*José Álvaro de Lima
Cardoso.
Tramita no Senado, em caráter de
urgência, o Projeto de Lei Complementar 257/2016, que trata de um plano de
enfrentamento do grave problema fiscal nos estados e Distrito Federal. O Dieese
publicou há poucos dias uma excelente Nota Técnica sobre o assunto (nº 158: “O
Projeto de Lei Complementar 257/2016 e os Trabalhadores no Serviço Público”).
O Projeto
é bastante polêmico pois propõe mudanças profundas na regulamentação da questão
fiscal nos estados, que impactam significativamente salários e direitos dos
servidores públicos. Se está tentando
mudar aspectos extremamente complexos da regulamentação fiscal dos estados, que
afetam conquistas históricas obtidas à duras penas pelos trabalhadores. Tais
propostas precisariam ser muito bem discutidas, por todos os segmentos
envolvidos, e com muita calma. Tenta-se aprovar, quase sem discussão, um conjunto
de leis que irão deixar, por exemplo, os servidores estaduais dos estados que
assinarem o acordo de alongamento da dívida, dois anos sem aumento salarial, o
que muito grave num contexto de inflação alta como o que estamos atravessando.
É
importante também entender o Projeto num contexto mais geral. O sistema
capitalista atravessa uma das mais graves crises da história e, no mundo todo,
se tenta transferir os principais ônus da crise para os trabalhadores. O projeto afeta as estruturas do Estado, com
rigoroso ajuste fiscal que, se aprovado, irá impor sacrifícios à sociedade,
especialmente no seu lado mais fraco, ou seja, os servidores públicos e a
população mais pobre, que necessita mais dos serviços do Estado. Compõe ainda o
projeto, privatizações, reforma da previdência dos estados e o congelamento de
salários dos servidores.
É
importante lembrar que o projeto surge num contexto em que os ataques aos
direitos ocorrem também em outras frentes, como no Congresso Nacional. O Diap (Departamento Intersindical
de assessoria parlamentar) selecionou 55 ameaças a direitos dos trabalhadores,
que estão com possibilidade iminente de retirada, flexibilização ou até mesmo
sua eliminação. Se aprovados alguns destes pontos, irá ocorrer uma
desorganização de todo o sistema de direitos do trabalho e sociais, fruto de
décadas de luta. Mas o problema não está somente no parlamento ou no executivo.
O documento intitulado 'UMA PONTE PARA O FUTURO' por exemplo, defende: a)
acabar com as vinculações constitucionais estabelecidas, como no caso dos
gastos com Saúde e Educação. b) execução de uma política de desenvolvimento
centrada na iniciativa privada, por meio da transferência de ativos que se
fizerem necessários. No referido documento há um trecho que diz que o Brasil gasta muito com políticas públicas,
porém obtém com resultados piores do que a maioria dos países. Na prática, esse
tipo de afirmação visa preparar os cidadãos para remédios amargos que vêm por
aí. Estes programas, por mais que tentem, não conseguem disfarçar que o
seu verdadeiro objetivo é retirar direitos dos trabalhadores, reduzindo assim o
custo da força de trabalho.
Um dos
aspectos do Projeto de Lei 257/2016 é a possibilidade dos estados refinanciarem
suas dívidas, resolvendo um problema imediato de fluxo de caixa. Alongar a dívida, melhorando o fluxo de caixa
que piorou muito em função da queda da arrecadação, em princípio seria uma boa
ideia. Significaria gastar menos com o serviço da dívida. No ano passado o
governo catarinense gastou com a folha de
servidores ativos, inativos e pensionistas: R$ 13,47 bilhões. E com a o
serviço da dívida pública gastou R$ 1,79 (13,3% da folha). O dinheiro da folha
é muito bem empregado: representa o ganha pão de 146.000 servidores (são quase
600 mil catarinenses que se beneficiam desse recurso). Significa consumo de
produtos básicos, movimenta a economia, gera empregos. Já os quase 2 bilhões
para o pagamento dos serviços da dívida, é dinheiro sem efeito social, que, ao
fim e ao cabo, será esterilizado na mão de rentistas. Os estados no Brasil, não tem um problema de
sustentabilidade da dívida e sim de fluxo de caixa. A dívida em Santa Catarina
corresponde hoje a cerca de 80% da receita líquida real. Em 1999 essa relação era
de 2,6%. Não há problema de insustentabilidade, e sim fluxo imediato, por causa
da recessão. Alongar significaria sobrar mais dinheiro para investimentos,
melhorias salariais, etc.
