*José Álvaro de Lima Cardoso
Milhares
de cubanos se manifestaram no domingo (11), contra a falta de alimentos e
remédios, acontecimento que teve grande repercussão na mídia internacional. O
país atravessa há anos um criminoso embargo econômico liderado pelos EUA, que
dificulta muito o funcionamento normal da economia e o atendimento das
necessidades básicas do povo cubano. Os manifestantes reclamaram da falta de
liberdade e da piora da situação socioeconômica. Muitos reivindicavam a
renúncia do presidente Miguel Díaz-Canel.
Ao que se
teve notícia morreu uma pessoa na manifestação em Cuba, acontecimento com
grande repercussão na mídia comercial. Curiosamente, no mesmo período, houve
protestos e manifestações contra o governo na África do Sul, que até dia 15 de
julho já havia provocado a morte de 217 pessoas, 2.203 presos e a mobilização
de mais de 10 mil soldados, incluindo reservistas convocados para reprimir as
manifestações. No entanto, as manifestações cubanas foram mais divulgadas que as
ocorridas na África do Sul, muito mais relevantes do ponto de vista
jornalístico.
Ainda
que as informações sobre Cuba sejam escassas e venham sempre muito deturpadas, é
certo que as brutais sanções comerciais dos Estados Unidos tornam a vida do
povo cubano muito difícil. As sanções, que sempre foram muito duras, pioraram
bastante durante o governo Trump. Até o momento não há sinais que de que o
governo Joe Biden irá suspender as referidas sanções. Pelo contrário, segundo
informações do governo cubano, o governo de Biden, além de manter o bloqueio,
vem destinando milhões de dólares para o financiamento da subversão do regime
cubano.
Há fortes
indicações de que, novamente, os protestos contaram com coordenação a partir de
grupos localizados nos EUA. Mas tais grupos tiveram uma resposta imediata do
povo cubano que saiu às ruas para defender as conquistas da Revolução na saúde,
segurança alimentar, educação e outros, que têm sido mantidas à duríssimas
penas.
No
Brasil, impressiona o alinhamento da grande mídia com as posições dos EUA.
Divulgados os acontecimentos em Cuba, a imprensa comercial saiu imediatamente
em defesa das posições dos Estados Unidos. A imprensa, e outros setores
conservadores, se apressam em concordar com as intervenções dos EUA, país que
financia as manifestações dos chamados gusanos. Para estes segmentos o atual regime
político cubano deve ser eliminado e substituído por um regime capitalista subordinado
ao imperialismo internacional. Não deixa de ser curioso que o grupo que apoiou
o golpe de 2016 e ajudou a eleger Bolsonaro no Brasil, critique a suposta falta
de democracia em Cuba.
Algumas análises registram que, nas
manifestações recentes não haviam somente os agentes patrocinados pelos EUA
para sabotar o regime cubano, conhecidos em Cuba como “gusanos”. É muito
possível que seja mesmo verdade, já que as consequências do bloqueio económico,
comercial e financeiro imposto pelo Governo dos Estados Unidos da América
contra o país caribenho por 60 anos, são terríveis. Esse bloqueio, que tinha
sido em parte aliviado por Obama, foi gravemente aprofundado por Donald Trump
em 2017, através do “Memorando Presidencial de Segurança Nacional sobre o
Fortalecimento da Política dos Estados Unidos para com Cuba”. Com a nova
orientação Trump recrudesceu o bloqueio contra Cuba e revogou algumas medidas
do antecessor, que haviam aliviado alguns aspectos do bloqueio, especialmente
relativos à viagens e comércio.
O bloqueio contra Cuba continua duríssimo
e é admirável que o Império precise colocar milhões de dólares todo ano para
tentar desestabilizar o regime cubano. Algumas das medidas que aliviavam o
embargo, anunciadas por Barack Obama, na prática ficaram só no papel, nunca
foram concretizadas. Ao que se sabe, este foi o caso da permissão dada à Cuba,
em março de 2016, que permitia o país utilizar o dólar estadunidense nas suas
transações internacionais e possibilitava que bancos estadunidenses oferecessem
créditos aos importadores cubanos para adquirir produtos estadunidenses
autorizados. Ao que se sabe, Cuba jamais conseguiu utilizar esta nova
regulamentação e fazer qualquer operação internacional utilizando dólares.
