*José Álvaro de Lima Cardoso
Um
dos aspectos que têm influenciado as negociações coletivas neste momento é a inflação,
que está relativamente baixa, em torno de 4% no ano. Em princípio, percentual
baixo de inflação facilita ganhos reais, apesar da resistência patronal. Por
experiência, em mesa de negociação sabe-se que, com uma inflação em torno de 10%,
por exemplo, é mais difícil a conquista de ganho real. Esta é, portanto, a hora
de tentar obter um percentual acima da inflação na negociação coletiva. O
pleito de ganho real não requer raciocínio muito rebuscado: não é o fato de que
os preços variaram relativamente pouco, que o trabalhador não precise melhorar
o seu salário real, que é muito baixo.
Afinal, apesar da inflação no varejo estar em torno de 4%, os salários,
em geral, se encontram na linha da sobrevivência. Segundo o DIEESE, uma cesta
básica, para um adulto em Florianópolis, por exemplo, está custando R$ 431,30,
que é metade (49%) do salário mínimo nacional líquido. Em agosto de 2018, o
salário mínimo necessário para a manutenção de uma família de quatro pessoas
deveria equivaler a R$ 3.636,04, ou
3,8 vezes o salário mínimo nacional.
Como
mostram os dados sobre o peso da alimentação nos salários, este no Brasil são
efetivamente muito baixos: segundo o IBGE, o rendimento médio do trabalhador brasileiro,
que recuou no ano passado, está em R$ 2.112 (PNAD Contínua). Esse fato, em si,
é razão mais do que suficiente para que os sindicatos de trabalhadores busquem permanentemente
o aumento real nos salários. Estes dados, ao mesmo tempo, mostram a importância
de uma regulação mínima das relações de trabalho no Brasil, como a existência
do Salário Mínimo. O IBGE nos informa que em 2017 houve queda do salário médio
real no Brasil, decorrência de uma grave recessão e de um ataque em massa aos
direitos e à renda dos trabalhadores, a partir do golpe de Estado (que está em
desenvolvimento). Podemos imaginar o que aconteceria com os salários médios, se
fosse abolido o Salário Mínimo, como sonha uma parcela do empresariado.
No
Brasil é muito comum, após uma custosa negociação em mesa, que proporciona 1%
de ganho real aos salários, as empresas, ao longo dos meses subsequentes à
negociação, ajustar seus custos com mão de obra. Isto é feito através da redução
do quadro de pessoal e também via rebaixamento salarial por meio da enorme rotatividade que caracteriza o mercado de trabalho
no País. As empresas demitem os trabalhadores que ganham um pouco mais e
contratam trabalhadores com o piso, ou até, se o acordo permitir, com salários
abaixo do piso nos 90 dias de experiência. Em períodos de crise como o atual,
inclusive, aumenta a diferença entre a média dos salários de demissão e de
contratação. Neste momento estou participando de uma negociação onde o salário
de admissão é 15% inferior ao de admissão. Como a rotatividade no Brasil é
enorme, aquele 1% cedido na negociação a título de ganho real, é compensado
largamente por essa estratégia de achatamento de salários reais.
É
comum empresas gigantes, de âmbito multinacional, com receita anual em torno de
R$ 50 ou R$ 60 bilhões, praticarem salários médios de admissão de R$ 1.200 ou
R$ 1.300, muito próximos dos pisos salariais estaduais, que são mínimos também,
apesar de terem sido obtidos com muita luta sindical. Nessas grandes empresas,
comumente o peso de pessoal no custo total são extremamente baixos: 10% ou 15%
do valor líquido obtido com a receita líquida de vendas. Isto significa que o
impacto de uma negociação de ganho real, nas despesas com pessoal, para cima ou
para baixo, geralmente é muito reduzido, porque só incide sobre 10% do custo
(que é o custo de pessoal). Aspectos como juros e câmbio, regra geral, têm impacto
muito mais significativo sobre o custo de empresas com essas características.
Em
resumo, a maioria das negociações coletivas no Brasil é realizada para discutir
a reprodução alimentar mínima do trabalhador e sua família. Se faz uma campanha
salarial com muita dificuldade e, ao fim e ao cabo, se obtém o direito de
renovar a condição de o trabalhador comprar comida todo mês para ele e sua
família. Os padrões salariais no Brasil, para a maioria, não permitem nada além
disso. E ainda existem os incautos, inclusive no interior da classe
trabalhadora, que são contra a atuação dos sindicatos. A história do mundo
revela que, sem sindicatos e organização dos trabalhadores o caminho para a
barbárie nas relações entre capital e trabalho seria muito curto.
*Economista.
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