sexta-feira, 24 de julho de 2020

A grande cilada das privatizações



                                                                                      *José Álvaro de Lima Cardoso
      Mesmo com a pandemia, e com o país enfiado na maior crise econômica da sua história, a agenda das privatizações continua sendo encaminhada pelo governo. Com a queda dos lucros decorrente da pandemia, alguns setores do grande empresariado (especialmente multinacional) estão babando, inclusive, com a possibilidade de comprar barato, empresas públicas estratégicas, “fazendo” assim dinheiro, rapidamente.
     A experiência das políticas de privatização, no Brasil e no mundo, mostra que um dos maiores obstáculos para a venda de setores estratégicos da economia, são os trabalhadores organizados. É fácil de entender porque isso acontece. Os processos de privatizações, são, essencialmente, uma grande empulhação da maioria da população. A esmagadora maioria da população é enganada, como assistimos nas privatizações realizadas pelo governo Fernando Henrique Cardoso (FHC). Aquele governo gastou uma fábula de dinheiro público para fazer propaganda contra as estatais e enganar o povo de todas as maneiras possíveis. Quem mais resistiu e (perdeu) naquele processo foram os trabalhadores organizados, porque a maioria da população, manipulada pela grande mídia, nem sabia direito o que estava acontecendo.  
     Tem alguns que afirmam que a luta sindical é inútil. Mas o fato é que se não fossem os trabalhadores organizados, na década de 1990 até a Petrobrás teria sido vendida na “bacia das almas”. O governo FHC chegou a mudar o nome da empresa para PetroBrax, visando facilitar a venda internacionalmente. Segundo o governo, o nome Petrobrás era associado com a “ineficiência das estatais”. Com a população anestesiada, a empresa só não foi vendida, graças à resistência histórica dos petroleiros organizados em sindicatos.
      No programa de guerra contra o povo, encaminhado por este governo, as privatizações são um dos eixos centrais. Apesar das persistentes incertezas e da manjada falta de transparência do processo, a agenda de privatizações e concessões avançou em 2019 e foi até ampliada neste ano. A pandemia obrigou o governo a desacelerar o processo, mas seus representantes têm dito que é só um adiamento e que em 2021 a privatização vem com tudo. O secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia, Salim Mattar, já anunciou que pretendem retomar o programa com intensidade a partir do próximo ano, com meta ambiciosa. 
     A meta de arrecadação do governo com a privatização, para este ano, era de R$ 150 bilhões. Segundo o secretário de Desestatização, até abril o governo obteve R$ 29,5 bilhões com venda de ativos. Desse total, R$ 22,5 bilhões referem-se à venda de participações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) na Petrobras e na Light. No dia 05 de julho último, Paulo Guedes, ministro da economia, afirmou que vai anunciar quatro grandes privatizações em até 90 dias. Guedes repetiu que se pudesse, “privatizaria tudo” e que está incomodado pelo governo estar atrasado no processo de privatizações. O fato é que, em um ano e meio de governo Bolsonaro, as privatizações não engataram no ritmo esperado e foram concentradas em subsidiárias das estatais, além de concessões de serviços, como aeroportos e estradas.
     Cabe lembrar que Bolsonaro está no poder em decorrência do golpe de 2016, ele é fruto daquele golpe. E o golpe de 2016, que tem como principal coordenador o governo dos EUA, tem também como um dos seus objetivos centrais, abrir oportunidades de excelentes negócios para um capitalismo mundialmente em crise. Ou seja, ao contrário do que se possa pensar, as privatizações são, essencialmente, um mecanismo de solução dos problemas do capital internacional e não da população do pais.
    A pauta das privatizações, ao contrário da destruição de direitos dos trabalhadores não unifica a burguesia. Vejam que quem criou as estatais não foram os trabalhadores. Foram governos da burguesia que sabiam que elas ocupam papel importante na estabilidade macroeconômica e na garantia de serviços em setores estratégicos, em qualquer país. A privatização de certas áreas da economia não interessa ao empresariado nacional. Por exemplo, se depender do governo a Eletrobrás será privatizada no curtíssimo prazo.  Ora se o capital privado assume 100% da produção e fornecimento de energia no país, a tendência quase inevitável é aumentar o preço da energia elétrica. Isso não interessa à indústria e mesmo ao capital nacional como um todo. Ademais, normalmente quem tem café no bule para comprar as estatais é o capital internacional, ou seja, o grosso dos capitalistas nacionais não irá faturar com a mamata das privatizações.
     O processo de privatizações do governo FHC ficou conhecido como “privataria”, porque foi um verdadeiro assalto ao patrimônio público brasileiro.  O governo FHC entregou de bandeja, aos grandes tubarões, ativos fundamentais pertencentes ao povo brasileiro. Aquele governo ainda tinha interesse em manter um verniz de democrata, ou nacionalista. Já a turma que está hoje no poder, e que está encaminhando o atual processo de privatização, é formada de verdadeiro lacaios do imperialismo e do capital financeiro internacional. E que não esconde isso, chegando ao ponto de se orgulhar de ser entreguista. Portanto, as condições das privatizações do governo Bolsonaro tendem a ser ainda piores para os interesses da população brasileira.
     Existe uma forte correlação entre privatização e desnacionalização. Normalmente quem dispõe de recursos para adquirir as empresas públicas, são as grandes empresas imperialistas, com sedes nos governos centrais. Aqui no Brasil quem ainda pode adquirir as estatais são os bancos, que continuam ganhando muito dinheiro. A desnacionalização da economia apresenta inúmeros riscos: setores estratégicos caem nas mãos de estrangeiros (água e luz, por exemplo), aumenta a remessa de lucros (desequilíbrio no balanço de pagamentos), as empresas são assumidas por grupos que estão interessados exclusivamente em lucros imediatos, etc.
     Um dos argumentos corriqueiros é que é as privatizações são fundamentais para aumentar o nível de investimentos no país. Esse argumento, que é clássico, é cretino. O “financiamento” que vem para o país em tempos de privatização objetiva comprar empresas à preço de bananas. Ao se referir aos investimentos diretos que ingressaram no país em 2019, uma empresa de consultoria norte-americana A.T. Kearney, afirma: “Entre os fatores que impulsionaram o sentimento de investimento estão a aprovação da reforma da previdência e os esforços do governo para ampliar as privatizações, o que devem estimular o crescimento da economia". Este argumento é de um cinismo sem limites e serve somente para convencer idiotas. Nos governos anteriores ao golpe de 2016, nos quais não havia destruição da previdência e nem programas de privatizações, o Brasil era quase sempre o terceiro país do mundo que mais atraía capitais externos, atrás de EUA e China.
      O governo Bolsonaro, segundo o Tribunal de Contas da União, gastou apenas R$ 11,4 bilhões, dos R$ 38,9 bilhões, da verba emergencial destinada ao combate da pandemia. Isso no instante em que o Brasil emplaca 2.231.871 de contaminados e 82.890 mortos (isso, registrados). Enquanto isso, pela Lei Orçamentária Anual – LOA/2020, estão previstos R$ 409,6 bilhões para o pagamento de “Juros/Encargos da Dívida Pública” neste ano. Quase meio trilhão de reais. Isso representa 1,1 bilhão de reais todo santo dia, somente este ano. Se transfere todo ano, bilhões e bilhões para algumas centenas de rentistas (que em boa parte nem moram no Brasil). Somente os gastos com os juros e encargos da dívida pública deste ano já totalizam um valor superior ao que o governo espera arrecadar com a torra de patrimônio púbico. E, praticamente, nem se fala nisso.  
                                                                                               *Economista 23.07.20.

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