Campanhas salariais em conjunturas de
guerra
*José Álvaro de Lima Cardoso
As
campanhas salariais deste segundo semestre estão sendo desenvolvidas num dos momentos
mais desafiadores da história dos trabalhadores brasileiros. Raras vezes na
história, se combinaram tantos elementos nefastos de ataques ao direitos e
salários, como nesta quadra da história nacional. Os inimigos da classe
trabalhadora, por hora no poder, estão dispostos a mudar profundamente a
relação entre Estado e sociedade, e todos os direitos ou já foram destruídos,
ou estão na mira para serem liquidados. São tantas as medidas contra os
direitos, encaminhadas de forma sistemática, que quase não se consegue acompanhar.
Neste quadro geral, as campanhas salariais
e as negociações coletivas atuais estão entre as mais difíceis da história:
conforme dados do DIEESE, 50% das categorias não conseguiram obter ganho real
no primeiro semestre, mesmo em percentuais mínimos, muitas vezes significando apenas
um arredondamento de algarismos. Um número expressivo, 25% do total das
negociações, não têm conseguido repor nem mesmo a inflação, mesmo estando o
acumulado desta em pouco mais de 3%. A ideia dos estrategistas da destruição é ir
achatando salários diretos, indiretos, e benefícios, reduzindo assim, o mais
rápido possível, o custo da força de trabalho. Medida que, segundo essa leitura
da conjuntura, ajudaria a solucionar a dramática crise econômica internacional.
O que pretendem fazer com o
salário mínimo, ilustra bem o problema. A equipe econômica do governo quer
retirar da Constituição Federal a previsão de que o salário mínimo seja
corrigido regularmente pela inflação. A equipe de Paulo Guedes pretende que, em
face de dificuldades fiscais, o governo possa congelar o salário mínimo,
inclusive em valores nominais. Nessa perspectiva o salário mínimo poderia ficar
vários anos sem reajuste, como já aconteceu no passado. Segundo os
representantes do governo, o congelamento do salário mínimo poderia significar
uma economia entre R$ 35 bilhões e R$ 37 bilhões. O governo Bolsonaro já tinha decidido
liquidar com a política que reajustava o salário mínimo anualmente pelo Índice
Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) do ano anterior, mais a variação do PIB
de dois anos antes. Agora, querem dar mais um passo na direção do que será, na
prática, o fim do salário mínimo já que, como se sabe, o reajuste regular
deste, é fundamental.
Há dois aspectos decisivos
neste processo de adversidades nas campanhas salariais:
a. Crise econômica mais
prolongada da história. Após dois anos de uma das maiores recessões da
história do Brasil (2015/2016), a economia está há três anos patinando em torno
de 1% de crescimento. Não só não há recuperação à vista, como continua a
destruição da economia, com muitas falências e uma piora dramática nas
condições de emprego e renda dos trabalhadores;
b. Esta não é uma crise cíclica comum.
Ela foi muito agravada por um golpe de Estado que, para se legitimar, devastou
deliberadamente setores fundamentais da economia brasileira, como o de
construção pesada e o de óleo e gás e veio para a) liquidar a soberania; b)
destruir direitos sociais e trabalhistas.
Estes dois eixos do processo têm
dificultado muito a negociação de acordos, pelo menos razoáveis. Com crise econômica
inédita e uma onda de destruição de direitos, a postura patronal na mesa de
negociação é jogar os prejuízos para cima dos trabalhadores, o lado mais fraco
da corda (pelo menos neste momento). Além do governo federal, e do Congresso
Nacional, estarem dizimando os direitos “por cima”, na negociação coletiva, com
muita frequência, os patrões tentam barganhar o reajuste salarial, por direitos.
Até aceitam repor a inflação, mas querem retirar benefícios (às vezes, muito
pequenos), adquiridos ao longo de décadas de luta. A crise é funcional: com ela
os patrões chantageiam os trabalhadores e “depenam” os acordos e convenções
coletivas. Quando (e se) a economia se recuperar, os acordos até podem também
ser recuperados, mas partindo de um patamar muito inferior.
Segundo o DIEESE, o número de
greves realizadas no país recuou 41% nos primeiros seis meses deste ano em
relação a igual período de 2018. Num
ambiente de crise nas empresas (superdimensionadas nas mesas de negociação),
desemprego nas alturas e ataques sistemáticos aos direitos, os trabalhadores
preferem perder parte do salário real (com a não reposição da inflação) do que
os seus empregos. Postura, aliás, pragmática por parte dos trabalhadores que
não têm de onde tirar seus sustentos, senão do trabalho duro.
Não há razões para otimismos
nos diagnósticos. O crescimento não deve retomar, o desemprego continuará nas
alturas e vai continuar difícil mobilizar a classe trabalhadora. Além disso, são grandes as possibilidades de advir,
num tempo muito próximo, uma grande crise financeira internacional, mais grave
que a de 2008, que terá dramáticas consequências no mundo todo. E o Brasil irá
ser pego pela crise no contrapé, com o pior governo da história do país, cujo
presidente bate continência para a bandeira dos EUA.
Apesar das muitas (e duras) incertezas,
uma convicção: os direitos não serão mantidos ou haverá qualquer melhoria nos
salários, sem luta renhida dos trabalhadores. Esta é a única certeza que
podemos ter. Se em momentos de crescimento já é difícil a melhoria de vida dos
trabalhadores, o que dirá em tempos de “cólera”. As campanhas salariais, neste
grave momento do Brasil, precisam ser uma combinação de dignidade, coragem e
inteligência. As adversidades têm que ser enfrentadas com inteligência, mas devem
ser acompanhadas de coragem e dignidade. Por outro lado, a posse de apenas
essas duas últimas qualidades, pode conduzir a equívocos na estratégia, o que seria
um problema porque o inimigo real, que está por detrás do golpe de Estado, é
muito inteligente e domina estratégias globais.
*Economista
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