*José
Álvaro de Lima Cardoso
Em sua manifestação pública de despedida
do governo, Sérgio Moro, revelou uma série de condutas criminais e ilicitudes
administrativas de sua parte, como prevaricação, por não ter comunicado de ofício e imediatamente à PGR as alegadas interferências
de Bolsonaro em atividades da Polícia Federal. Teria também cometido crime
de sigilo funcional, ao permitir o acesso de Bolsonaro ao inquérito policial em andamento envolvendo um de
seus filhos. Outros crimes ou ilicitudes são também apontados por vários juristas.
Mas a biografia de Moro mostra que os atos irregulares, “confessados” naquela fala
pública, feita de forma involuntária e no afã de salvar a própria pele, estão entre
os mais inocentes que cometeu, na sua nefasta trajetória de juiz e ministro.
Desde o seu início, em março de 2014, já
haviam indícios de que a operação Lava Jato tinha sido arquitetada fora do
Brasil, possivelmente no Departamento de Estado norte-americano. Em 2015 o
historiador Moniz Bandeira publicou os vínculos do juiz Sérgio Moro com
instituições norte-americanas, a saber: em 2007 o então magistrado frequentou
cursos no Departamento de Estado. Em 2008, passou um mês num programa especial de
treinamento em Harvard, na Escola de Direito. Em outubro de 2009, participou da
conferência regional sobre “Ilicit Financial Crimes”, promovida no Brasil pela
Embaixada dos Estados Unidos. Segundo o historiador (falecido em 2017), não foi
casual a eleição, pela revista norte-americana, Time, de Sérgio Moro como um
dos dez homens mais influentes do mundo. Tratava-se de apresentar Sérgio Moro,
e a Lava Jato, como “intocáveis”, além de mostrar a operação como algo
fundamental para um Brasil “tomado pela corrupção”.
A Operação Lava Jato visou essencialmente
a inviabilização da Petrobrás, que ostentava a condição (como até hoje) de uma
das mais importantes empresas de produção de energia do mundo. Segundo revelações
do site Wikileaks (feitas em 2013), o senador José Serra teve, em 2010,
encontros secretos com Patrícia Padral, diretora da Chevron no Brasil, nos
quais, prometeu que, se eleito, reveria o modelo de Partilha, recém aprovado no
Congresso Nacional, em decorrência das bilionárias descobertas do pré-sal. Não
é demais lembrar que José Serra, assim como vários políticos pró-imperialistas,
foram poupados o tempo todo das investigações da Lava Jato, não obstante os
vários indícios de seu envolvimento com corrupção ligada ao caso. Em 10.01.19 a Justiça da
Suíça finalmente autorizou o envio de informações bancárias ao Brasil, material
que levou os investigadores daquele país a concluir que
houve um pagamento total de R$ 10,8 milhões da construtora em 2006, 2007 e 2009
para contas que beneficiariam José Serra. Como este foi um dos artífices do
golpe de 2016, e da guerra contra a Petrobrás pública, simplesmente nada
aconteceu.
As multinacionais do petróleo eram
frontalmente contra o modelo de Partilha, daí o apoio à conspiração da Lava
Jato. Sem mais nem menos, de uma hora para outra, aparece um juiz de primeira
instância, com um volume enorme de informações sobre a Petrobrás, contando com
o apoio total e ampla cobertura da mídia. Havia vários indicativos de que os
membros da Lava Jato tinham poderoso apoio em sua retaguarda. Possuíam à
disposição um esquema sofisticado de comunicação, com assessorias
especializadas e amplo apoio da grande mídia, ecoando com força as suas denúncias
de corrupção. Denúncias sempre seletivas, visando atingir políticos ligados à
esquerda, como em 2019 ficou comprovado pelos vergonhosos diálogos dos membros
da operação, divulgados pelo The Intercept Brasil, na chamada Vaza Jato. O fato
é que, dado o esquema midiático, em 2014/15 era quase impossível denunciar os
crimes da Lava Jato. O país mergulhou numa espécie de hipnose coletiva, da qual
poucos se salvaram.
