*José
Álvaro de Lima Cardoso
Recentemente a montadora Ford anunciou que
encerrará a produção de veículos no Brasil em 2021. Apenas o Centro de
Desenvolvimento de Produto, na Bahia, o Campo de Provas e sua sede regional, ambos
em São Paulo, permanecerão funcionando. A decisão deve implicar no fechamento
de cerca de 5.000 postos de trabalho. Uma segunda notícia importante para a
análise da economia brasileira foi a de que o Banco do Brasil irá fechar no
país 361 unidades, sendo 112 agências, 7 escritórios e 242 postos de
atendimento. Ao mesmo tempo o banco lançou dois planos de “demissão
voluntária”, com estimativa de desligamento de 5 mil trabalhadores da ativa. Segundo
o BB, o fechamento das unidades vai resultar em uma redução de gastos de R$ 353
milhões neste ano e R$ 2,7 bilhões até 2025.
São notícias que traduzem o clima do
Brasil nesses tempos de fúria e que dão o tom de uma análise de cenários para
2021. As duas informações sintetizam elementos muito atuais como: desmonte do
Estado, desemprego e precarização, desemprego industrial, desindustrialização,
aumento da exploração dos trabalhadores, desmonte das estatais, privatização,
reprimarização da pauta exportadora. Bolsonaro e Paulo Guedes praticamente
aplaudiram o anúncio da Ford. Além de não atribuírem nenhuma importância à
indústria, o emprego numa montadora é a antítese do que os dois membros do
governo imaginam em termos de mercado de trabalho. No seu imaginário o emprego deve
ter salário miserável, informal, de baixa qualidade.
Emprego industrial depende de projeto
estratégico de futuro. Produção e competividade industrial pressupõem um mínimo
de soberania e não uma perspectiva subalterna no cenário internacional, que é o
que o governo busca, na prática. Não tenhamos dúvidas: o fechamento de unidades
do BB e o desligamento de funcionários, faz parte do ajuste do banco para a
privatização. Se o governo irá conseguir privatizar no curto prazo, é outra
história. Mas é evidente que as ações anunciadas no dia 11 visam preparar a
empresa para entregar de bandeja ao setor privado. Os grandes grupos que detém
condições para adquirir empresas públicas querem uma estrutura enxuta, com menos
empregados, e elevado nível de exploração dos trabalhadores.
Os dados do Ministério da Economia mostram
que, em dois anos de governo, Bolsonaro vendeu nove estatais enquanto que,
entre 2017 e 2018, Temer (outro funcionário do imperialismo) conseguiu passar
adiante 19. Para 2021, estão previstas nove privatizações, com destaque para Correios
e Eletrobras. Para alívio dos brasileiros, por várias razões, nos dois
primeiros anos o governo não conseguiu avançar significativamente na agenda das
privatizações. As dificuldades do
governo ficaram bem evidentes no processo do BB. A proposta do Banco do Brasil
de fechar 112 agências e desligar 5 mil funcionários abriu uma crise no governo
e levou Bolsonaro a demitir o presidente do banco, pelo desgaste provocado com
o anúncio, num momento delicado, em que cresce rapidamente a repugnância ao
presidente ilegítimo.
A taxa de desocupação do país no
3° trimestre de 2020 foi de 14,6%, a mais alta da série histórica
iniciada em 2012. O contingente de ocupados reduziu para 82,5 milhões de
pessoas, e o nível de ocupação foi de 47,1%. O número de pessoas com carteira
assinada caiu 2,6% no terceiro trimestre frente ao anterior, com perda de 790
mil postos. A taxa de informalidade, de 38,4%, representa 31,6 milhões de
pessoas. Para reduzir pelo menos um pouco a taxa de desemprego e absorver a juventude
que ingressa no mercado o país precisaria gerar muito milhões de empregos neste
ano.
Em novembro de 2020, segundo o IBGE, a
produção industrial aumentou 1,2%, e frente ao mesmo período do ano anterior, novembro
expandiu 2,8%. Porém, no acumulado jan/nov a perda da produção industrial é de -5,5%.
A categoria Bens Intermediários, que
forma o núcleo do sistema industrial, está a dois meses praticamente estagnada.
Bens intermediários são bens manufaturados ou matérias-primas empregados na
produção de outros bens intermediários ou de produtos finais. Por exemplo,
bobina de aço, que é produzida pelas siderúrgicas, que é considerada
um bem intermediário na fabricação de um automóvel. Já há notícias de
falta de muitos insumos que este macrossetor produz. Conforme a Confederação Nacional
da Indústria (CNI), os níveis de estoque estão reduzidos em 93% na maioria dos
ramos industriais, o que traz riscos de ruptura nas cadeias de fornecimento,
podendo levar a pressões de custos.
