*José Álvaro de Lima Cardoso
Corriqueiramente matérias jornalísticas relatam
a queda dos valores das ações como se fosse o fim do mundo. Mas as coisas não
acontecem dessa forma. Não é a situação das bolsas de valores, que regra geral
concentram as grandes empresas, dos investimentos financeiros, que melhor
ilustram a situação da economia política. Especialmente considerando que apenas
pouco mais de 3 milhões de brasileiros são investidores da bolsa (não
representa 2% da população). É a garantia de uma vida razoável para a maioria
da população do pais o grande parâmetro de eficiência da política
econômica.
Um exemplo disso é que, mesmo com muitos
altos e baixos, a Bolsa brasileira fechou o ano de pandemia, no azul.
Em 2020, houve alta de 2,9%. Isso mostra que no Brasil a bolsa de valores,
que a mídia dá tanta importância, fechou no azul naquele que foi, seguramente,
um dos piores anos da história da economia brasileira. E um dos anos mais
terríveis para a população brasileira. Os maiores ganhos na bolsa foram
registrados nos Estados Unidos, com a Bolsa de tecnologia Nasdaq em uma
impressionante alta de 42%, e o índice S&P 500, que reúne as 500 maiores
empresas de capital aberto negociadas no mercado americano, com valorização de
15% no ano.
Mas o fato é que se houvesse uma conexão
da bolsa de valores com a economia real, as ações deveriam ter despencado em
milhares por cento, resultado direto do golpe de 2016. Afinal o Brasil está ingressando
no sétimo ano seguido de recessão ou estagnação, e a economia terminou de
afundar em 2020, com queda do PIB de, no mínimo, 4%.
O desmonte da economia brasileira decorrente
desse processo levou a que, em apenas 3 anos, a porcentagem da população
brasileira afetada pela insegurança alimentar moderada e aguda tenha aumentado
em 13%. Segundo o IBGE, em 2016, o número de pessoas que ingeriam
menos calorias do que o necessário para uma vida saudável era de 37,5 milhões
no Brasil, número que subiu para 43,1 milhões em 2019. Ou seja, o Brasil
tem mais de 20% de sua população em insegurança alimentar (sendo o segundo
maior produtor agrícola do mundo). Segundo a mesma pesquisa, a insegurança alimentar grave, em que as
pessoas relatam que estão passando fome, atingiu 4,6% dos domicílios
brasileiros, o equivalente a 3,1 milhões de lares, em 2017-2018. Esse
percentual significa que 10,3 milhões de pessoas residem em casas que estão nessa
situação.
O detalhe tenebroso é que essas informações
registram um período anterior à pandemia. A partir deste mês de janeiro já não
tem mais Auxílio Emergencial e, portanto, cerca de 60 milhões de brasileiros
ficarão sem nenhuma renda. Nem 600 nem 300, nada de auxílio num contexto no
qual a taxa de desemprego explodiu.
O número de famílias em extrema pobreza
cadastradas no CadÚnico (Cadastro Único para programas sociais do governo
federal) superou a casa de 14 milhões e alcançou o maior número desde o final
de 2014. Segundo dados do Ministério da Cidadania, esse total de famílias
equivale a cerca de 39,9 milhões de pessoas na miséria no Brasil. São
consideradas famílias de baixa renda aquelas que têm renda de até R$ 89 por
pessoa (renda per capita).
Para
essa que é uma verdadeira bomba relógio, atuam simultaneamente: a) políticas do
golpe de 2016; b) crise econômica mundial; c) pandemia. De parte do governo não há um plano, uma
estratégia, para enfrentar uma crise dessa magnitude. Pode ser que tirem um
coelho da cartola. Mas até o momento não se vê nada sendo providenciado. Me
refiro, claro, a uma estratégia de política econômica, para o enfrentamento da
fome e do desemprego, e não da estratégia de repressão, caso haja reação (essa
certamente já está montada).
Como se observa nos países onde ocorreu o golpe, sempre com adaptações
às condições locais, o imperialismo não tem outra proposta para enfrentar
a crise mundial de sobreprodução, fora a receita neoliberal, que vem sendo
aplicada deste o início da década de 1980. Privatizações, destruição de forças
produtivas e liquidação dos direitos. O ataque aos direitos dos países
subdesenvolvidos, assim como as suas riquezas, visa aumentar a transferência de
riqueza da periferia para o centro capitalista, para enfrentar a maior crise da
história do sistema.