Os vazamentos seletivos da Lava Jato,
sempre contra símbolos populares e tudo que significasse promoção do Brasil, somado
a um trabalho da grande mídia, despertaram uma reação histérica da classe média,
que já sido verificada em outros momentos, como no golpe que levou ao suicídio de
Getúlio Vargas, em 1954. Tal reação, de caráter extremamente preconceituoso e
intolerante, desferida contra tudo que pudesse sugerir a soberania do Brasil, foi
mais uma demonstração, sem maquiagem, do caráter entreguista da Lava Jato. A
Lava Jato despertou a ira contra estratégias de desenvolvimento nacional,
políticas de conteúdo nacional, e utilização dos recursos do pré-sal para saúde
e educação. Foi claramente uma operação contra a soberania do Brasil, fato que a
história tornará cada vez mais cristalino.
Para quem presta atenção nesse tipo de sinais[1], desde
o início da operação eram muito fortes os indicadores de que os objetivos
centrais da Lava Jato eram de quebrar a Petrobrás, abrindo caminho para mudar a
lei de Partilha e fechar mercados para a
empresa: a) denúncias do Wikileaks de que os norte-americanos estavam
preocupados com o crescimento da Odebrecht; b) grande contrariedade das
multinacionais com a Lei de Partilha; c) financiamento, por parte dos
bilionários do petróleo, Irmãos Kock, dos movimentos de direita no Brasil que
tentavam desestabilizar o governo (como o agrupamento de extrema direita,
Movimento Brasil Livre); d) visita do procurador Geral da República, Rodrigo
Janot, aos EUA, com equipe de procuradores para coletar informações que
serviriam de munição para abrir processos contra a Petrobrás.
As denúncias da Vaza Jato em 2019 - que do
ponto de vista jurídico não resultaram em nada - mostram que os indícios eram
plenamente verdadeiros. Os diálogos revelados entre Sérgio Moro e Deltan Dalagnol
são um rosário de confissões de crimes cometidos contra o Brasil em todos esses
anos. Além de escancarar o óbvio envolvimento central dos EUA no golpe de
Estado no Brasil. A comprovação da atuação, e interesse, dos EUA no golpe são
dimensões fundamentais da compreensão do turbilhão de acontecimentos ocorridos
no Brasil nos últimos oito ou nove anos. Sem o conhecimento e a concatenação
desses complexos fatos, é muito difícil entender o Brasil dos dias atuais.
Assim como ocorreu em 1954, 1964, e em outros golpes contra o povo brasileiro,
entre os principais grupos de interesses no golpe de 2016 o principal é o do
Império.
Em 2017 o ciberativista Julian Assange,
revelou que as espionagens feitas pela NSA (Agência Nacional de Segurança dos
EUA), à presidenta da República, outros membros do governo brasileiro, e à
Petrobrás, estavam relacionadas diretamente a interesses políticos e econômicos,
especialmente os do petróleo. Segundo o já citado historiador Moniz Bandeira, toda
a estratégia do golpe de 2016 inspirou-se no manual do professor Gene Sharp,
intitulado “Da Ditadura à Democracia”, para treinamento de agitadores,
ativistas, em universidades americanas e até mesmo nas embaixadas dos Estados
Unidos. Este país, para continuar na condição de potência, depende
crescentemente dos recursos naturais da América Latina e, por esta razão, não
quer perder o controle político e econômico da região. A estratégia
norte-americana tem caráter subcontinental, praticamente todos os países da
América do Sul sofreram golpes, adaptados a cada realidade social e política.
Mas os golpes de Estado aplicados em Honduras (2009) e Paraguai (2012) seguiram
metodologias bastante semelhantes à utilizada no Brasil (2016). Foram ataques
desferidos sem participação aberta das forças armadas (que atuaram nos
bastidores), utilizando os grandes meios de comunicação, parcela do judiciário
e políticos da oposição para sacramentar o processo.
