sábado, 9 de janeiro de 2021

A bomba-relógio na economia brasileira

 

                                                                             *José Álvaro de Lima Cardoso

 

     Corriqueiramente matérias jornalísticas relatam a queda dos valores das ações como se fosse o fim do mundo. Mas as coisas não acontecem dessa forma. Não é a situação das bolsas de valores, que regra geral concentram as grandes empresas, dos investimentos financeiros, que melhor ilustram a situação da economia política. Especialmente considerando que apenas pouco mais de 3 milhões de brasileiros são investidores da bolsa (não representa 2% da população). É a garantia de uma vida razoável para a maioria da população do pais o grande parâmetro de eficiência da política econômica. 

     Um exemplo disso é que, mesmo com muitos altos e baixos, a Bolsa brasileira fechou o ano de pandemia, no azul. Em 2020, houve alta de 2,9%. Isso mostra que no Brasil a bolsa de valores, que a mídia dá tanta importância, fechou no azul naquele que foi, seguramente, um dos piores anos da história da economia brasileira. E um dos anos mais terríveis para a população brasileira. Os maiores ganhos na bolsa foram registrados nos Estados Unidos, com a Bolsa de tecnologia Nasdaq em uma impressionante alta de 42%, e o índice S&P 500, que reúne as 500 maiores empresas de capital aberto negociadas no mercado americano, com valorização de 15% no ano.

     Mas o fato é que se houvesse uma conexão da bolsa de valores com a economia real, as ações deveriam ter despencado em milhares por cento, resultado direto do golpe de 2016. Afinal o Brasil está ingressando no sétimo ano seguido de recessão ou estagnação, e a economia terminou de afundar em 2020, com queda do PIB de, no mínimo, 4%.  

     O desmonte da economia brasileira decorrente desse processo levou a que, em apenas 3 anos, a porcentagem da população brasileira afetada pela insegurança alimentar moderada e aguda tenha aumentado em 13%. Segundo o IBGE, em 2016, o número de pessoas que ingeriam menos calorias do que o necessário para uma vida saudável era de 37,5 milhões no Brasil, número que subiu para 43,1 milhões em 2019. Ou seja, o Brasil tem mais de 20% de sua população em insegurança alimentar (sendo o segundo maior produtor agrícola do mundo). Segundo a mesma pesquisa, a insegurança alimentar grave, em que as pessoas relatam que estão passando fome, atingiu 4,6% dos domicílios brasileiros, o equivalente a 3,1 milhões de lares, em 2017-2018. Esse percentual significa que 10,3 milhões de pessoas residem em casas que estão nessa situação.

     O detalhe tenebroso é que essas informações registram um período anterior à pandemia. A partir deste mês de janeiro já não tem mais Auxílio Emergencial e, portanto, cerca de 60 milhões de brasileiros ficarão sem nenhuma renda. Nem 600 nem 300, nada de auxílio num contexto no qual a taxa de desemprego explodiu.  

      O número de famílias em extrema pobreza cadastradas no CadÚnico (Cadastro Único para programas sociais do governo federal) superou a casa de 14 milhões e alcançou o maior número desde o final de 2014. Segundo dados do Ministério da Cidadania, esse total de famílias equivale a cerca de 39,9 milhões de pessoas na miséria no Brasil. São consideradas famílias de baixa renda aquelas que têm renda de até R$ 89 por pessoa (renda per capita).

     Para essa que é uma verdadeira bomba relógio, atuam simultaneamente: a) políticas do golpe de 2016; b) crise econômica mundial; c) pandemia.  De parte do governo não há um plano, uma estratégia, para enfrentar uma crise dessa magnitude. Pode ser que tirem um coelho da cartola. Mas até o momento não se vê nada sendo providenciado. Me refiro, claro, a uma estratégia de política econômica, para o enfrentamento da fome e do desemprego, e não da estratégia de repressão, caso haja reação (essa certamente já está montada).

     Como se observa nos países onde ocorreu o golpe, sempre com adaptações às condições locais, o imperialismo não tem outra proposta para enfrentar a crise mundial de sobreprodução, fora a receita neoliberal, que vem sendo aplicada deste o início da década de 1980. Privatizações, destruição de forças produtivas e liquidação dos direitos. O ataque aos direitos dos países subdesenvolvidos, assim como as suas riquezas, visa aumentar a transferência de riqueza da periferia para o centro capitalista, para enfrentar a maior crise da história do sistema.