O
problema, no entanto, são as contrapartidas previstas no Projeto, que os
estados terão que oferecer. Para acessar o chamado Plano de Auxílio aos Estados e ao Distrito Federal
as unidades federativas devem cumprir
algumas exigências, tanto no curto quanto no longo prazos, que afetarão profundamente
o serviço público e seus servidores diretamente. Estas contrapartidas passam
por: a) não conceder reajustes aos servidores públicos, suspender admissão de
pessoal, reduzir em 10% despesas com cargo de livre provimento, instituir
sistema de previdência complementar, submeter-se a uma avaliação periódica de
suas políticas públicas, elevar a
alíquota previdenciária cobrada dos servidores, limitar o acréscimo da despesa
orçamentária em 80% da receita, e assim por diante.
O projeto tem que ser analisado com
muita atenção. No caso de todos os
estados firmarem aditivos renegociando a dívida, através do Plano de Auxílio
aos Estados, o impacto financeiro projetado pelo governo federal, em termos de
redução do valor do serviço da dívida entre 2016 e 2018, é de R$ 45,5 bilhões,
se adotado ainda em julho deste ano. Se o governo reduzisse em 1 ponto
percentual o nível da taxa Selic, certamente a economia do ente público como um
todo já seria superior aos R$ 15 bilhões anuais aliviados das dívidas dos
estados. Ou seja, se reduzisse a Selic o governo teria margem para “perdoar”
uma parte da dívida dos estados, sem precisar submetê-los ao conjunto de sacrifícios
previstos pelo Plano de Auxílio.
Existe
uma questão central nesse debate, que não quer calar. A dívida pública federal consome
R$ 500 bilhões por ano, mais de 8% do PIB e o país não discute o assunto. Ao
invés disso se faz um plano para enfrentar o grave problema da dívida dos
estados, que, em troca de um alongamento da mesma, submete os entes federados a
um conjunto enorme de sacrifícios. A dívida pública brasileira é como se fosse
obra do espírito santo. Não se discute a sua formação e a sua gênese.
A
questão central é que o problema do déficit público é a dívida pública. O Brasil pratica as maiores taxas de juros do mundo e gastou R$ 500
bilhões com a dívida pública no ano passado (quase 18 vezes os investimentos
com o Bolsa Família). Nos últimos 15 anos, R$ 221,7 bilhões
foram destinados para transferência de renda às famílias mais carentes do país.
Isso equivale a 5 meses de pagamento dos serviços da dívida pública. Qual é a lógica, a racionalidade disto? É a lógica da
subserviência ao rentismo. Se mexe em tudo, inclusive em direitos históricos
dos servidores, vindos com a Constituição de 1988, mas não se mexe no lucro dos
rentistas. É como se o pagamento da dívida pública estivesse escrito nas
estrelas.
O Brasil deixa
de arrecadar aos cofres da União, por ano, cerca de R$ 500 bilhões somente por
conta da sonegação. Seria o momento no Brasil, também, de tornar a estrutura
tributária mais justa, cobrando mais impostos de quem pode pagar mais, uma
urgência no Brasil. O desemprego e a recessão, do ponto de vista econômico, são
as verdadeiras causas da instabilidade social. Como vamos encaminhar medidas
que desempregam, em meio a uma das piores recessões da história? O Brasil tem
que fazer o contrário e colocar a geração de emprego e renda como o centro da
política econômica. Não há como negar que o comportamento
da sociedade brasileira em relação à dívida pública diz muito do que somos
enquanto nação.
Economista e supervisor técnico do Dieese em Santa
Catarina.
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