*José Álvaro de Lima Cardoso
Já se
sabe que o impacto da pandemia sobre a economia e a política no mundo está
sendo extremamente dramático. Porém, como é uma doença desconhecida, para a
qual ainda não existe vacina, não se pode estimar ainda a sua profundidade e extensão.
Após as polêmicas iniciais, e as tentativas do governo dos EUA, e da imprensa
ocidental, de jogar no colo da China a responsabilidade sobre a origem do
coronavírus, este país iniciou um ambicioso e agressivo programa de combate à
pandemia. Após o surgimento de vários casos em Wuhan, e a saraivada de
acusações de que a doença faria parte de uma estratégia chinesa para derrubar o
ocidente (na chamada guerra biológica), o Partido Comunista da China (PCC),
Comitê Central e o Conselho de Estado lançaram um plano nacional de emergência,
para enfrentar a doença.
A China conseguiu de forma muito rápida realizar
a identificação
da sequência do genoma do vírus. O país logrou, em janeiro, colocar em
quarentena uma população de 56 milhões de habitantes na cidade de Wuhan e três
cidades próximas. Com certeza essa é a primeira vez que isso acontece em toda a história.
Além do empenho estatal a campanha mobilizou milhões de cidadãos, na chamada
“guerra popular” contra o coronavírus.
O plano
do governo chinês foi complexo, desenvolvido de forma extremamente ágil, além
de ter envolvido diversas instâncias de governo. Em todas as fases da campanha o
sacrifício da economia e da produção industrial foi inevitável. O fato é que, decorrência
da complexa e impressionante operação, a partir de 07 de março não foram
registrados novos casos oriundos do país (até o momento). Surgem ainda novos infectados,
mas vindos de fora, estrangeiros ou chineses advindos do exterior. No final de
março, praticamente a doença tinha sido controlada.
O que
explica o sucesso da China no controle da doença em lapso tão breve de tempo? Ainda
mais: com prejuízos humanos reduzidos, se comparados ao número de vítimas nos
EUA, Itália e Espanha? Esse debate deverá ainda ser aprofundado, mesmo porquê
não há uma resposta única para a questão. Problemas complexos (muitas vezes,
também os simples) têm várias respostas. Mas um aspecto que se destaca é a
capacidade de o Estado chinês colocar seus recursos e sua força organizadora na
resposta à pandemia. Independente das
contradições que se possa apontar na sociedade chinesa, ou mesmo da
caracterização que se faça do regime econômico do país, ficou evidente sua superioridade
no enfrentamento da doença em relação às economias do capitalismo central, em
geral. A estruturação do atendimento aos pacientes realizada de forma
extremamente ágil, a organização da população, a adaptação da produção
industrial às necessidades de combate à doença, a construção de hospitais em
tempo recorde, a disponibilização de um grande número de testes - ações em
grande parte levadas à cabo pelo Estado – levaram a um rápido e impressionante
controle da doença.
No que
se refere à saúde pública, a China acendeu um sinal vermelho com a epidemia de
SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave), em 2003, que matou 774 pessoas em
vários países, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). A experiência, ao
contrário do que ocorreu em outros países, parece ter servido de lição para o
governo chinês. A partir daquela epidemia o país mudou a política governamental,
ampliando os investimentos em saúde, facilitando o acesso da população aos
serviços de saúde e melhorando as políticas de prevenção.
O
sucesso da China no enfrentamento do Covid-19 tem melhorado expressivamente a projeção
internacional do país, apesar de toda a campanha da imprensa ocidental, no
sentido de culpá-la pelo surto. O país tem enviado os mais diversos tipos de
materiais para o mundo todo, como máscaras, kit para testes, respiradores,
ventiladores, medicamentos em geral. Os demandantes geralmente são países
pobres como Sérvia, Libéria, Filipinas, Paquistão, República Checa, Egito, Iraque,
Malásia, Camboja Sri Lanka. Mas a China já enviou material para a Espanha,
Itália, EUA. A França, no processo de contenção do vírus, encomendou
quase dois bilhões de máscaras faciais à China. O país enviou, inclusive,
doações aos EUA de equipamentos para o enfrentamento da doença, como kits de
testes, máscaras e outros. Os chineses estão enviando material de combate ao
coronavírus também para a África. Dessa forma, em meio a essa monstruosa crise
global, a China se move para redefinir seu lugar no mundo, com uma postura civilizada
com os países que precisam de ajuda, colocando inclusive, sua poderosa
indústria à serviço do combate à pandemia.
