quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Pagando a conta com recursos alheios


                                                                                   *José Álvaro de Lima Cardoso
     Como se estivéssemos assistindo um filme antigo, produzido na década de 1990, a economia Argentina anda de mal a pior. Desde abril o peso desvalorizou 50% e previsão de inflação para este ano ronda os 40%, e o PIB deve encolher em torno de 1% neste ano. No dia 03 de setembro o governo veio a público se comprometer com equilíbrio fiscal primário ainda para este ano, sinal de que a população pobre será ainda mais arrochada (com redução de salários, encarecimento dos serviços e bens públicos, eliminação ou limitação de políticas sociais). Claro, os ganhos dos rentistas não podem ser afetados.  O governo divulgou uma meta de déficit fiscal para este ano de 2,6% do PIB, equilíbrio em 2019 e superávit primário de 1% em 2020, que é duríssima. Metas como essas implicam em medidas muito fortes de contenção de gastos, que são, regra geral, os gastos fundamentais para um mínimo de bem-estar da maioria da população. Como por exemplo, a anunciada no dia 03, de redução no número de ministérios de 22 para 10, que irá implicar em redução de serviços importantes.
     Quando a crise se agravou, há alguns meses, a Argentina obteve um empréstimo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) de US$ 50 bilhões, dos quais já recebeu 15 bilhões. Em função da piora da situação, o governo argentino está assumindo novos compromissos com o Fundo, visando acelerar os repasses previstos para 2019 e 2020. Por exemplo, a contragosto o governo argentino está adotando um imposto sobre exportações, através do qual, para cada dólar exportado, será tributado um adicional de três ou quatro pesos. Esta é uma revisão de uma medida anunciada no início do governo que beneficiou enormemente os exportadores agrícolas. O próprio governo prevê que, com as novas mudanças anunciadas, irá aumentar a pobreza no país, que já corresponde a quase um terço da população.
    A atual crise cambial ainda não pegou o Brasil para valer, em boa parte por causa das reservas internacionais de US$ 380 bilhões, uma herança dos governos anteriores, as quais possibilitam intervenções fortes no mercado de câmbio. Como aliás, tem acontecido. As reservas são robustas. Porém, se continuarem enfraquecendo o Estado nacional, privatizando estatais estratégicas, desenvolvendo políticas de liquidação do mercado interno, não haverá reservas que segurem a onda especulativa. A história recente da América Latina revela que políticas de entrega da soberania e de destruição de direitos sociais e sindicais (levada às últimas consequências pelo governo brasileiro), tornam os países reféns das crises cambiais. Quanto mais, quando se trata, como é o caso, de política deliberada para recolonizar o Brasil e aliviar a crise internacional para os países ricos. 
     O debate sobre políticas soberanas ganha ainda mais relevância, em função da guerra comercial que vive a economia mundial, com uma escalada de ações protecionistas, especialmente por parte do governo estadunidense. Com risco, nada desprezível, inclusive, na medida em que a crise econômica perdure, da guerra comercial evoluir para uma guerra aberta envolvendo as principais potências. Recentemente, o tresloucado presidente dos EUA ameaçou atacar o Irã, um país enorme e de importância estratégica na geopolítica e no fornecimento de petróleo para o mundo, e com grande influência regional. É muito otimismo imaginar que este tipo de atitude não possa, em face do agravamento da crise, descambar em determinado momento, para uma guerra aberta. Mesmo porque, os EUA são capazes de tudo (tudo mesmo) para defender os seus interesses estratégicos, incluindo suas empresas (que, no fundo é o que está sempre em jogo, para eles).
     No caso brasileiro estamos percebendo neste momento a importância de um Estado nacional, que defenda os interesses do país, com o ataque especulativo em andamento. Alegando os resultados das pesquisas eleitorais, os especuladores empreendem um ataque contra a economia brasileira, visando gerar uma crise financeira e cambial, procurando chantagear a sociedade, num movimento parecido com o que assistimos em 2002. Naquele ano, considerado a preços de hoje, o dólar chegou a R$ 7,00. Em face da gravidade e da longevidade da crise mundial iniciada em 2007, o Brasil e outros países da periferia, estão sendo obrigados a pagar a maior parte da conta. O grave é que alguns governos subservientes, como o da Argentina e Brasil, pagam alegremente a conta, usando recursos que são do povo brasileiro (petróleo, água, minerais raros) e sacrificando a esmagadora maioria de suas populações.  
                                                                                                             *Economista. 06.09.2018.

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