*José Álvaro de Lima Cardoso
"O
Brasil não é um terreno aberto onde nós iremos construir coisas para o povo.
Nós temos que desconstruir muita coisa" (Jair Bolsonaro, em 18.03.2019, em
Washington).
O Brasil, um dos países mais desiguais do
mundo, vinha gradativamente melhorando o perfil de distribuição da renda entre
2004 a 2014, através de uma série de mecanismos. Era um processo lento, muito baseado
na geração de riqueza nova, já que a economia cresceu 3,72% ao ano naquele
período (esse percentual é muito razoável, se considerarmos que, de 2016 a 2019
o crescimento médio do PIB foi zero). Aquele processo lento de melhoria do
perfil de renda, fundamentalmente assentado na geração de milhões de empregos
formais, foi interrompido com o golpe de 2016.
A partir desse momento a distribuição de
renda estagnou, a pobreza voltou com força e a equiparação de renda entre
homens e mulheres, negros e brancos, que vinha acontecendo ainda que
lentamente, recuou. Claro, não se organiza um golpe de Estado, que derruba um
governo eleito pelo voto direto, para melhorar a vida da população. No que se
refere à questão econômica os golpes sempre são desferidos para interromper
processos de maior acesso à renda, redução da pobreza, ou ampliação dos
direitos da maioria. Essa característica é ainda mais forte quando o golpe é
coordenado por uma potência estrangeira, que obviamente tem objetivos
econômicos e políticos bem específicos no processo.
Não é que o imperialismo não deseje propiciar
melhores condições de vida para o povo destes países vitimados por golpes. Não
se trata disso. É que, no atual estágio de desenvolvimento da crise capitalista,
ele não pode fazê-lo, sem prejudicar os lucros dos grupos econômicos que
controlam a economia global. Os golpes em Honduras, Paraguai, Brasil, Bolívia
(e outros, com metodologias um pouco diferentes) foram executados pela
necessidade de manter os níveis de lucro e de domínio geopolítico e econômico
na Região, do consórcio imperialista mundial, encabeçado pelos Estados Unidos.
A forma como a pandemia afeta o Brasil é
uma espécie de síntese do que o programa econômico do governo, que é o aprofundamento
do programa do golpe de 2016, reserva para o Brasil. O país é o segundo com o
maior número de casos, com 691.962 casos até 07.06, somente os Estados Unidos
tiveram mais doentes. Agora, somos o terceiro país do mundo em vítimas da
Covid-19. São 37.312 óbitos do início da pandemia até ontem (07.06.20).
O estado de São Paulo tem a mesma
população da Argentina, cerca de 44 milhões de pessoas. Até 07.05 São Paulo
tinha 143.000 casos notificados e mais de 9.000 mortes. São Paulo, além disso,
em 24 horas, até domingo, tinha registrado mais 2.494 novos casos. A Argentina até
ontem tinha 22.782 casos registrados e 664 mortes por covid-19. São Paulo
apresenta 13 vezes mais mortes que a Argentina. Esta diferença no enfrentamento
da pandemia, que implica em muito milhares de mortos a mais no Brasil, tem que
ser creditada diretamente na conta da incompetência e conduta do pior governo da
história do país.
O Brasil está ingressando no que se pode
chamar de “tempestade perfeita”, caracterizada por: 1.Contaminação em massa da
população; 2.Depressão econômica; 3.Crise política inusitada (com governo
Bolsonaro e grande polarização). Em relação à permanência de Bolsonaro não existe
consenso entre os poderosos, há uma tendência do movimento Fora Bolsonaro
crescer a cada dia, inclusive com adesão de setores da classe média, que
apoiaram o golpe. Mas os golpistas permanecem unificados em relação ao programa
de guerra contra o povo, sintetizado na fala de Bolsonaro, em epígrafe, proferida
em plena sede da Agência Central de Inteligência norte-americana (CIA).
*Economista. 08.06.20
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