*José Álvaro de Lima Cardoso
1. Ao mesmo tempo em que o Brasil cruza a
sua “tempestade perfeita” (com a maior crise política e econômica, e o pior governo
da sua história), vai também sofrendo os impactos da chamada 4ª Revolução
Industrial, em curso. Os efeitos redutores de emprego, observados em todas as
revoluções industriais, se somam à destruição da proteção legal aos
trabalhadores brasileiros, através de inúmeras medidas tomadas a partir do
golpe de 2016. Nunca o trabalhador brasileiro sofreu tantos ataques, ao mesmo
tempo;
2.A destruição dos direitos em escala
industrial, em meio a uma revolução tecnológica, contribui certamente para
acelerar o processo de aumento da desigualdade, verificado a partir de 2016 no
Brasil. Desde quando, em 1960, o IBGE passou a coletar informações sobre o
rendimento da população nos censos demográficos, nunca se havia observado um
crescimento tão elevado em tão pouco tempo de todos os indicadores de desigualdade
no país;
3.A pobreza no
sistema capitalista tem suas funcionalidades. Uma delas é resignar aqueles que,
mesmo ganhando pouco, pelo menos têm trabalho. Nesse sentido serve para amedrontar
e “amansar” a classe trabalhadora;
4.Tornou-se banal na nossa sociedade a
convivência entre o crescente desemprego de um lado, e, de outro lado, pessoas trabalhando
muito acima da jornada de trabalho normal. As vezes em dois ou três empregos,
com sete dias e 50 ou 60 horas semanais de trabalho. O trabalhador que, num
processo de crise, fica alguns meses desempregado, sem o amparo de políticas públicas,
e/ou do sindicato, tende a posteriormente se submeter às piores condições de
trabalho e salários. Pouca coisa na vida é mais duro do que passar fome;
5.O
processo de Revolução Industrial em curso não é neutro. Ele se presta também em
aumentar o fosso entre países centrais e subdesenvolvidos. São os países
centrais, que tem projeto, dinheiro e soberania, que irão tirar proveito do
processo, ampliando as diferenças tecnológicas em relação aos países dependentes;
6.Esse
é um jogo, portanto, cujos jogadores principais são os países dominantes e/ou
imperialistas. Especialmente China e EUA, que travam grandes disputas, incluída
a área tecnológica. Os valores envolvidos nessa brincadeira, inclusive, são para
cachorro grande: ao nível global, os investimentos no processo equivalem a muito
bilhões de dólares a cada ano;
7. O enfrentamento dos desafios
da Indústria 4.0 pressupõe investimentos crescentes em ciência e tecnologia. O Brasil precisaria estar direcionando bilhões em pesquisa e inovação
industrial. No entanto, o orçamento da ciência e tecnologia para esse ano (7,3
bilhões) é menor, em termos nominais (ou seja, sem correção monetária) do que o
de 2014 (8,4 bilhões);
8. Os
danos que os cortes do orçamento em ciência e tecnologia, a partir de 2016,
causam para o Brasil, irão continuar impactando por muitos e muitos anos. Equipes
de pesquisadores estão se desmontando e o país sofre, como no passado, a
chamada “fuga de cérebros”, cientistas que, sem perspectivas no Brasil, vão trabalhar
em outros países. Joga-se fora, assim, um investimento social de dinheiro e de
tempo, às vezes de décadas;
9. O
corte de orçamento em ciência e tecnologia desde 2016 afetou pesquisas da indústria de nanotecnologia e os estudos de
genética, que vinham recebendo apoio das fundações estaduais de pesquisa,
especialmente na área de commodities agrícolas, e desenvolvidos pela
Embrapa (Empresa brasileira de pesquisa agropecuária). A Embrapa, empresa de
excelência reconhecida no mundo todo, desde sua criação desenvolve, dentre
outras coisas, um banco de amostras, de plantas, animais e microrganismos,
absolutamente estratégico para o país. A empresa estava, inicialmente, na mira
do governo Bolsonaro para ser privatizada. Aparentemente, desistiram
momentaneamente da privatização, mas promovem uma “reestruturação” como
demissão incentivada e outras medidas típicas de desmonte de empresas;
10. A política de destruição da
ciência e tecnologia não está sendo cometida apenas por estupidez (se bem que
esta esteja muito presente). Pode-se dizer que é um plano. É uma política
deliberada, que está destruindo o que o Brasil construiu nessas áreas, sempre à
duríssimas penas;
11. Uma das primeiras ações do golpe de Estado em
2016 foi a interrupção do programa de enriquecimento de urânio e de todas as
demais etapas do ciclo do combustível nuclear. O Brasil estava desenvolvendo uma
das mais bem-sucedidas experiências mundiais na viabilização, com tecnologia
nacional, do desenvolvimento e instalação nuclear para submarinos, incluindo a
fabricação, no Brasil, de todos os equipamentos e componentes. O país vinha
também desenvolvendo o mais moderno programa de construção de centrais nucleares
e armazenamento de rejeitos. Desmontaram todos esses projetos, e de caso
pensado;
12.Desde 2016 estão cortando
criminosamente o orçamento das universidades públicas. O Brasil precisaria
formar profissionais, na Engenharia
de Computação, nas Ciências da
Computação, e outras áreas, profissionais que o país forma em número
insuficiente. Nesse processo de formação as universidades têm papel
fundamental, por isso mesmo estão sendo enfraquecidas. Outra função essencial
das universidades é a pesquisa, que estão matando à míngua. O país precisa
muito do desenvolvimento da ciência e da pesquisa acadêmica, agora mais do que
nunca;
13.
Em função da destruição da indústria nacional, que já vem em um processo
de encolhimento há décadas, (atualmente representa cerca de 10% do PIB), o
grande capital internacional já está se apropriando desse vazio em nosso
mercado interno. Grandes empresas internacionais dominam setores estratégicos
de bens industrializados com tecnologia de ponta, com grandes lucros. É só
pegar as quinhentas maiores empresas que atual no Brasil e verificar o grau de
internacionalização da economia brasileira;
14. O grosso da indústria não tem os centros decisórios
e tecnológicos localizados no Brasil. O país é importador de tecnologias de
fora. Quando ocorre uma mudança
tecnológica, como agora, o Brasil fica novamente para trás. Foi assim
com a eletrônica, pois o país não conseguiu entrar no desenvolvimento de
produtos nessa área. O fato de não haver centros de desenvolvimento de tecnologias
no Brasil implica que o grau de inovação é mais baixo e, se o grau de inovação
é mais baixo, a produtividade é menor, a dinâmica da indústria é menor e assim
por diante;
15. Esse é o agravante do golpe dentro do
golpe, que é a entrega do pré-sal. Estão desmontando a Petrobrás e entregando o
pré-sal a preço de banana. A Petrobrás, além de tudo que ainda significa
para a economia, é um centro irradiador de inovação tecnológica. Por isso ficou
no olho do furacão do golpe;
16.
A década que se encerra em 2020, será perdida para a indústria. Nos últimos
nove anos (2011 a 2019) a perda acumulada é de 15% na indústria. Este será o
pior ano de crescimento da economia e da indústria brasileiras. Após uns
cinquenta anos o Brasil está saindo do ranking dos 10 maiores países
industriais do mundo;
17. No Brasil o problema maior não é a ausência de
um projeto nacional de desenvolvimento por parte dos golpistas. É muito mais
grave. É que o Estado nacional foi tomado literalmente de assalto. Estão
desarticulando toda a estrutura produtiva que o Brasil construiu ao longo de
décadas, desde Getúlio, fundamental para garantir uma indústria de base
nacional, e enfrentar a 4ª Revolução Industrial;
18. Os países que estão se saindo melhor no atual processo
de revolução industrial são os que têm projeto nacional, coordenado pelo
Estado. Alemanha, China, Coreia do Sul, EUA e outros são os que já estão
tirando partido desse processo de avanço das forças produtivas e certamente
aproveitarão para avançar em todos os aspectos. O governo Bolsonaro é inimigo do Brasil, do
povo brasileiro, e da tecnologia. Com esse governo não tem como imaginarmos que
o Brasil possa enfrentar adequadamente os desafios da atual revolução
industrial.
*Economista. 22.06.20
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