*José Álvaro de Lima Cardoso
Ao final
de março, o governo estadunidense anunciou um impressionante programa de investimentos
em infraestrutura, que pode totalizar US$ 2,3 trilhões. Os investimentos
previstos pelo pacote abrangem desde obras em rodovias, até assistência a
famílias, desenvolvimento de novas tecnologias, etc. O pacote de Joe Biden é o
terceiro aprovado pelo país desde o início da pandemia. Ao todo, já foram
gastos US$ 5 trilhões em programas de ajuda econômica, ou seja, cerca de 25% do
PIB americano. Como vem mais um pacote ao final de abril, voltado para o
atendimento às famílias, o financiamento total do plano pode atingir US$ 6
trilhões.
Com o
plano também, o governo norte-americano tentará tirar a economia da grave crise
em que se encontra e reverter uma tendência muito forte nos EUA, nas últimas
décadas, que é o aumento da desigualdade. Para isso o governo pretende investir
pesadamente em setores como infraestrutura, desenvolvimento de novas tecnologias
e novas leis de valorização do trabalho. Está ainda no horizonte do governo a
realização de uma reforma tributária, que possibilite uma melhor distribuição
da riqueza no país.
A medida
está também relacionada à disputa dos Estados Unidos com a China por mercados
mundiais, que tende a se acirrar muito nos próximos anos, como a postura do
novo governo estadunidense está demonstrando. Biden tem subido o tom contra os
seus principais rivais e recentemente criticou Xi Jinping e Vladimir Putin por
não “acreditarem na democracia” e chamou os regimes destes de autocracias. Numa
entrevista recente à ABC News, provocado pelo apresentador, Biden afirmou que
Putin era um “assassino”. À propósito, vale a pena assistir o vídeo com a
impressionante resposta de Vladimir Putin a ofensa do presidente dos EUA.
A
retomada dos investimentos públicos, é uma tentativa de competir com o modelo
de desenvolvimento econômico chinês. O objetivo é deslocar a China de todos os
mercados onde os EUA acham que aquele país estaria com dimensão “exagerada”. Há
uma avaliação, por parte do governo Biden, que a China está ocupando um espaço
econômico desproporcional ao seu poderio geopolítico e militar no mundo. Quem
estuda um pouquinho a história da economia no mundo, incluindo a história das
guerras mundiais, sabe que poderia econômico no mundo e capacidade bélica são
fatores intimamente ligados.
Alguém
tem dúvidas, por exemplo, que os golpes na América Latina, foram perpetrados,
também, visando baixar a bola da China na Região? Quem lembra ainda que, em
2015, o primeiro ministro chinês veio ao Brasil para selar 35 acordos
bilionários com o Governo
Dilma Rousseff? Destes, um dos mais ambiciosos era o projeto ferroviário
transcontinental que deve percorrer o Brasil de leste a oeste, atravessar a
cordilheira dos Andes até chegar aos portos peruanos. O objetivo era facilitar
a exportação de matérias-primas do Brasil e do Peru para o mercado chinês.
Sairia uma linha do Tocantins até chegar ao Peru, com ganhos para os produtores
com a redução de custo na logística. Tudo indica que estes planos foram
decisivos para a tomada de decisão dos EUA, de acelerar o golpe no Brasil.
À época, Brasil
e China, anunciaram ainda um fundo de investimentos de 53 bilhões de dólares,
do banco estatal ICBC para garantir investimentos em infraestruturas, que incluía
rodovias, ferrovias, linhas de transmissão para o setor elétrico, e projetos de
telecomunicações. Em 2014 o comércio
bilateral tinha sido de 79 bilhões de dólares e a intenção dos dois governos
era chegar rapidamente a 100 bilhões de dólares. Os dois países assinaram ainda
acordos nas áreas de: Defesa Nacional, para o sensoriamento conjunto da Amazônia,
energia eólica, telefonia. Segundo o governo brasileiro o objetivo dos acordos
era inaugurar uma etapa superior no relacionamento em Brasil e China. Alguém
pode ainda duvidar que essa aproximação foi decisiva para a tomada de decisão do
golpe de 2016?
Apesar da
impressionante envergadura, os montantes dos planos estadunidenses ficam muito aquém
dos investimentos mobilizados pelos chineses na chamada Nova
Rota da Seda. Programa lançado em 2013, com investimentos estimados entre
US$ 4 e US$ 8 trilhões, os chineses realizam projetos de infraestrutura que se
estendem por países da Ásia Central, Sudeste Asiático, Oriente Médio, África e
Leste da Europa.
A relação
China X Estados Unidos vive um momento decisivo, com tendência a ficar cada vez
mais tensa, em meio a uma série de disputas sobre comércio, direitos humanos e
as origens da Covid-19. Numa ação recente, os Estados Unidos colocaram na lista
negra dezenas de empresas chinesas que afirmam ter ligações com os militares. Joe
Biden vem criticando a China por seus "abusos" no comércio e em
outras questões. Retornou com força também, e de forma articulada, inclusive na
grande mídia norte-americana, a hipótese de que o vírus da Covid-19 se originou
na China.
A linha da
política internacional de Biden, pode ser medido pela indicação que fez para
diretor da Agência Central de Inteligência (CIA), William Burns. Burns afirmou
a um comitê do Senado que vê a competição com a China, e a contraposição à sua
liderança "antagonista e predatória", como essencial para a segurança
nacional norte-americana. Disse ainda: "Superar a China será essencial
para nossa segurança nacional nos dias à frente". Para Burns a China é o
primeiro desafio que os Estados Unidos enfrentam neste governo, o que reflete
posições já expressas pelo próprio Biden e por funcionários do seu governo. Para
ele, embora os Estados Unidos possam cooperar com a China em questões
fundamentais, como a não proliferação de armas nucleares, o gigante asiático é
um "adversário formidável e autoritário".
Os
últimos dados dos EUA mostram ótimos resultados no mercado de trabalho. Foram
gerados mais de 900 mil empregos em março e o desemprego caiu para 6%. Há uma
recuperação dos chamados indicadores de confiança do mercado. Mas o cenário
ainda é muito nebuloso. Há possibilidades de elevação da inflação, com o forte
aumento dos preços de commodities: agrícolas, metálicas, combustíveis e bens
industriais. Isso em meio ao imenso estímulo monetário que o governo vem
promovendo, o que aumenta o risco de maior inflação. E há muitas dúvidas sobre
o tempo de aprovação das medidas do pacote, no Congresso Nacional. O governo
precisa aprovar rapidamente, mas a oposição tende a ser dura, especialmente
quanto a alguns aspectos do pacote.
Vale lembrar que o governo dos EUA, que agora
encaminha um plano ambicioso de recuperação da economia, e que está em pânico
com o avanço econômico e político da China no mundo, é o mesmo que perpetrou o
golpe no Brasil, em 2016, inclusive com Biden na vice-presidência do país na
ocasião. Com o golpe, interromperam uma série de governos de esquerda que, apesar
de moderados e reformistas, contrariavam os interesses dos EUA na Região
(especialmente por sua postura nacionalista).
O
protagonismo dos EUA nos golpes na América Latina, que rapidamente vai sendo
comprovado pelas denúncias da vaza-jato, do STF do Brasil, e outras, é
relativamente fácil de compreender. Para o centro capitalista continuar
dominando, especialmente em época de grave crise internacional, os países
subdesenvolvidos têm que continuar nesta condição. Não podem dispor de
refinarias ou de reservas bilionárias de petróleo, ou de indústria sofisticada.
No caso do Brasil, o golpe recente foi dado também para garantir o acesso sem
limites, além do petróleo, às reservas de água existentes na região, os
minerais de todos os tipos e toda a biodiversidade da Amazônia. País
subdesenvolvido não pode ter acesso também ao ciclo da energia nuclear, por
isso o vice-almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva (Ex-presidente da Eletronuclear), foi preso pela Lava Jato ainda
em 2015.
*Economista
12.04.21
Nenhum comentário:
Postar um comentário