*José Álvaro de Lima Cardoso
Já há muitas décadas existe no Brasil (e
no mundo) uma campanha contra o serviço público, desdobrada em combate permanente
às estatais e as estruturas públicas, de uma forma geral. Essa campanha é
especialmente dura contra o funcionalismo público. A onda neoliberal que começou
a varrer o mundo a partir dos anos de1980, rebaixou o Estado em geral à
condição de culpado de todos os males do mundo. Essa onda praticamente começou,
mais fortemente, em 1979 com a assunção de Margareth Thatcher no governo do
Reino Unidos e se reforçou com a eleição de Ronald Reagan nos EUA, em 1981. As
primeiras eleições pós ditadura no Brasil, em 1989, já tiveram como uma das suas
tônicas principais a demonização do Estado e do funcionalismo público. Para
tanto, a burguesia brasileira construiu em alguns meses, um “caçador de marajás”
que iria salvar o Brasil de todo o mal, Fernando Collor de Mello.
Com o golpe de Estado no Brasil em 2016,
coordenado pelos EUA, em conluio com conspiradores internos, somado à fraude
eleitoral de 2018, que alçou a extrema direita ao núcleo do poder, os ataques
ao setor público no Brasil foram elevados à décima potência. O governo
Bolsonaro trata todos os trabalhadores como inimigos. Mas, dentro da classe
trabalhadora o funcionalismo público é o inimigo principal. Esse sentimento
pode ser ilustrado pela linguagem metafórica que Paulo Guedes utilizou na
fatídica reunião ministerial de 22 de abril, quando se referiu à proposta de
suspender por dois anos os reajustes salariais de servidores públicos: “já
colocamos a granada no bolso do inimigo”. Essa pérola pode ser apreciada em
vídeo disponível na internet.
A grande imprensa em geral desenvolve,
historicamente, uma campanha diuturna contra o funcionalismo público e para
isso, se utiliza de todos os instrumentos. Esse ataque é tão sistemático, que
influencia fortemente, inclusive, alguns sindicatos do setor privado e suas respectivas
bases. Imaginem um entregador de comida por aplicativos, que precisa trabalhar
10 horas diárias para apurar uma renda mensal de R$ 1.500,00, (seco, sem
carteira assinada e sem benefícios), assistir na TV que o auxílio-moradia de um
juiz (R$ 4. 4.377,73) equivale a três meses de salário dele. A tendência é este
trabalhador supor que esta é a condição do servidor público, em geral. Na cabeça desse trabalhador, tal distorção
explicaria, inclusive, a razão do teu salário ser tão baixo. A matéria da TV ou do rádio, ou não mencionam,
ou esse trabalhador hipotético não pararia para escutar, que metade dos
servidores no Brasil ganha menos de R$ 2,7 mil por mês, brutos (ou seja, antes
dos descontos).
Os ataques sofridos pelo setor público ocorrem
em várias frentes: mentiras e distorções disseminadas à vontade, tentativa de privatização
de tudo que é público, venda de ativos das empresas públicas a preço de banana,
destruição dos direitos do funcionalismo, e assim por diante. Esta campanha
contra o setor público, que inclusive faz parte de uma articulação internacional,
visa colocar o Estado exclusivamente ao serviço dos ricos. Por uma série de
fatores, sabe-se que os servidores públicos no Brasil detêm uma boa capacidade
de organização e mobilização, o que significa também uma razoável condição de
oposição aos privatistas de uma forma geral. Por isso querem destruir as
organizações sindicais em geral, mas especialmente as estruturas sindicais que
organizam as lutas dos trabalhadores do setor público.
No Brasil o ataque aos servidores
públicos está ligado também à pressão para que saiam do isolamento social
decorrente da pandemia, já que essa é a orientação da burguesia no mundo todo.
Os EUA e o Brasil são o epicentro da doença no mundo, com cerca de 40% dos doentes e 36% das mortes no conjunto do globo,
somados. E a orientação do Capital no mundo todo é “primeiro
os lucros, depois as vidas”! Os bocas-alugadas do capital, em todo o Brasil,
têm se mostrado muito irritados com a minoria de trabalhadores públicos que
ainda está conseguindo se proteger da doença através do isolamento social.
Seguem as ordens de seus patrões, que querem que os trabalhadores assumam os
seus postos, ignorando os riscos de contaminação. Como os donos do dinheiro, e
muitos dos seus porta-vozes, não trabalham mesmo, fica fácil mandar os outros assumirem
seus postos.
O setor privado no Brasil, na prática, já
saiu do isolamento social, assim como uma parcela expressiva também do setor
público. A pressão é para que o setor público saia também totalmente do
isolamento, independentemente do risco que isso signifique para os servidores e
seus familiares. Existe, por exemplo, uma campanha contra os professores, que estão
sendo acusados de “ganhar em casa sem trabalhar”, de ficar fazendo uma “boquinha”
em casa com salários garantidos, e assim por diante. Evidentemente o objetivo é
jogar a população contra os servidores, como se estes fossem culpados pelo
isolamento social decorrente da covid-19.
Os bocas-alugadas do capital, os políticos
de partidos de direita, e os grandes empresários, que puxam a campanha para os
servidores saírem do isolamento, obviamente estão bem protegidos da doença. Trabalham
em casa, contando com todas as condições possíveis de resguardo. Quem sofre os
ataques são justamente os servidores públicos, que estão na linha de frente do
combate à Covid-19, lutando contra o vírus, a falta de condições de trabalho e
em constante risco de contaminação. São trabalhadores que estão na linha de
frente da guerra à doença. Muitos deles, inclusive, sacrificando a própria vida.
*Economista 20.08.20
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