*José Álvaro de Lima Cardoso
Enquanto nuvens carregadas se formam no horizonte, ameaçando uma tempestade
financeira que pode ser mais grave do que a de 2008, o Brasil amarga uma crise gravíssima,
com um golpe em pleno andamento, e o pior governo já registrado na história do
país. Todas as medidas encaminhadas pelo governo aumentam a exposição do Brasil
aos choques que ameaçam a economia mundial, previstos por especialistas em
economia mundial. Dezenas de medidas que acabaram (ou reduziram), com direitos
sociais e trabalhistas, entregando as estatais para os abutres, volta da fome,
todo esse conjunto, fragiliza ainda mais o Brasil perante eventuais choques internacionais
da economia.
O Brasil, depois de muitas
décadas no grupo dos dez maiores países industriais do mundo, corre o risco de perder
essa condição, segundo avaliação do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento
Industrial, IEDI. Entre os subdesenvolvidos o Brasil há muitos anos ostenta a
condição de ser o país mais industrializado. Mas o golpe de 2016, foi desferido
contra todos os interesses nacionais, inclusive contra o direito fundamental do
país dispor de uma indústria nacional forte. O Brasil ainda não recuperou o
patamar industrial que tinha antes da recessão de 2015/2016. A indústria, que
vem perdendo espaço desde a década de 1980, tem atualmente peso de 11% na composição
do PIB, percentual que deverá recuar em 2019. O país atualmente tem um dos
piores desempenhos de crescimento na indústria em toda América Latina, região
que já vem crescendo menos que a média mundial. .
Não há como a indústria crescer
num quadro de extraordinário decrescimento econômico, que combina um violento
ataque ao mundo do trabalho, com a deterioração rápida de todos os indicadores
de distribuição de renda. Se o índice de Gini[1] aumenta,
se o produto interno cai e o PIB per capita recua em média
1,5% ao ano desde 2014, é impossível a indústria crescer. O mercado consumidor
interno, por sua vez, se restringe continuamente, pois, desde 2014 a taxa de
pobreza cresce ao ritmo de 10,4% ao ano e a taxa de desemprego aumenta 20,1% ao
ano, na média do período 2015/2019. A saída pela via das exportações, por outro
lado, é dificultada porque a conjuntura mundial também é de desaceleração.
Dada a importância da
indústria para o desenvolvimento nacional e a complexidade do tema, o país
deveria ter estratégias de longo prazo, envolvendo todos os segmentos
importantes da sociedade, para que a indústria recuperasse dinamismo e
importância na produção de riqueza. Vale listar alguns excelentes motivos para
a defesa do setor industrial do país:
1º) Não há registro na história do país que tenha chegado ao
desenvolvimento econômico e social, sem uma generalizada industrialização e um
forte e ativo Estado Nacional. Mesmo economias que utilizaram mais as
exportações de produtos primários para elevar a sua renda per capita (como
Austrália e Canadá), antes atravessaram períodos de elevada diversificação
industrial, elemento essencial das suas estratégias de desenvolvimento;
2º) Existe uma relação empírica entre o grau de industrialização e a
renda per capita, tanto nos países ricos, quanto nos subdesenvolvidos;
3º) Há uma associação estreita entre o crescimento do PIB e o crescimento
da indústria manufatureira. A dinâmica da economia brasileira nos últimos anos,
mostra o fenômeno: o PIB apresentou queda, em boa parte, porque a indústria de
transformação recuou drasticamente;
4º) A produtividade é mais dinâmica no setor industrial do que nos
demais setores da economia, é o setor industrial que puxa o crescimento de
produtividade da economia;
5º) O avanço tecnológico que se concentra no setor manufatureiro tende a
se difundir para outros setores econômicos, como o de serviços ou mesmo a
agricultura. Os bens com maior valor adicionado produzidos pela indústria
incorporam e disseminam maior progresso técnico para o restante da economia.
Nos países desenvolvidos, que
em alguns casos se desindustrializaram, a indústria nacional já cumpriu o seu
papel no desenvolvimento econômico, colocando a renda per capita da população
em elevado patamar. Ao se desindustrializar, o Brasil está perdendo a sua maior
conquista econômica do século XX. Entre 1930 e 1980, a economia brasileira
cresceu a elevadas taxas (6,8%, entre 1932-1980) baseado no chamado “processo
de substituição de importações”, com fortes incentivos estatais à
industrialização através das políticas cambial, tarifária e fiscal.
Caberia neste momento um
vigoroso projeto nacional, que possibilitasse a retomada da indústria do país.
Ou seja, seria fundamental realizar exatamente o oposto do que está fazendo o
governo de Bolsonaro, que está destruindo as ferramentas de execução de política
econômica. O conjunto de medidas encaminhadas ou anunciadas pelo governo tendem
a debilitar ainda mais a indústria. Venda de estatais estratégicas sem política
de valorização dos ativos, entrega do pré-sal e de outros recursos naturais,
achatamento do mercado consumidor interno via arrocho salarial, regressão em
décadas na regulamentação do trabalho, esvaziamento do BRICS, fragilização do
Mercosul, tudo isso enfraquece ou dificulta muito a possibilidade de
crescimento de uma indústria robusta no país. Mas não devemos pecar pela
ingenuidade. Dado o conjunto da obra não é difícil concluir que a destruição da
indústria e a transformação do Brasil num fornecedor de commodities baratas
para os países centrais, não são efeitos colaterais, ou “erros”, da política do
golpe, e sim partes constitutivas de um projeto de recolonização do Brasil.
*Economista
08.10
[1] Instrumento matemático utilizado para
medir a desigualdade social de um determinado país, unidade federativa ou
município. Quanto menor é o valor numérico do coeficiente de Gini, menos
desigual é um país ou localidade.
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