*José Álvaro de Lima
Cardoso
Discutir a questão da indústria é
fundamental, por várias razões:
1. É um setor estratégico para o país sob uma série de aspectos
(emprego, renda, soberania, tecnologia, defesa nacional);
2. Todos os países dominantes têm indústrias fortes, praticamente sem
exceção. Não dispor de indústria é pedir para ser país dependente e dominado;
3. Há uma relação direta entre soberania e base indústrial. Nos governos
nos quais o Brasil teve projeto nacional (foram poucos), aparecem também como os
momentos em que mais a indústria se desenvolveu;
4.A industrialização foi um dos capítulos mais vitoriosos que o país já
escreveu na sua história (após a revolução de 1930). Entre 1930 e 1980 nenhum
país cresceu tanto o seu PIB quanto o Brasil, e boa parte desse fenômeno se
deve à industrialização;
5.O Brasil sofre uma desindustrialização há décadas, mais precisamente desde
meados de 1980. Em 1985, a participação da indústria de transformação no PIB
era de 35,9%, e esta caiu para 10,5% em 2019;
6. O governo atual não tem política industrial. Na verdade, só tem política
“entregacional”: há 119 ativos públicos listados, para serem vendidos tão logo
seja possível, à preço de banana;
7. O golpe de 2016 foi, também, contra a indústria. Não é por acaso que a
Petrobrás foi o centro do golpe, com a utilização da Lava Jato, operação que
foi arquitetada fora do país, em algum departamento do Estado norte-americano. A
Petrobrás é fundamental para a indústria, tanto como fornecedora de energia,
quanto na condição de provedora e desenvolvera de tecnologia;
8. Depois de cerca de meio século, o Brasil
está saindo do grupo dos dez países mais industrializados do mundo.
A discussão dos problemas
atuais da indústria deve levar em conta que o Brasil ingressou numa espécie de
“tempestade perfeita”, caracterizada por: a. contaminação em massa da população pelo
covid-19. A curva de contaminação está empinada, o Brasil tem 43.389 mortos
e 867.882 contaminados (até ontem,14.06), O Brasil passou o Reino Unido e se
tornou o segundo país do mundo com maior número de mortes por covid-19. Neste
momento somente os Estados Unidos tem mais mortos, com mais de 117 mil. O país pode superar os Estados Unidos em número de mortes de covid-19 no dia 29
de julho, conforme a projeção da Casa Branca dos EUA. Na data referida, o
Brasil alcançaria 137,5 mil mortos, ultrapassando os EUA, que teria 137 mil;
b. depressão econômica (com seis anos seguidos de recessão ou estagnação)
c. crise política inusitada (com governo
Bolsonaro e inusitada polarização política)
A crise da indústria é anterior à
pandemia. Em 2019 a produção industrial no Brasil já tinha
diminuído 1,1% em relação a 2018. O patamar de produção industrial de 2019 foi
semelhante ao de 2009: é como se o país
tivesse regredido, em termos de produção industrial, em dez anos. Não
tem como ser diferente: a década que se encerra em 2020, será perdida para a indústria.
Isso já era esperado antes da pandemia, e do mundo ter ingressado na pior crise
da história do capitalismo.
O problema conjuntural, ligado à crise, e
o estrutural (desindustrialização), coincidem com um período no qual o mundo
atravessa a chamada Quarta Revolução Industrial. O Brasil precisaria estar
investindo bilhões em pesquisa e inovação industrial neste momento, procurando
pelo menos, congelar a histórica defasagem científico técnica que tem o país em
relação aos países desenvolvidos. Como desgraça pouca é bobagem, este período
coincide com o governo mais obscurantista da história e com uma drástica queda
do orçamento para ciência e tecnologia. O orçamento da ciência e tecnologia para
esse ano é 7,3 bilhões, menor em termos nominais, do que o de 2014, de 8,4
bilhões.
Os
dados recentes da indústria são realmente impressionantes. A produção
industrial caiu 18,8% em abril, na comparação com o mês anterior. Em relação a abril do ano passado, a queda na
indústria foi de 27,2%, Bens de consumo duráveis tiveram a queda mais acentuada
de abril 79,6%, Bens de capital caíram 41,5%. Levantamento do Instituto de Estudos para o
Desenvolvimento Industrial (IEDI) com 93 segmentos industriais, concluiu que 77% do total (ou 72 segmentos) registraram desempenho negativo no
acumulado de janeiro-abril/20 frente ao mesmo período do ano anterior. A
utilização da capacidade instalada da indústria, que já vinha caindo antes da
pandemia, chegou a 49% em abril. É um verdadeiro massacre.
Estes
resultados decorrem de uma confluência de fatores:
a) com o isolamento social, o
consumo de bens e serviços, em geral, caiu drasticamente. A produção de uma
forma geral só tem sentido se houver consumo;
b) em função da recessão mundial e da
pandemia, há queda acentuada das exportações de manufaturados no Brasil (-32%
em abril segundo o IBGE);
c) as cadeias de produção, por sua vez,
foram desmontadas. A China, que juntamente com outros países da região, provê
boa parte dos insumos industriais, mergulhou numa crise brutal no primeiro
trimestre, para combater o covid-19.
d) nenhuma empresa quer investir neste
quadro de brutal crise e incertezas.
Graves crises como a atual, só conseguem ser enfrentadas com a coordenação do Estado, que tem condições
de fazer políticas monetária, cambial, industrial, etc. No Brasil não existem medidas
do governo para enfrentar os problemas da indústria e dos demais setores. O
governo está preocupado em aproveitar a crise para retirar direitos dos
trabalhadores e privatizar os ativos públicos. Políticas de entrega das riquezas nacionais e de
destruição de direitos dos trabalhadores, são incompatíveis com projetos de
desenvolvimento da indústria. Como mencionado, há uma relação entre soberania
nacional e desenvolvimento da indústria. Não será o governo mais entreguista da
história, que defenderá uma indústria forte e voltada para os interesses
estratégicos do país. O projeto dessa turma é transformar o Brasil num fornecedor
de matérias primas baratas para o centro capitalista mundial.
*Economista
15.06.20.
Nenhum comentário:
Postar um comentário