Ao
mesmo tempo, as notícias que circulam sobre os EUA, são de prática de pirataria, de que o país está fazendo ofertas mais
altas aos países vendedores de produtos hospitalares, especialmente a China. Ou
seja, aquele país está usando seus recursos e seu poder bélico para
“atravessar” negócios que já tinham sido contratados por outros países, com
seus fornecedores. Donald Trump, adicionalmente, baseado em uma lei da época da
Guerra da Coréia, nos anos 1950, que obriga as empresas a redirecionarem sua
produção para o mercado interno em função do interesse do pais, proibiu a empresa
norte-americana 3M, de exportar seus produtos médicos.
O Brasil
foi um dos países prejudicados por essa postura imperial do governo
norte-americano. No dia 02 de abril, uma carga de 600 respiradores artificiais
encomendada de uma empresa chinesa por estados do nordeste brasileiro não pode sair
do aeroporto de Miami, onde fazia escala, em direção ao Brasil. Segundo
informou o governo da Bahia, a operação foi cancelada pelo vendedor e tudo
indica que a razão do acontecido foi uma maior oferta dos EUA para os produtos
contratados. Essa prática também foi denunciada por outros países, inclusive do
bloco imperialista, como Alemanha e França.
Washington
está se aproveitando também do momento de crise econômica e sanitária, para
intensificar as pressões golpistas contra a Venezuela, utilizando o surrado pretexto
de “combate às drogas”. Os inúmeros conflitos espalhados pelo mundo, neste
momento entram em fase de cessar fogo, visando concentrar todas as energias possíveis
no inimigo principal, que é o novo coronavírus. No entanto, em 02 de abril,
Trump anunciou operações “antidrogas”
no mar do Caribe, próximo à costa da Venezuela, deslocando barcos de combate, helicópteros
e aviões de vigilância da força aérea. Já foi denunciado pelo governo
venezuelano que a movimentação visa realizar um duro bloqueio naval ao país
vizinho, para impedir o abastecimento normal de combustíveis, alimentos e
remédios.
Fica evidente que o que está por detrás
desses movimentos é, primeiro, a tentativa de esconder o caos causado pelo
Covid-19 nos EUA. O país rapidamente tornou-se o epicentro mundial da pandemia
(até quarta-feira, dia 08.04, já tinha sido contabilizado mais de 400.00 casos
com 12.936 mortos). Em segundo lugar, a ação hostil dos EUA se explicaria
também pela tentativa de melhorar a performance de Trump na corrida para as
eleições norte-americanas previstas para outubro próximo.
Obviamente o boqueio naval de insumos industriais e
outros, viola gravemente direitos humanos da população venezuelana e
representam crime de lesa humanidade. Quem acompanha, mesmo de longe, a
conjuntura internacional, sabe que o interesse dos EUA na suposta falta de
democracia na Venezuela, ou mesmo no “combate às drogas”, não passam de disfarces
para os reais interesses econômicos e geopolíticos dos EUA naquele país. A Venezuela,
como se sabe, detém a maior reserva de petróleo do mundo (quase 300 bilhões de
barris), além de outros minerais fundamentais para a produção industrial. Além
do interesse geopolítico, na medida em que a Venezuela fica em região
estratégica para os EUA, do ponto de vista militar.
A ação
dos EUA viola todas as regras internacionais de relações diplomáticas e é uma
clara ameaça à segurança e soberania de um país latino-americano. Mas alguém
que conheça, mesmo que superficialmente, a forma como os EUA se relacionam historicamente
com os países da América Latina (e países subdesenvolvidos do mundo, em geral),
poderia se surpreender com a atitude do império do Norte?
Economista. 11.04.20
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