Com o fim da Renda Emergencial, com a
evolução do desemprego e o conjunto de trapalhadas na vacinação da população contra
a Covid-19, a situação da indústria pode se agravar de forma inusitada. O que
pode garantir a industrialização de um país é a solidez do
mercado de massas, ou seja, da capacidade da população consumir, articuladas
com políticas tecnológicas e de inovação. A partir do golpe, o mercado interno
vem sendo sistematicamente destruído pelo desemprego, empobrecimento da
população, precarização do trabalho, aprofundamento da desindustrialização,
etc. Todo esse processo, que foi amplamente aprofundado com Bolsonaro, afeta
diretamente a produção industrial interna.
Não existe investimentos em inovação sem
firme e proativa coordenação estatal. Desde 2016, a partir do golpe que alçou
Temer à presidência, o orçamento de Ciência e Tecnologia, tão fundamental para
a indústria e para o país, foi simplesmente liquidado. É uma firme determinação
dos golpistas impedir que o Brasil invista em ciência e tecnologia. Afinal, neocolônia
não precisa nem de ciência e nem de indústria. Segundo o Boletim da Associação
dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET), no ranking de complexidade econômica nas
exportações, depois do Brasil ter ocupado a 25ª posição em 1995, os dados mais
recentes, de 2018, mostram que o país está na 49º posição.
As previsões para o PIB em 2021 estão
estimadas em torno dos 3%, percentual que está muito assentado num resultado em
boa parte estatístico, ou seja, no fato de que, em 2020, a economia afundou. O
número definitivo ainda não está calculado, mas sabe-se que a retração do PIB no
ano passado foi de, pelo menos, 4,5%.
O
desmonte da economia brasileira, causado pelo golpe, levou a que em apenas 3
anos, a porcentagem da população afetada pela insegurança
alimentar moderada e aguda tenha aumentado em 13%. Segundo o IBGE, em
2016, o número de pessoas que ingeriam menos calorias do que o
necessário para uma vida saudável era de 37,5 milhões no Brasil, e saltou
para 43,1 milhões em 2019. Ou seja, o Brasil tem mais de 20% de sua
população em insegurança alimentar (mesmo sendo o país o segundo maior produtor
agrícola do mundo). A insegurança alimentar grave, em que as pessoas relataram
chegar a passar fome, atingiu 4,6% dos domicílios brasileiros, o equivalente a
3,1 milhões de lares, em 2017-2018. Esse percentual significa que 10,3 milhões
de pessoas residem em domicílios nessa situação. É um número impressionante,
equivalente à 3 vezes a população do vizinho Uruguai.
O detalhe
é que essas informações de aumento da insegurança alimentar são relativas a um
período anterior a 2020, ou seja, de antes da pandemia. Estamos em janeiro de
2021, no qual o Auxílio Emergencial acabou e, portanto, mais de 60 milhões de
brasileiros estão sem aquela renda. Ou seja, nenhum auxílio, num contexto no
qual a taxa de desemprego explodiu.
O
número de famílias em extrema pobreza cadastradas no CadÚnico (Cadastro Único
para programas sociais do governo federal) superou a casa de 14 milhões e
alcançou o maior número desde o final de 2014. Segundo dados do Ministério da
Cidadania, esse total de famílias equivale a cerca de 39,9 milhões de pessoas
na miséria no Brasil. São consideradas famílias de baixa renda aquelas que têm
renda de até R$ 89 por pessoa (renda per capita). Aqui não estamos tratando de
pobres, mas de miseráveis.
Nessa bomba-relógio, atuam
simultaneamente: a) políticas do golpe; b) crise econômica mundial; c) efeitos
da pandemia, na vigência do pior governo da história. Uma retomada da miséria
nessa velocidade é efeito direto do golpe de 2016, combinado com a crise
econômica estrutural. De parte do governo não se vê um plano, uma estratégia,
para enfrentar crise dessa magnitude. Pode ser que tirem um coelho da cartola.
Mas até o momento não se vê nada sendo providenciado. Me refiro aqui à estratégia
de política econômica, não da estratégia de repressão, para eventuais revoltas
da população. Esta, certamente as forças armadas e auxiliares já têm montada.
*Economista 18.01.21.
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