*José Álvaro de Lima Cardoso
Mesmo
com a pandemia, e com o país enfiado na maior crise econômica da sua história,
a agenda das privatizações continua sendo encaminhada pelo governo. Com a queda
dos lucros decorrente da pandemia, alguns setores do grande empresariado
(especialmente multinacional) estão babando, inclusive, com a possibilidade de
comprar barato, empresas públicas estratégicas, “fazendo” assim dinheiro, rapidamente.
A
experiência das políticas de privatização, no Brasil e no mundo, mostra que um
dos maiores obstáculos para a venda de setores estratégicos da economia, são os
trabalhadores organizados. É fácil de entender porque isso acontece. Os
processos de privatizações, são, essencialmente, uma grande empulhação da
maioria da população. A esmagadora maioria da população é enganada, como assistimos
nas privatizações realizadas pelo governo Fernando Henrique Cardoso (FHC). Aquele
governo gastou uma fábula de dinheiro público para fazer propaganda contra as
estatais e enganar o povo de todas as maneiras possíveis. Quem mais resistiu e (perdeu)
naquele processo foram os trabalhadores organizados, porque a maioria da população,
manipulada pela grande mídia, nem sabia direito o que estava acontecendo.
Tem alguns
que afirmam que a luta sindical é inútil. Mas o fato é que se não fossem os
trabalhadores organizados, na década de 1990 até a Petrobrás teria sido vendida
na “bacia das almas”. O governo FHC chegou a mudar o nome da empresa para
PetroBrax, visando facilitar a venda internacionalmente. Segundo o governo, o
nome Petrobrás era associado com a “ineficiência das estatais”. Com a população
anestesiada, a empresa só não foi vendida, graças à resistência histórica dos
petroleiros organizados em sindicatos.
No programa de guerra contra o povo,
encaminhado por este governo, as privatizações são um dos eixos centrais. Apesar
das persistentes incertezas e da manjada falta de transparência do processo, a
agenda de privatizações e concessões avançou em 2019 e foi até ampliada neste
ano. A pandemia obrigou o governo a desacelerar o processo, mas seus
representantes têm dito que é só um adiamento e que em 2021 a privatização vem
com tudo. O secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados
do Ministério da Economia, Salim Mattar, já anunciou que pretendem retomar o
programa com intensidade a partir do próximo ano, com meta ambiciosa.
A meta de
arrecadação do governo com a privatização, para este ano, era de R$ 150 bilhões.
Segundo o secretário de Desestatização, até abril o governo obteve R$ 29,5 bilhões
com venda de ativos. Desse total, R$ 22,5 bilhões referem-se à venda de
participações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)
na Petrobras e na Light. No dia 05 de julho último, Paulo Guedes, ministro da
economia, afirmou que vai anunciar quatro grandes privatizações em até 90
dias. Guedes repetiu que se pudesse, “privatizaria tudo” e que está incomodado
pelo governo estar atrasado no processo de privatizações. O fato é que, em um ano
e meio de governo Bolsonaro, as privatizações não engataram no ritmo esperado e
foram concentradas em subsidiárias das estatais, além de concessões de
serviços, como aeroportos e estradas.
Cabe lembrar
que Bolsonaro está no poder em decorrência do golpe de 2016, ele é fruto daquele
golpe. E o golpe de 2016, que tem como principal coordenador o governo dos EUA,
tem também como um dos seus objetivos centrais, abrir oportunidades de excelentes
negócios para um capitalismo mundialmente em crise. Ou seja, ao contrário do
que se possa pensar, as privatizações são, essencialmente, um mecanismo de
solução dos problemas do capital internacional e não da população do pais.