Durante os governos Lula e Dilma, o Brasil
tomou iniciativas que desagradaram ao Império: aproximação com os vizinhos
sul-americanos, fortalecimento do Mercosul, ingresso no BRICS, votação da Lei
de Partilha, projeto de fabricação de submarino nuclear em parceria com a
França, etc. O entreguismo e a voracidade com que os governos pós-golpe de 2016
começaram a se desfazer dos ativos da Petrobrás, foi um sintoma muito forte que
o petróleo era a principal motivação econômica do golpe. Mas o interesse dos
EUA no golpe, como se percebeu em seguida à tomada de poder pelos golpistas,
está relacionado também às reservas de água existentes na região, aos minerais,
toda a biodiversidade da Amazônia, e a posições estratégicas do ponto de vista
militar (como vimos, Bolsonaro apressou-se em entregar base de Alcântara).
Uma potência na América do Sul e ligada
comercial e militarmente à China e à Rússia é tudo o que os Estados Unidos não
quer. Por isso promoveram um processo arriscado de golpe no Brasil, que até
agora ainda não se “acomodou”. Não por acaso também, dentre as dezenas de ações
destrutivas dos golpistas, uma das primeiras foi prender o Almirante Othon da
Silva, coordenador do projeto nuclear do Brasil, e alvejar o projeto de
construção do submarino de propulsão nuclear, fundamental para a guarda e
segurança da chamada Amazônia Azul. O almirante Othon, segundo especialistas da
área, concebeu o programa do submarino nuclear brasileiro e foi o principal
responsável pela conquista da independência na tecnologia do ciclo de
combustível, que colocou o Brasil em posição de destaque na matéria, no mundo. O
militar, que recebeu todas as honrarias possíveis das forças armadas brasileiras,
é considerado um patriota e um herói brasileiro. A história irá nos esclarecer
ainda muita coisa, pois os acontecimentos são muitos recentes e muitos detalhes
ainda serão elucidados.
O Brasil, com a liderança e experiência do
vice-almirante, vinha desenvolvendo um programa nuclear muito bem-sucedido com
tecnologia de ponta, e isso incomodou o imperialismo norte-americano, que não
admite que outros países dominem esse tipo de tecnologia, especialmente no
continente americano. Os estadunidenses tentaram interferir, saber de detalhes,
e o Brasil se recusou a passar informações sobre a tecnologia utilizada.
Conforme muitas indicações, o programa nuclear brasileiro foi objeto de
espionagem por parte dos norte-americanos, que esperaram a melhor hora para
inviabilizar a sua continuidade.
Mas
está claro que não foram ineptos procuradores golpistas, ou um juiz medíocre de
primeira instância - ambos os grupos em busca de fama e dinheiro, como
mostraram as denúncias da Vaza Jato - que destruíram, sozinhos, o setor de
engenharia nacional e colocaram o almirante Othon na cadeia. Assim como não
foram os operadores visíveis da Lava Jato que colocaram na cadeia, cometendo as
maiores atrocidades legais, alguns dos maiores capitalistas do país,
proprietários de empresas que investiam em todos os continentes. Só tem um
poder que está acima desse, que é o imperialismo norte-americano. A capacidade
de articular interesses, o financiamento e as técnicas fornecidas pelo
imperialismo foram essenciais para o sucesso do golpe.
Sérgio Moro, que começa a ser desmoralizado
pelo jugo implacável dos acontecimentos, troca agora tiros com Bolsonaro, um de
seus comparsas no golpe de 2016 e na gigantesca fraude eleitoral de 2018. Agora
que a aeronave de Moro ameaça cair, será que o Império irá lhe conceder um paraquedas
dourado pelos serviços prestados, ou assistirá o seu serviçal se esborrachar?
*Economista. 27.04.20.
[1]
Creio que desde 2015 até agora, quando estava evidente que o golpe vinha pela
via da Petrobrás, escrevi cerca de 20 artigos relacionados à petróleo, Petrobrás,
e o seus entornos.
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