O tipo de formulação acima pode soar um
pouco abstrata. Por isso, é bom se fixar no exemplo concreto da Eletrobrás, empresa
que o governo ultra entreguista de Bolsonaro quer despachar:
1.Empresa gerou R$
30 bilhões de lucro líquido, de 2018 até o 2º trimestre de 2020;
2. As empresas que
comprarem a Eletrobrás não construirão nada e nem deverão contratar ninguém.
Pelo contrário, pegarão o patrimônio enxuto e com investimentos feitos
anteriormente como sempre ocorre nas privatizações;
3.Na conversão de
empresa estatal para privada, o aumento automático da tarifa entra limpo no seu
caixa, puro lucro;
4. Possui entre
suas 47 hidrelétricas as melhores geradoras de energia do país, incluindo as de
Tucuruí e as da Bacia do São Francisco. Domina 31% do setor elétrico brasileiro
e possui 71.000 Km de linhas de transmissão de energia, o que corresponde à
praticamente a metade da extensão dessa rede em nosso país;
5. Atua nos
segmentos de geração e transmissão, mas não tem distribuidoras. Tudo o que
produz é para ser vendido a quem vai colocar a energia dentro das casas das
pessoas e cobrar por esse serviço;
6. O governo pretende
realizar a privatização da Eletrobrás após uma série de investimentos públicos
no setor. Provavelmente, muitos dos investimentos que foram feitos em estações
e linhas vão aparecer pós-privatização como se fosse uma grande obra do setor
privado;
As políticas neoliberais não servem para
fazer a economia funcionar, mas o imperialismo não tem outra política que a substitua.
Por isso todas as manobras políticas, os golpes de Estado, o apoio a extrema
direita (como no Brasil em 2018 na fraude eleitoral que elegeu Bolsonaro),
visam aprofundar as políticas neoliberais.
É claro que o PIB não irá crescer com o
aumento do número de pessoas que passam fome, e com a entrega das riquezas
nacionais, o mais rápido que podem, para os capitais estrangeiros, a preços de
banana. Está na mira das privatizações o Sistema Eletrobrás, Petrobrás,
Correios, Banco do Brasil, CEF. Além das
privatizações significarem demissões, muitas vezes em massa, suas estratégias
serão colocadas a serviço de interesses dos seus compradores, regra geral,
grandes multinacionais.
Não nos enganemos. É fundamental saber que
as privatizações, assim como o conjunto do programa de guerra contra o povo não
é só de Bolsonaro. Este programa é ainda mais típico da direita tradicional
formado pelos políticos que agora posam de defensores da “democracia” contra o
“fascismo”. Estes são os golpistas de 2016, os fraudadores de 2018, e os que
querem arrancar o couro da população através de uma política econômica a
serviço do sistema financeiro internacional.
Com esse conjunto de políticas, que
representa um verdadeiro lança- chamas sobre a população trabalhadora, o país
só conseguiria crescer se houvesse uma conjuntura internacional muito
específica, na qual o mundo crescesse a taxas vigorosas e estivesse ingressando
na economia brasileira generosas somas de capital internacional para
investimentos. Impressiona o nível de
instabilidade nos mercados financeiros, de ações e de câmbio, mundo afora,
durante boa parte de todo o ano passado. A tremenda instabilidade nos mercados
é a manifestação da doença, uma espécie de febre, que alerta para o estado da
infecção. A doença mesmo, o fundamento de toda a turbulência é a própria crise
do capitalismo.
Não são as constantes asneiras ditas por
Bolsonaro que fazem os capitais estrangeiros sair em nível recorde do país e
sim a instabilidade que uma política de guerra contra a população pode trazer.
Tudo indica que a crise que temos assistido ao nível mundial seja apenas o
começo de um processo que tende a ser cada vez mais dramático. Há uma propensão
da crise se desenvolver em forma de espiral, ou seja, realizar estragos cada
vez mais profundos e abrangentes. A crise é estrutural e está relacionada com
os fundamentos do sistema capitalista ao nível internacional. É claro que um
governo ilegítimo, inepto e entreguista, fruto de um golpe de Estado, torna as
coisas ainda mais difíceis.
*Economista. 09.01.21
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