A pauta
das privatizações, ao contrário da destruição de direitos dos trabalhadores não
unifica a burguesia. Vejam que quem criou as estatais não foram os
trabalhadores. Foram governos da burguesia que sabiam que elas ocupam papel
importante na estabilidade macroeconômica e na garantia de serviços em setores
estratégicos, em qualquer país. A privatização de certas áreas da economia não
interessa ao empresariado nacional. Por exemplo, se depender do governo a
Eletrobrás será privatizada no curtíssimo prazo. Ora se o capital privado assume 100% da
produção e fornecimento de energia no país, a tendência quase inevitável é
aumentar o preço da energia elétrica. Isso não interessa à indústria e mesmo ao
capital nacional como um todo. Ademais, normalmente quem tem café no bule para
comprar as estatais é o capital internacional, ou seja, o grosso dos
capitalistas nacionais não irá faturar com a mamata das privatizações.
O
processo de privatizações do governo FHC ficou conhecido como “privataria”,
porque foi um verdadeiro assalto ao patrimônio público brasileiro. O governo FHC entregou de bandeja, aos grandes
tubarões, ativos fundamentais pertencentes ao povo brasileiro. Aquele governo ainda
tinha interesse em manter um verniz de democrata, ou nacionalista. Já a turma que
está hoje no poder, e que está encaminhando o atual processo de privatização, é
formada de verdadeiro lacaios do imperialismo e do capital financeiro internacional.
E que não esconde isso, chegando ao ponto de se orgulhar de ser entreguista. Portanto,
as condições das privatizações do governo Bolsonaro tendem a ser ainda piores
para os interesses da população brasileira.
Existe uma forte correlação entre
privatização e desnacionalização. Normalmente quem dispõe de recursos para
adquirir as empresas públicas, são as grandes empresas imperialistas, com sedes
nos governos centrais. Aqui no Brasil quem ainda pode adquirir as estatais são
os bancos, que continuam ganhando muito dinheiro. A desnacionalização da
economia apresenta inúmeros riscos: setores estratégicos caem nas mãos de
estrangeiros (água e luz, por exemplo), aumenta a remessa de lucros
(desequilíbrio no balanço de pagamentos), as empresas são assumidas por grupos
que estão interessados exclusivamente em lucros imediatos, etc.
Um dos
argumentos corriqueiros é que é as privatizações são fundamentais para aumentar
o nível de investimentos no país. Esse argumento, que é clássico, é cretino. O
“financiamento” que vem para o país em tempos de privatização objetiva comprar
empresas à preço de bananas. Ao se referir aos investimentos diretos que
ingressaram no país em 2019, uma empresa de consultoria norte-americana A.T.
Kearney, afirma: “Entre os fatores que impulsionaram o sentimento de
investimento estão a aprovação da reforma da previdência e os esforços do
governo para ampliar as privatizações, o que devem estimular o crescimento da
economia". Este argumento é de um cinismo sem limites e serve somente para
convencer idiotas. Nos governos anteriores ao golpe de 2016, nos quais não
havia destruição da previdência e nem programas de privatizações, o Brasil era quase
sempre o terceiro país do mundo que mais atraía capitais externos, atrás de EUA
e China.
O
governo Bolsonaro, segundo o Tribunal de Contas da União, gastou apenas R$ 11,4
bilhões, dos R$ 38,9 bilhões, da verba emergencial destinada ao combate da
pandemia. Isso no instante em que o Brasil emplaca 2.231.871 de contaminados e 82.890
mortos (isso, registrados). Enquanto isso, pela Lei Orçamentária Anual –
LOA/2020, estão previstos R$ 409,6 bilhões para o pagamento de “Juros/Encargos
da Dívida Pública” neste ano. Quase meio trilhão de reais. Isso representa 1,1
bilhão de reais todo santo dia, somente este ano. Se transfere todo ano,
bilhões e bilhões para algumas centenas de rentistas (que em boa parte nem
moram no Brasil). Somente os gastos com os juros e encargos da dívida pública
deste ano já totalizam um valor superior ao que o governo espera arrecadar com
a torra de patrimônio púbico. E, praticamente, nem se fala nisso.
*Economista 23.07.20.
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