*José
Álvaro de Lima Cardoso
Há
análises que avaliam os prejuízos do golpe de Estado no Brasil exclusivamente no
campo da democracia formal e dos direitos sociais e trabalhistas. De fato, a destruição
de direitos a partir de 2016 foi realizada em escala industrial. Direitos
sociais fruto de lutas seculares (como a previdência social) foram moídos em menos
de cinco anos pelos governos golpistas. Além disso, os escassos espaços
democráticos que existiam, foram liquidados. O Brasil de hoje tem no máximo um
arremedo de democracia.
É inegável,
porém, que os golpistas foram extremamente exitosos também num dos seus
objetivos centrais, que foi quebrar a espinha dorsal da economia brasileira. Segundo
estudo da consultoria britânica CEBR, que analisa as perspectivas da economia
global, em 2021 o Brasil deverá ser ultrapassado pela Austrália e, assim, deve
terminar o ano de 2021 como a 13ª maior potência econômica mundial.
Pelo
que foi divulgado até agora, o estudo tem limitações importantes, principalmente
sobre as causas do baixo crescimento da economia brasileira, que ignora, por
exemplo, os efeitos do golpe de 2016. Mas, mesmo com limitações, o estudo tem
sua importância porque, com a mesma metodologia, apontou em 2011 o Brasil como a
sexta maior economia do mundo à frente do Reino Unido – ou seja, o estudo
permite comparação com a própria economia brasileira no período recente. À
época se dizia, inclusive, que se o Brasil mantivesse o seu ritmo de
crescimento, rapidamente iria ultrapassar a economia do Reino Unido,
posicionada no quinto lugar naquela ocasião.
Quanto
se discute política econômica o importante é saber se, em qualquer país, ela
garante o bem-estar da população. O grande parâmetro para saber se uma política
econômica, de um determinado país, é adequada, é saber se resolve os problemas econômicos
principais do povo. Para medir a eficácia de uma economia, tem que saber como
os trabalhadores (95% ou mais da população) estão vivendo. Não é a situação das
bolsas de valores, das grandes empresas, dos investimentos financeiros, etc.: é
a garantia de uma vida razoável para a população do pais o grande parâmetro de
eficiência da política econômica. Os
EUA, inclusive, são o exemplo da anti economia política. É a maior economia do
mundo e a miséria é crescente.
Com
a habitual e impressionante superficialidade, uma parte da mídia comercial no
Brasil atribui a instabilidade da economia brasileira às idiotices que
Bolsonaro e sua equipe repetem, quase que diuturnamente. Mesmo reconhecendo o
absurdo das mesmas, sabe-se que essa não é a questão essencial no comportamento
da economia. O problema localiza-se nos fundamentos da economia brasileira e
mundial.
Por
exemplo, a economia mundial está atravessando uma crise estrutural de
sobreprodução, ou seja, de excesso de mercadorias em relação à capacidade de
consumo da sociedade. O sistema não consegue manter a lucratividade do capital,
com a quantidade de forças produtivas existentes. Torna-se necessário destruir
capital para recuperar os níveis de produtividade. A crise de sobreprodução
decorre de uma contradição central no capitalismo que é, de um lado, um grande
desenvolvimento das forças produtivas e, de outros, relações sociais de
produção restritivas, que impedem o pleno desenvolvimento das forças
produtivas, baseados na propriedade privada dos meios de produção.
O imperialismo não tem outra proposta para
enfrentar a crise mundial de sobreprodução, fora as privatizações, destruição
de forças produtivas (tanto na periferia, quanto no centro capitalista), e liquidação
dos direitos. Além de atacar, claro, as condições de vida e sobrevivência da
população em geral. Como o imperialismo não tem outra política que substitua
essa, todas as manobras políticas, os golpes de Estado, o apoio a extrema
direita (como no Brasil em 2018 na fraude eleitoral que elegeu Bolsonaro),
visam criar as condições para aprofundar as políticas neoliberais praticadas.
Vimos o que aconteceu no Brasil em 2016: interromperam uma sucessão de governos
nacionalistas, moderados e negociadores, e que estavam controlando a inflação,
reduzindo o desemprego e distribuindo a renda discretamente. Como a crise
mundial se agravou, tornou-se necessário, para sobrevivência do capital,
aumentarem os níveis de exploração da classe trabalhadora no mundo todo.
O
país não cresce e nem irá crescer porque as políticas desenvolvidas por este
governo são anti crescimento. Por exemplo, desde o golpe destruíram o mercado
consumidor interno com uma série de medidas, principalmente aumentando o
desemprego e a precarização e levando os indicadores de pobreza a explodirem. A
chegada da Covid-19, claro, potencializou enormemente essa tendência.
Como
o PIB do país (especialmente o per capita) irá crescer, se aumenta o número de
pessoas que passam fome, e entregam as riquezas nacionais, o mais rápido que
podem, para os capitais estrangeiros, a preços de banana? Como o país irá
crescer se congelaram os gastos com a população por 20 anos, através da Emenda
Constitucional 95, a chamada Emenda da Morte? Nem países que perderam guerras
mundiais aceitaram assinar leis dessa natureza, que impedem o país de fazer
políticas públicas. De 2017 para cá, Educação e Saúde perderam bilhões em
investimentos (só em 2019 o orçamento da Saúde perdeu R$ 19 bilhões).
É
muito difícil um país crescer, se as leis trabalhistas são destruídas e o
mercado de trabalho é desarticulado. Um dos efeitos das políticas do golpe são
28 milhões de trabalhadores subutilizados (desempregados, subocupados,
desalentados ou na inatividade por falta condições), o que afeta diretamente o
mercado consumidor. Após uns cinquenta anos, o Brasil caminha para sair do
ranking dos 10 maiores países industriais do mundo. Há uma relação direta entre
crescimento, soberania nacional e direitos da população. Uma parte das
conquistas da sociedade custa dinheiro e tem que ser financiada com recursos
públicos que, em parte, são arrecadados com as riquezas que o país possui. Se
são vendidos ativos ligados ao setor de petróleo por uma fração do efetivo
valor, fica difícil sobrar recursos para financiar a Seguridade Social.
Com
esse conjunto de políticas, que representa um verdadeiro lança chamas contra a
população trabalhadora, o país só conseguiria crescer se houvesse uma
conjuntura internacional muito específica, na qual o mundo estivesse crescendo
a taxas vigorosas e estivesse ingressando na economia generosas somas de
capital internacional para investimentos. Mas o cenário é o oposto, o mundo
vive hoje o risco de uma grande recessão global. Dentre outras razões porque o
mercado imobiliário dos EUA está atravessando uma bolha, como aconteceu em
2007. Há estimativas que os preços das ações de empresas globais tenham tido perdas
entre 30% e 40% no ano passado.
O
golpe de 2016 teve vários objetivos, até em função do fato de que os grupos que
deles participaram representam diferentes interesses. Mas parece inegável que
um dos objetivos do setor mais forte entre os golpistas (ligado ao imperialismo
estadunidense), foi tirar o Brasil de uma eventual rota do crescimento. O
Brasil vinha crescendo a taxas razoáveis, com importante (apesar de limitado),
processo de distribuição de renda. Estava tentando reconstituir sua indústria e
havia recentemente anunciado a maior descoberta de petróleo do milênio. Além
disso, o Brasil estava se aproximando dos maiores inimigos dos EUA, via BRICS.
Esta soma de fatores certamente levou os EUA a organizarem mais um golpe de
Estado no Brasil. Contando para isso, com o apoio interno do que há de pior no
país, em todos os sentidos, na política e no mundo empresarial.
*Economista. 04.01.21.
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