*José Álvaro de Lima Cardoso
Há quem considere que o
governo Bolsonaro é insustentável pelas suas contradições internas, que
realmente são muitas em função de ser, dentre outras, um governo de
improvisação, já que este não era o candidato preferencial dos coordenadores do
golpe de Estado no Brasil. Desde o início já se sabia que o governo enfrentaria
muitos problemas, até pela incompetência de boa parte dos quadros do governo, que
em alguns casos beira o surreal. Mas desde o início se sabia que o governo poderia
se sustentar se atendesse a duas questões simultaneamente:
1ª) colocar em prática um programa que garanta os lucros do capital
financeiro internacional, um dos objetivos centrais do golpe. O que significa
privatizações, fim da previdência social, redução de transferências sociais do
governo, fim dos subsídios à indústria, etc. Na prática se colocar em operação
o desmonte do Estado e da economia;
2º) garantir que essas políticas, que massacram a população, não conduzam
a uma explosão social incontrolável.
É uma equação extremamente
difícil. Ajudar os grandes capitais a enfrentar a queda de seus lucros e a
crise mundial do capitalismo, implica, ao mesmo tempo, aumentar muito a
política de guerra contra o povo. Elevar muito o grau de exploração num país
onde o salário médio está em torno de R$ 1.500,00 (setor privado), e onde quase
cinquenta milhões de brasileiros dependem do Bolsa Família para não passar
fome, não é brincadeira.
Bolsonaro, aos trancos e barrancos, e mesmo
crivado de suspeitas de tudo quanto é tipo, vem conseguindo impor o programa de
guerra à população, que é a missão para a qual foi escalado. Lembremos as
principais medidas que conseguiram aprovar, aprofundando as ações do primeiro
governo golpista, de Temer:
1.Destruição
da previdência pública
2.Enfraquecimento
e tentativa de destruição dos Sindicatos
3.Entrega
do pré-sal e desmonte da Petrobrás
4.Entrega
da base de Alcântara
5.Privatização
da Eletrobrás (prevista para o ano que vem)
6.Desmonte
do SUS (em andamento)
7.Privatização
do acesso à água (em andamento)
8.
PECs de desmonte do Estado brasileiro (Plano Mais Brasil)
9.Desmonte
das universidades públicas
10. Medida Provisória nº 905, de 11.11.2019, que
implanta carteira verde e amarela e desmantela direitos
A lista de estragos é imensa. Acima estão
apenas parte das questões centrais. É inclusive difícil acompanhar a “política
de choque” que estão colocando em prática. O problema do governo golpista do
Bolsonaro, na realidade, é resolver a segunda parte da equação, que é evitar
uma explosão social, mesmo implantando políticas que arrancam o couro da
população. Esta tarefa ficou especialmente difícil, com o desencadeamento das
mobilizações sociais em toda a América do Sul, exatamente contra as políticas
anti povo e anti país que Bolsonaro vem aprofundando.
Como se sabe, a partir do golpe, o Brasil
está sofrendo os efeitos de uma explosão da desigualdade de renda, jamais
identificada pelo IBGE, desde 1960, quando o Instituto passou a captar
informações acerca do rendimento da população nos censos demográficos. Há uma
piora de todos os indicadores de perfil de distribuição de renda, como já
demonstramos em outros artigos.
Há pouco dias, o IBGE divulgou os dados da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – Contínua (Pnad Contínua). A taxa de desemprego no país no
terceiro trimestre deste ano, ficou em 11,8%, representando 12,5 milhões de
desocupados. Destes, cerca de 3,2 milhões de pessoas, 25,2% do total, estão à
procura de emprego há dois anos ou mais no Brasil. Em alguns estados a pesquisa
mostra taxas de desemprego assustadoras, como Bahia (16,8%), Amapá (16,7%) e
Pernambuco (15,8%). A taxa composta de subutilização da força de trabalho, ou
seja, o percentual de pessoas desocupadas ou subocupadas por insuficiência de
horas trabalhadas chegou a 24% no país. Sendo que no Maranhão é de 41,6% e no Piauí
chega a 41,1%. O número de pessoas desalentadas, ou seja, que desistiram de
procurar emprego, alcançou 4,7 milhões de pessoas no terceiro trimestre.
Sabe-se que as contingências
políticas e econômicas mudaram o humor dos EUA em relação à América Latina, por
isso promoveram golpes em toda a região. Não se trata deste ou daquele
presidente, os golpes são política de Estado dos EUA. O problema não está
ligado especificamente à Donald Trump, quando ocorreu o golpe no Brasil o
presidente dos EUA era Barack Obama. Os golpes estão ligados fundamentalmente à
crise internacional do capitalismo e ao esforço dos EUA para recuperarem
terreno na América Latina, que tratam e consideram como o seu “quintal”.
É difícil imaginar que, em
algum momento, a sociedade brasileira não reaja com muita força a todos os
ataques, como já fez em outros momentos da história. Até em função do que está
acontecendo em toda a América Latina, onde as vigorosas manifestações têm o
traço comum de serem contra as políticas neoliberais. O
nível de repressão no Chile e no Equador, o golpe na Bolívia, e a destruição de
direitos no Brasil em escala industrial, são fatos interligados, que revelam
que não devemos esperar saídas fáceis e tranquilas. A crise mundial não é
bolinho, e os países imperialistas estão firmemente determinados a descarregar
os seus impactos sobre as nossas cabeças.
*Economista (04.12.19)
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