     O tipo de formulação acima pode soar um pouco abstrata. Por isso, é bom se fixar no exemplo concreto da Eletrobrás, empresa que o governo ultra entreguista de Bolsonaro quer despachar:

1.Empresa gerou R$ 30 bilhões de lucro líquido, de 2018 até o 2º trimestre de 2020;

2. As empresas que comprarem a Eletrobrás não construirão nada e nem deverão contratar ninguém. Pelo contrário, pegarão o patrimônio enxuto e com investimentos feitos anteriormente como sempre ocorre nas privatizações;

3.Na conversão de empresa estatal para privada, o aumento automático da tarifa entra limpo no seu caixa, puro lucro;

4. Possui entre suas 47 hidrelétricas as melhores geradoras de energia do país, incluindo as de Tucuruí e as da Bacia do São Francisco. Domina 31% do setor elétrico brasileiro e possui 71.000 Km de linhas de transmissão de energia, o que corresponde à praticamente a metade da extensão dessa rede em nosso país;

5. Atua nos segmentos de geração e transmissão, mas não tem distribuidoras. Tudo o que produz é para ser vendido a quem vai colocar a energia dentro das casas das pessoas e cobrar por esse serviço;

6. O governo pretende realizar a privatização da Eletrobrás após uma série de investimentos públicos no setor. Provavelmente, muitos dos investimentos que foram feitos em estações e linhas vão aparecer pós-privatização como se fosse uma grande obra do setor privado;

     As políticas neoliberais não servem para fazer a economia funcionar, mas o imperialismo não tem outra política que a substitua. Por isso todas as manobras políticas, os golpes de Estado, o apoio a extrema direita (como no Brasil em 2018 na fraude eleitoral que elegeu Bolsonaro), visam aprofundar as políticas neoliberais.

     É claro que o PIB não irá crescer com o aumento do número de pessoas que passam fome, e com a entrega das riquezas nacionais, o mais rápido que podem, para os capitais estrangeiros, a preços de banana. Está na mira das privatizações o Sistema Eletrobrás, Petrobrás, Correios, Banco do Brasil, CEF.  Além das privatizações significarem demissões, muitas vezes em massa, suas estratégias serão colocadas a serviço de interesses dos seus compradores, regra geral, grandes multinacionais.

     Não nos enganemos. É fundamental saber que as privatizações, assim como o conjunto do programa de guerra contra o povo não é só de Bolsonaro. Este programa é ainda mais típico da direita tradicional formado pelos políticos que agora posam de defensores da “democracia” contra o “fascismo”. Estes são os golpistas de 2016, os fraudadores de 2018, e os que querem arrancar o couro da população através de uma política econômica a serviço do sistema financeiro internacional.    

     Com esse conjunto de políticas, que representa um verdadeiro lança- chamas sobre a população trabalhadora, o país só conseguiria crescer se houvesse uma conjuntura internacional muito específica, na qual o mundo crescesse a taxas vigorosas e estivesse ingressando na economia brasileira generosas somas de capital internacional para investimentos. Impressiona o nível de instabilidade nos mercados financeiros, de ações e de câmbio, mundo afora, durante boa parte de todo o ano passado. A tremenda instabilidade nos mercados é a manifestação da doença, uma espécie de febre, que alerta para o estado da infecção. A doença mesmo, o fundamento de toda a turbulência é a própria crise do capitalismo.

     Não são as constantes asneiras ditas por Bolsonaro que fazem os capitais estrangeiros sair em nível recorde do país e sim a instabilidade que uma política de guerra contra a população pode trazer. Tudo indica que a crise que temos assistido ao nível mundial seja apenas o começo de um processo que tende a ser cada vez mais dramático. Há uma propensão da crise se desenvolver em forma de espiral, ou seja, realizar estragos cada vez mais profundos e abrangentes. A crise é estrutural e está relacionada com os fundamentos do sistema capitalista ao nível internacional. É claro que um governo ilegítimo, inepto e entreguista, fruto de um golpe de Estado, torna as coisas ainda mais difíceis.

 

                                                                                             *Economista. 09.01.21

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário