*José Álvaro de Lima Cardoso
No debate
sobre as contrarreformas em geral, o primeiro aspecto que jamais deveria ser
esquecido, é que todas elas (previdenciária, trabalhista, Estado), incluindo a
PEC 32/2020, vieram na esteira de um crime de grandes proporções contra o
Brasil, que foi o golpe de Estado, em curso. Esse golpe teve como momento crucial
o impeachment da presidente Dilma Roussef em 2016, mas não se limita a ele. O
resgate do golpe não é nenhum capricho ou questão moral: é que o golpe está
transformando profundamente a sociedade brasileira - para pior - por isso deve
ser resgatado. Resgatar o fato é fundamental para a precisão da análise e, consequentemente,
para as ações a serem encaminhadas.
A PEC 32/2020 vem num conjunto de medidas encaminhadas
pelo menos desde o golpe de 2016. O aspecto central da referida PEC é que ela
revê uma concepção de Estado, mais ou menos aceita, de que alguns direitos são
constitucionais e devem ser providos pelo Estado de qualquer maneira. A partir
das medidas da reforma administrativa, aquilo que a gente conhece como direito
constitucional desde, pelo menos 1988, a reforma administrativa quer
transformar, na prática, em mera “prestação de serviços”. Como outra face da
mesma moeda, esta concepção classifica os direitos do servidor, como
“privilégios”. Nesse contexto, a estabilidade no emprego é “o cúmulo da regalia”,
“servidores não fazem nada e recebem salários milionários”, etc. Segundo essa concepção
de Estado, é necessário esmagar salários e direitos para melhorar a eficiência
do Estado.
A operação de rápido desmonte dos serviços
públicos, como os golpistas vêm fazendo, requer total ausência de transparência
e debate. Se as medidas são aprovadas a toque de caixa no Congresso Nacional,
sem aprofundamento do debate e sem a população saber direito o que está
acontecendo, o lado mais poderoso aprova a versão que quer. Por isso o governo
federal, no intuito de aprovar a reforma administrativa, mente muito, mente
descaradamente. Mentir, aliás, parece ser uma especialidade dos promotores do
golpe.
Como uma
grande parte da população vive na miséria, e a classe média está empobrecendo
rapidamente, qualquer comparação com o setor privado, torna os direitos do funcionalismo
público, um rosário de “privilégios”. Um professor que ganha R$ 4.500,00 passa
a ter seu salário considerado verdadeira “fortuna”. Um gari de empresa pública,
com 15 anos de casa, que ganha R$ 4.000,00 é um autêntico “marajá”. A mídia que
divulga essas coisas não menciona, claro, que o salário mínimo necessário para
uma família de 4 pessoas, calculado pelo DIEESE é R$ 5.315,74, valor correspondente
a 4,83 vezes o mínimo vigente no país.
Dentre as
várias mentiras que se conta, no debate sobre Estado nacional, uma é de que a
privatização irá resolver o problema fiscal do governo. Mas o fato é que não há
saída para o problema financeiro no Brasil, se não se resolve o problema da
dívida pública. O governo arrecadou com privatizações no ano passado, menos de
R$ 100 bilhões, torrando ativos fundamentais para a população brasileira. Mas
só os gastos com o pagamento de juros e amortizações da dívida pública chegaram
à cifra impressionante de R$ 1.381 trilhão.
O conjunto
das medidas a partir do golpe, desmonta o Estado tal qual hoje o conhecemos. As
medidas principais são:
1.PEC do teto ainda em 2016 (EC 95), que congelou
gastos primários do governo federal. Só se pode corrigir os gastos pela
inflação do ano anterior;
2. Continuou com a terceirização ilimitada, aprovada
no governo Temer (março de 2017). Medida que acabou com a terceirização apenas
nas atividades meio e abriu a possibilidade de terceirizar tudo. Uma escola,
portanto, passou a poder terceirizar professores, ao invés de contratar
diretamente;
3.Passa pela contrarreforma trabalhista (aprovada em
julho de 2017) que, além de rebaixar os direitos de toda a classe, estavam preparando
para medidas específicas no setor público);
4.Segue com a contrarreforma da previdência
(aprovada em novembro de 2019) que dificultou o acesso ao direito e diminuiu o
valor das aposentadorias;
5.Continua com as privatizações, alimentada pela
mesma concepção de Estado mínimo. Por exemplo, o Banco do Brasil, que estão
preparando para privatizar, irá fechar neste ano, 361 unidades e
demitir 5 mil funcionários;
6.Segue com a PEC 32/2020 e outras medidas.
Na lista
acima foram lembradas algumas das medidas principais. Mas há muitas pequenas
medidas complementares, com menor visibilidade, que a sociedade não consegue
nem acompanhar. Com esse conjunto de medidas principais, e outras
complementares, a intenção é mudar radicalmente a relação do Estado com a
sociedade. Acabar com o pouco que tem de Estado de bem-estar social no país.
Exemplo
de medida aparentemente sem importância para o setor público é o fim da
política de ganhos reais do salário mínimo. O servidor público pode pensar
“isso nada tem a ver comigo”. Mas essa medida afeta toda as relações econômicas.
O salário mínimo é referência de toda a economia, inclusive para o setor
público, especialmente prefeituras. O salário mínimo é um preço que influencia
a distribuição de renda como um todo, exercendo o papel de alicerce salarial da
economia.
Bolsonaro
estava falando sério, quando afirmou, em março de 2019, numa reunião na sede da
CIA: (...). O Brasil não é um terreno aberto onde nós pretendemos construir
coisas para o nosso povo. Nós temos é que desconstruir muita coisa. Desfazer
muita coisa. Para depois nós começarmos a fazer”.
Economista, 21.04.2021
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