Segundo o DIEESE, em outubro o
preço médio da cesta de alimentos em Florianópolis alcançou R$ 458,28. Um
aumento de 0,73% no mês, e de 1,76% em 12 meses, tendo ficado abaixo da
inflação apurada no mesmo período. Detalhe crucial: este é o custo da cesta
básica suficiente para alimentar 1 adulto ao longo de um mês, não uma família. Entre
as 17 capitais pesquisadas, Florianópolis ficou como a quarta cesta mais cara,
mais ou menos a posição que, historicamente, tem mantido a capital catarinense.
Mais importante que a variação em um ano (1,76%), abaixo da inflação, é o valor
absoluto da cesta, que corresponde à metade do salário mínimo líquido (isto é, após
o desconto previdenciário).
Para o trabalhador que está comprando
o seu alimento, pouco importa a variação percentual no mês, ou nos últimos 10
anos. Informações estas que, em regra, ele muitas vezes nem entende direito. O
fundamental é quanto custa a cesta básica, quanto o trabalhador terá que
desembolsar dos seus minguados recursos para levar para casa produtos
imprescindíveis à vida de sua família. Para termos uma ideia do peso que os
alimentos têm no orçamento dos trabalhadores, no mês de outubro, um trabalhador
de salário mínimo, em Florianópolis, destinou 101 horas da sua jornada mensal
de trabalho, para a aquisição dos 13 produtos da cesta básica.
Em outubro, em meio à
variação de preços dos produtos que compõe a cesta básica pesquisada pelo
DIEESE, chamou atenção a variação do preço da carne (6,16%). É que a carne,
além de ser essencial, representa mais de 36% do custo total da cesta, em
Florianópolis. Segundo dados do setor produtivo o aumento do preço da carne
deverá se manter nos próximos meses, pressionando o custo total da cesta de
alimentos. O fenômeno está ligado ao aumento das exportações de carne para a
China, cujo rebanho suíno foi atacado pela peste suína africana, que matou 7,5
milhões de animais em toda a Ásia. Além das exportações de carne terem
aumentado significativamente para a China, elas também cresceram muito para a
Rússia e Emirados Árabes, quando se compara com as realizadas no mesmo período
no ano passado.
A redução da oferta de carne para o mercado
interno – e consequentemente o seu aumento de preços – levou à uma elevação de
preços, também, de outras fontes de proteína como carne suína, de frango e
ovos, na medida em que aumentou também o consumo destes produtos. Na elevação
dos preços destes produtos há, é claro, um forte movimento especulativo, no
qual os grandes comerciantes, ao disporem de alternativa externa para venda de
seus produtos, impõem os seus preços ao mercado interno. Este movimento é
facilitado pela diminuição da oferta de
gado bovino, em função de estratégia adotada pelo setor, de retardamento da
engorda dos animais, aguardando a melhoria dos preços. Os produtores atrasaram o período de
confinamento dos animais, mantendo-os nos pastos, onde o custo é menor,
retardando estrategicamente o envio para o abate.
A
alta dos preços da carne foi também alavancada pela desvalorização do real, que
fez a cotação do dólar bater recorde, chegando ao final de novembro em R$ 4,26
(28.11). Essa desvalorização da moeda nacional (com base na qual são calculados
os custos de produção do setor) em relação ao dólar (que garante a receita de
vendas do exportador) torna o mercado externo extremamente atraente.
Especialmente quando puxado por governantes chineses, preocupados com a segurança
alimentar de sua população e abarrotados de dólares.
Para termos uma ideia do que pode ocorrer no
varejo de carnes nos próximos dois meses: segundo dados do CEPEA (centro
de pesquisas econômicas da Escola Superior de Agricultura Luiz de
Queiroz (ESALQ), da USP), a média da arroba (15 kg) do boi até meados do ano, paga aos
pecuaristas, estava entre R$ 150 e R$ 160. Em novembro, já com mais frigoríficos
autorizados a exportar para a China, este valor passou dos R$ 220. Essa alta de
preços no atacado da carne, representa um aumento, em pouco tempo, de quase 47%
(em relação aos R$ 150), que tendem a serem repassados ao varejo neste final de
ano. A maior oferta de animais para o abate no começo de 2020, deve fazer os
preços recuarem. Mas, segundo previsões do setor, estes não retornarão aos
patamares anteriores.
A disparada do
preço da carne coincidiu com o anúncio, do governo federal, de que, na primeira
etapa da reforma tributária que enviará ao Congresso Nacional ainda neste ano, pretende
acabar totalmente com a isenção de produtos da cesta básica. Em São Paulo, onde
no mês de outubro, o DIEESE apurou a cesta básica mais cara do pais, de R$
473,59, a desoneração desses produtos é de quase 100%. Há um cálculo preliminar
do IBTP (Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação), que indica que, se
os tributos hoje isentos na cesta básica retornarem, o valor desta subiria para
R$ 581,00.
A intenção de aumentar os
impostos incidentes sobre os produtos da cesta básica nos fornece a medida exata
do governo Bolsonaro. O Brasil é o segundo maior produtor de carne bovina e o
país que mais exporta o produto em todo o mundo. Com a destruição das
estruturas de combate à fome, feita a partir do governo Temer e aprofundadas
por Bolsonaro, a fome voltou a aterrar o Brasil. Dadas as condições naturais e
tecnológicas do país, a comida deveria ser quase de graça para a maioria da
população, que tem renda muito baixa. Ao que se sabe, em boa parte dos países,
não há incidência de tributação sobre os alimentos básicos. Por suas condições
de produção (naturais e tecnológicas), que lhe dá o potencial de ser o “celeiro
do mundo”, o Brasil deveria isentar 100% dos impostos sobre tais alimentos.
No Brasil, proporcionalmente
os pobres pagam muito mais impostos, porque a incidência do tributo é
majoritariamente indireta, ou seja, está embutida nos preços das mercadorias e
serviços. Enquanto os mais pobres são penalizados, dividendos distribuídos para os acionistas de empresas não estão sujeitos à incidência
de Imposto de Renda. O sistema tributário brasileiro representa uma máquina de
geração e manutenção de desigualdade social e pobreza. Essa deveria ser uma
preocupação fundamental, porque, segundo dados da Cepal (Comissão Econômica
para América Latina e Caribe), a pobreza extrema aumentou 11,5% desde 2014 em
toda a Região (Panorama Social de América Latina 2019). Mas não há nenhuma surpresa
no fato de que o governo Bolsonaro encaminhe planos para aumentar a injustiça
tributária e aumentar o fome de parcela mais pobre da população no Brasil.
*Economista. 29.11.19
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