As
medidas adotadas pelos EUA contra Cuba, assim como a retórica agressiva, levam
a que empresas e países no mundo inteiro fiquem temerosos de relacionarem-se
com Cuba. Os prejuízos econômicos acumulados pelo bloqueio, em seis décadas de
duração, são praticamente incalculáveis (mas o governo cubano tem cálculos
sobre isso). Os EUA, ao não se relacionar com Cuba e proibir que países aliados
o façam, inviabiliza o desenvolvimento econômico do país vizinho. O bloqueio representa
uma violação absoluta e contínua dos direitos humanos de toda a população de
Cuba. Ao impingir este tipo de restrição à Cuba, os Estados Unidos estão
ignorando dezenas de resoluções estabelecidas pela comunidade internacional na
Assembleia-Geral das Nações Unidas, cujos participantes pedem há décadas o fim
do bloqueio.
É ilusão achar que o governo Biden irá
mudar a política dos EUA em relação à Ilha de Cuba. A linha da política internacional de Biden, pode ser medida pela
indicação que fez para diretor da Agência Central de Inteligência (CIA),
William Burns. Burns afirmou a um comitê do Senado que vê a competição com a
China, e a contraposição à sua liderança "antagonista e predatória",
como essencial para a segurança nacional norte-americana. Disse ainda:
"Superar a China será essencial para nossa segurança nacional nos dias à
frente". Para ele, embora os Estados Unidos possam cooperar com a China em
questões fundamentais, como a não proliferação de armas nucleares, o gigante
asiático é um "adversário formidável e autoritário". Recentemente
William J. Burns, teve uma reunião com Bolsonaro, não prevista na agenda
oficial, o que revela o tipo de alinhamento que Biden pretende manter na
região.
Quem
conhece o modus operandi dos EUA no
mundo todo, sabe o que significam as manifestações em Cuba. Recentemente, nós
brasileiros pudemos sentir na carne, como funciona na prática essa forma de
operar do governo estadunidense. A Lava Jato foi uma operação montada fora do
pais, com a coordenação decisiva dos EUA, para perpetrar o golpe de 2016. Toda
a operação nada tinha a ver com combate à corrupção, mas foi uma tramoia dos
EUA visando dar as cartas da política no país e atingir seus objetivos
econômicos e políticos. O que se sabe é que os Estados Unidos para continuar na
condição de potência, depende crescentemente dos recursos naturais da América
Latina e, por esta razão, não quer perder o controle político e econômico da
Região.
Os EUA
fazem qualquer coisa para preservar o seu poderio econômico e político. Os procedimentos ilegais utilizados na
operação Lava Jato, prisões arbitrárias, vazamento seletivo de delações de
criminosos, desrespeito aos princípios mais elementares da democracia (como a
presunção de inocência), e a mobilização da opinião pública contra pessoas
delatadas, são técnicas largamente utilizadas pela CIA em golpes e sabotagens
mundo afora. Cuba conhece muito bem esta forma de agir, desde sempre.
Cuba representa uma lição para todo o
mundo, de luta sem tréguas pela soberania e dignidade. Há muito anos, o povo cubano
começou a trabalhar por sua libertação do jugo colonial e, posteriormente, da
dominação imperial. As lutas populares e revolucionárias do povo cubano vêm de
longe, num tempo estimado em mais ou menos 150 anos. Sem fazer esforço, vemos
as muitas qualidades do povo cubano. Mas penso que a que mais se destaca é a
coragem. Coragem para sair da condição de “prostíbulo” da burguesia
estadunidense, para a condição de uma nação admirável, que resolveu os
principais problemas do seu povo, e que, apesar de ser um país muito pequeno,
auxilia, sem pedir nada em troca, populações do mundo todo, principalmente na
área de saúde e qualidade de vida. Seja com o envio de abnegados profissionais
da saúde, seja com o desenvolvimento de pesquisas fundamentais na área de biotecnologia.
Em relação à Cuba o problema não é tanto econômico,
dado o pequeno volume de riqueza mobilizada pelo país, em relação ao Império
vizinho. O problema é que a valentia, determinação e honradez do povo cubano
são um péssimo exemplo para os povos de todo o mundo, especialmente os latino
americanos.
*Economista, 19.07.2021
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