*José Álvaro de Lima Cardoso
"O Brasil não é um terreno
aberto onde nós iremos construir coisas para o povo. Nós temos que desconstruir
muita coisa" (Jair Bolsonaro, em 18.03.2019, na sede da Agência Central de
Inteligência norte-americana - CIA, em Washington).
A atual crise do Brasil é inusitada. Combina
a mais grave crise econômica mundial, com o Brasil vindo de cinco anos de
estagnação/recessão e uma pandemia provocada por um vírus pouco conhecido, que
já é a mais grave do último século. Toda essa confluência de crises acontece em
um momento em que o Brasil possui um dos piores governos da história (o mais
entreguista, o mais subserviente ao império, o mais inimigo do povo). Este
governo é, fundamentalmente, resultado direto do golpe de 2016. Ele não teria
se instalado sem o golpe e sem a fraude eleitoral de 2018. Hoje faz quatro anos,
exatamente, que a Câmara Federal abriu o processo de impeachment contra
a presidente Dilma Rousseff. Em
continuidade ao processo, o Senado Federal aprovou, em 12 de maio de 2016, a
admissibilidade da denúncia que pediu o afastamento da presidente da República,
alegando crime de responsabilidade.
Se
tomarmos, portanto, a instalação do processo na Câmara como um marco já temos quatro
anos do golpe de Estado. É evidente que se pode tomar outros períodos como
referência, porque o golpe começou a ser articulado, no mínimo em 2012. Os
indícios de que algo estava mudando no continente eram muito fortes. Nessa data
já havia ocorrido os golpes de Honduras (2009) e Paraguai (2012). O
imperialismo norte-americano estava emitindo claros sinais de que não iria mais
tolerar nenhum governo progressista na região.
É necessário
entender os fundamentos do golpe, não podemos ficar reagindo, como se fosse
surpresa, a cada novo ataque do governo fascista aos direitos e à soberania. É
importante entender o pano de fundo sobre o qual o processo se desenrola, do
contrário, ficaremos apenas na reação à última maldade contra a população, por
parte dos que estão no poder. A audácia do golpe que aplicaram no Brasil (e em
vários países do subcontinente latino-americano), demonstra que os golpistas
não irão entregar o poder de mão beijada para a população nos próximos anos. Bolsonaro
é uma continuidade, um aprofundamento do processo. Apoiou o golpe, foi apoiado
pelos golpistas, por toda a direita e, principalmente apoia e aprofunda o tempo
todo o programa de guerra contra o povo. O que os golpistas fizeram em quase
quatro anos não foi brincadeira:
1.Enfraqueceram o Estado nacional de muitas formas
(financeiramente, politicamente, diplomaticamente, militarmente). Como é um
golpe coordenado pela burguesia mais forte do planeta, contra uma país
subdesenvolvido, a ideia é desmontar todo desejo que brasileiros possam ter de
ser uma nação soberana;
2. Estão entregando as riquezas nacionais para o
estrangeiro – o objetivo econômico central do golpe foi petróleo (que é “o
golpe dentro do golpe”), mas estão de olho na Amazônia, metais de todo tipo, água,
grafeno, nióbio, etc. E nas riquezas não naturais, as empresas estatais;
3. Estão destruindo as políticas de segurança
alimentar e fazendo a fome aumentar exponencialmente no Brasil. Em apenas 3
anos após ter saído do Mapa da Fome da ONU (2014), o Brasil retornou para o
famigerado Mapa. O fato de um país com recursos abundantes como o Brasil, ter
uma parcela expressiva da população que passa fome, revela a face cruel e
atrasada da burguesia brasileira;
4. Acabaram com as políticas de soberania
energética que a duras penas vinham sendo montadas. O que estão fazendo com a
Petrobrás irá comprometer a segurança energética do país e está implicando na
dependência externa de combustíveis. Pretendem entregar todo Sistema
Eletrobrás;
5. Estão tentando privatizar o que for possível. Venderam
a Embraer a preço de banana, que virou uma divisão da Boeing. Apesar de dispor
de poder para tanto, o governo dos golpistas não vetou o negócio. Pretendem
privatizar o que for possível e rapidamente. Sistema Eletrobrás, Correios,
Banco do Brasil, CEF estão na mira. A privatização dos Correios está planejada
para o final de 2021 e pode acarretar demissões de 40.000 pessoas. Se a
correlação de forças permitir, entregarão a Petrobrás também. Há 119 ativos
federais listados para serem vendidos a preços de bananas;
6. Querem entregar as reservas estratégicas de água
para as multinacionais, incluindo o Aquífero Guarani. Temer teve inclusive
encontros com as multinacionais que controlam a água no mundo. Aprovaram uma
lei em dezembro/19 que possibilita acesso às fontes de água por empresas
estrangeiras;
7) Reduziram drasticamente o orçamento em ciência e
tecnologia. Em 2013 o orçamento no setor foi de R$ 8,5 bilhões Em 2019 foi de
4,4 bilhões, mas cortaram 42%, ou seja, caiu para R$ 2,6 bilhões;
8) Congelaram gastos primários (como educação e
saúde) por 20 anos, PEC 95, a chamada Emenda da Morte, que nem países que
perderam guerras aceitaram assinar. Só em 2019 o orçamento da saúde perdeu R$ 9
bilhões por conta da emenda da morte;
9. Acabaram com a democracia, fazendo justiça
seletiva através da Farsa à Jato e aumentando a repressão para cima dos
movimentos sociais. Índios, sem terras e outras minorias políticas estão
morrendo que nem moscas;
10. Destruíram
as leis trabalhistas, e junto com elas desmontaram o mercado de trabalho e a
renda. São 27,585 milhões de
trabalhadores subutilizados (desempregados, subocupados, desalentados ou
na inatividade por falta condições) e 12,575
milhões de trabalhadores desempregados;
11. Com o golpe explodiu a desigualdade social.
Desde quando, em 1960, o IBGE passou a coletar informações sobre o rendimento
da população nos censos demográficos, nunca se havia observado um crescimento
tão elevado em tão pouco tempo. Índice de Gini e outros indicadores.
12. O golpe causou a maior estagnação econômica da
história do Brasil. Não há registro anterior, nas contas nacionais, de cinco anos
de recessão e/ou estagnação;
13. A década que se encerra em 2020, poderá ser
considerada perdida para indústria. Nos últimos nove anos (2011 a 2019) a perda
acumulada é de 15% na indústria. Após uns cinquenta anos, o Brasil caminha para
sair do ranking dos 10 maiores países industriais do mundo;
Se a
política é de entrega das riquezas nacionais, os direitos, da mesma forma, não
conseguem se sustentar. Há uma relação direta entre soberania e direitos da
população. Mesmo porque uma parte das conquistas da sociedade custa dinheiro, e
há que financiar com recursos públicos que, em parte são arrecadados com as
riquezas que o país possui.
Aproximação com China
e Rússia, via BRICS, conquista de mercados na América do Sul e África, aposta em
empresas nacionais, reanimação da indústria bélica (construção do submarino
atômico e outros convencionais, em parceria com a França, a compra dos
helicópteros da Rússia e dos jatos da Suécia, sempre com transferência de
tecnologia), exploração soberana do pré-sal e colocação deste à serviço do
povo. Tudo isso fez o Brasil entrar em rota de colisão com os interesses do
imperialismo, especialmente o norte-americano. Não entender esse processo, é
abdicar de compreender o que acontecerá no Brasil nas próximas décadas.
*Economista. 17.04.20.
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