*José Álvaro de Lima Cardoso
A comprovação da atuação e interesse dos
EUA no golpe - que estas novas denúncias da Lava Jato, analisadas pela polícia
federal na Operação Spoofing, descrevem com sórdidos detalhes - são dimensões
fundamentais da compreensão do turbilhão de acontecimentos ocorridos no Brasil
nos últimos oito ou nove anos. Impressiona por exemplo, que o núcleo da força-tarefa da Operação Lava Jato tenha comemorado a
ordem de prisão contra Lula em abril de 2018. O chefe da Operação, Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa à
época, chegou a exclamar, de forma empolgada, que foi um “presente da CIA”.
Dos bastidores do golpe sabemos o mínimo, com
o tempo iremos saber muito mais. Mas os diálogos vazados recentemente, dos
agora desmascarados membros da Lava Jato, deixam muito evidente que toda a
operação nada tinha a ver com combate à corrupção, mas era uma tramoia
coordenada por um país estrangeiro, visando dar as cartas da política no país e
atingir seus objetivos econômicos e políticos. O que se sabe é que os Estados
Unidos para continuar na condição de potência, depende crescentemente dos
recursos naturais da América Latina e, por esta razão, não quer perder o
controle político e econômico da região.
A estratégia norte-americana tem caráter
subcontinental, praticamente todos os países da América do Sul sofreram golpes,
adaptados a cada realidade social e política. Na maioria dos países foram
ataques desferidos sem participação aberta das forças armadas (que atuaram nos
bastidores), utilizando os grandes meios de comunicação, parcela do judiciário
e políticos da oposição para sacramentar o processo. Durante os governos Lula e
Dilma, o Brasil tomou iniciativas que desagradaram ao Império: aproximação com
os vizinhos sul-americanos, fortalecimento do Mercosul, organização do BRICS,
votação da Lei de Partilha, projeto de fabricação de submarino nuclear em
parceria com a França, fortalecimento da indústria, etc.
Somente um processo sofisticado de
manipulação da população poderia possibilitar o apoio a uma operação
entreguista como a Lava Jato e aceitar com naturalidade o repasse, ao Império
do Norte, de petróleo, água, minerais e território para instalação de bases
militares. Em 2015 achávamos que o pessoal da operação Lava Jato eram apenas idiotas úteis, deslumbrados com
a chance de rastejar perante o poder imperialista. No entanto, com as impressionantes
denúncias que foram surgindo, a partir da Vaza Jato, ficamos sabendo que a
coisa foi bastante diferente. O chefe da operação, por exemplo, estava ganhando
um bom dinheiro, como palestrante e vendedor de livros, inclusive em reuniões
secretas com banqueiros, que ajudaram a financiar o golpe. Deslumbrado pelos
acontecimentos, Dallagnol foi, possivelmente, o mais imprudente de todos: em
algumas conversas vazadas comentou ter faturado com palestras e livros R$ 400
mil, somente em alguns meses de 2018.
Os procedimentos ilegais utilizados na
operação, prisões arbitrárias, vazamento seletivo de delações de criminosos,
desrespeito aos princípios mais elementares da democracia (como a presunção de
inocência), e a mobilização da opinião pública contra pessoas delatadas, são
técnicas largamente utilizadas pela CIA em golpes e sabotagens mundo afora. Blindados
pela mídia, a arrogância e o descaso com a opinião pública era tão grande que a
Lava Jato fez acordos de colaboração com o departamento de justiça dos EUA, com
troca de informações de um lado e outro, para uso inclusive, das estruturas
jurídicas americanas em processos contra a Petrobrás.
O interesse do capital internacional,
essencialmente o norte-americano, obviamente é ampliar o acesso e o controle
sobre fontes de recursos naturais estratégicos, em momento de queda da taxa de
lucro ao nível internacional (terra, água, petróleo, minérios, e toda a
biodiversidade da Amazônia). Mas no golpe houve todo um interesse geopolítico,
de alinhar o Brasil nas políticas dos EUA, como ocorreu em todos os golpes.
Os países imperialistas corrompem para ter
acesso à direitos e todo tipo de riquezas dos países subdesenvolvidos. Logo
após o golpe no Brasil, em 2016, conforme estava no script, o governo Temer
tomou várias medidas favoráveis às petroleiras: redução das exigências de
conteúdo local, redução de impostos, dispensa de licenças ambientais, concessão
de poços de petróleo a preços de banana. A mamata envolve valores acima de um
trilhão de reais (em 20 anos), tirados da mesa dos brasileiros mais pobres
(conforme previa a lei de Partilha). Algum incauto, por mais colonizado e tolo
que seja, seria capaz de supor que, nessa altura dos acontecimentos, essas
benesses concedidas às petroleiras foram concedidas pela simples admiração aos
costumes requintados dos países imperialistas?
Uma informação que circulou em 2016, após o
golpe, com origem no Wikileaks, foi a de que Michel Temer era informante do governo
americano. É claro que as informações que ele passava para a embaixada
americana eram remetidas
para órgãos estratégicos do governo dos Estados Unidos. O detalhe é que Temer
era vice-presidente da República e seu partido era o segundo mais importante na
coalização de governo. Temer fazia críticas pesadas ao governo na ocasião,
afirmando que o governo gastava muito com programas sociais. Temer, que
atualmente é uma espécie de conselheiro informal de Bolsonaro, negou as
denúncias, claro. Mas o Wikileaks divulgou telegramas trocados entre Temer e a
embaixada, além de outros indícios.
O
envolvimento dos Estados imperialistas nos golpes recentes na América Latina, liderado
pelos EUA, atende a interesses de Estado (por exemplo, água, petróleo, bases
militares). Mas em boa parte corresponde ao interesse das suas empresas também,
grandes oligopólios, que dominam amplos setores da produção mundial. Segundo a Revista
Forbes, das 500 maiores empresas do mundo em 2019, 62% se originam em quatro
países (EUA, China, Japão e França). Só os EUA é o país sede de 128 grupos,
mais de ¼ do total. O país de origem das grandes empresas mundiais é sempre uma
boa referência para saber se o país em questão é desenvolvido ou subdesenvolvido.
Das 500 maiores empresas do mundo apenas oito são brasileiras, de acordo com o
ranking Fortune 500, o que diz muita coisa sobre o nosso desenvolvimento.
Isto significa que, apesar do Brasil ser a
10ª economia do mundo, sedia apenas 1,6% das 500 maiores empresas do mundo. Não
por coincidência, a primeira empresa brasileira, com a 74ª colocação no mundo, a
Petrobrás, foi a empresa-alvo da operação Lava Jato e do golpe em geral. Observe-se
que das oito empresas brasileiras que constam da lista da Forbes três são
estatais, na mira dos tubarões para serem privatizadas.
*Economista.
10.02.
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