unidos. A venda do maior banco brasileiro, uma verdadeira máquina, ao
principal banco americano, provavelmente a preço vil, seria um primeiro grande presente
do novo governo ao sistema financeiro internacional;
f) Mercado de Trabalho: na melhor das hipóteses haverá
crescimento de emprego precário, de baixos salários, com a elevação do peso das
formas precárias, que cresceram muito com a contrarreforma trabalhista vigente
há um ano. As políticas neoliberais são contracionistas, e não zelam pelo
emprego. Emprego é problema individual, de meritocracia. A experiência mundial
é que tais políticas aumentam o desemprego, a precariedade do mercado de
trabalho, e reduzem a renda dos trabalhadores. O Brasil experimentou isso no
Governo neoliberal de FHC. Tais políticas são implementadas exatamente para aumentar
o nível de exploração dos trabalhadores.
g) direitos em geral: o conjunto de medidas anunciadas até
aqui tendem a aprofundar a perda de direitos, iniciada com força pelo governo
Temer. Tanto Bolsonaro, quanto o seu vice, General Mourão, já anunciaram mais
de uma vez que o trabalhador terá que optar entre direitos e salários. Não
poderá ter os dois ao mesmo tempo. Se o governo Bolsonaro é uma continuidade do
governo Temer, só que mais acelerado (como falou Paulo Guedes), obviamente irá
procurar de todas as formas de reduzir o custo da força de trabalho. E uma
forma muito eficiente é depenar os direitos.
h) política de valorização do salário mínimo: os
representantes do novo governo praticamente verbalizam que consideram o salário
mínimo é muito alto. Tudo indica que irão pressionar para que o salário mínimo
vá perdendo poder aquisitivo gradativamente, como já ocorreu muito no passado. O
reajuste de 1,81% para o salário mínimo neste ano foi o menor dos últimos 24
anos. Ficou abaixo da inflação de foi de 2,07% em 2017. Na visão neoliberal (e
o governo que assume será ultra neoliberal), a existência de uma remuneração mínima,
que forneça o mínimo de dignidade para quem vive do seu trabalho, não se faz
necessário. Para essa visão, se o trabalhador “merecer” o empregador pagará
muito acima do Salário Mínimo;
I) Educação e Saúde públicas: o novo governo já dispõe de
bases jurídicas para reduzir gastos com educação e saúde, a começar pela Emenda
Constitucional 95, aprovada em 2016, cujo objetivo é justamente reduzir gastos
com a população, especialmente a mais pobre. O único gasto que a EC 95 não limita
são os gastos com os juros da dívida pública, que destinam bilhões e bilhões
todo ano, especialmente para os banqueiros.
Apesar do esforço
para dissociar o panorama nacional do internacional, o que ocorre no Brasil
está no contexto daquilo que acontece em toda a América Latina (e no mundo). A
questão fundamental da conjuntura, o ponto central da crise política e econômica
no Brasil, se encontra fora da fotografia: a crise mundial do capitalismo. É
uma crise muito severa, que vem se arrastando há anos e não tem final previsto.
A eleição de Bolsonaro, apesar do disfarce, é claramente uma continuidade do
governo Temer. Ele veio para completar a missão, que tem dois eixos principais:
a) entregar o que for possível das riquezas brasileiras; b) liquidar o que
sobrou de direitos sociais e trabalhistas.
*Economista.
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