*José Álvaro de Lima Cardoso
A dívida pública brasileira, atingiu em
outubro o valor de R$ 6,57 trilhões, 90,7% do PIB, a maior relação dívida/PIB
da série histórica do BC iniciada em dezembro de 2006. Em dezembro de 2019, a
relação dívida/PIB estava em 75,8% e subiu em todos os meses desde então, com
aumento de 15 pontos percentuais só neste ano. Esses são os valores da Dívida
Pública Bruta, que é a dívida do setor público não-financeiro
e do Banco Central com o sistema financeiro (público e privado),
o setor privado não-financeiro e o resto do mundo. A Dívida Bruta do
Governo Geral (DBGG) – conceito mais em voga atualmente – corresponde à DLGG
(Dívida Líquida do Governo Geral), mas sem descontar os ativos do governo
geral.
A dívida líquida (que leva em conta os
ativos) é um indicador de solvência fiscal mais importante, porque aponta com
precisão quanto que o ente federativo terá que produzir de superávits, no
futuro, para dar conta de pagar a dívida. Quanto maior a dívida líquida hoje,
maior será a necessidade de “esforço fiscal” no futuro, seja para arrecadar
mais, seja para reduzir despesas. A dívida líquida no Brasil está em 68% do PIB
atualmente.
No caso do Brasil o endividamento público
subiu bastante nos últimos anos, em função de seis anos de estagnação ou de
recessão e deve subir mais ainda nos próximos anos, devido aos efeitos
econômicos da Covid-19 e às restrições políticas e sociais a um reequilíbrio
fiscal mais rápido. O que mede o tamanho da dívida é a sua relação com o PIB,
ou seja, quanto significa a dívida em relação a tudo que o país produz de
riquezas num determinado período. A relação percentual é o mais importante.
Dizer que a dívida é de um trilhão de reais não significa nada: se for da
economia dos EUA (cuja dívida é de 21,5) não faz nem cócegas, se for uma dívida
de Honduras ou Haiti, aí seria um problema gravíssimo.
Em qualquer país, a dívida pública é
emitida pelo Tesouro Nacional para financiar o déficit orçamentário do governo
federal. Ou seja, para pagar despesas que ficam acima da arrecadação com todos
os impostos e tributos. A dívida, inclusive, não é um problema em si. Depende
da razão para a qual ela foi gerada. Por exemplo, uma dívida para o
desenvolvimento de um projeto como o Minha Casa, Minha Vida, do governo Dilma, é
extremamente vantajoso para o país, a partir de várias dimensões do problema
(crescimento da economia, melhora do orçamento familiar, redução do déficit
habitacional, e assim por diante).
No entanto, o que vigora no Brasil já há
muitos anos é o que os especialistas chamam de “sistema da dívida”. Este
sistema, que existe em muitos países do mundo, representa uma drenagem permanente
dos recursos públicos, em favor do sistema financeiro, em detrimento dos
interesses da esmagadora maioria da população. E sempre em montantes elevados. O problema da
dívida afeta inclusive os países centrais do capitalismo. Os EUA, maior economia
do planeta, tem uma dívida que equivale a 100% do PIB, ou US$ 21,5 trilhões. Por
uma série de razões, apesar do estoque da dívida ser maior, estes países pagam
menos juros, em função do nível da taxa de juros, que é bem menor.
No Brasil, praticamente não se questiona a
respeito da dívida. É como se gastar muito dinheiro com “rentistas”, fosse uma
exigência da economia e estivesse “escrito nas estrelas”. O sistema da dívida é
ao mesmo tempo, financeiro, cultural, político e social. A política de superávit
primário, tão alardeada pelos meios de comunicação, visa exatamente fazer
poupança para pagar os credores da dívida que, no Brasil, são cerca de 20.000
famílias.
O sistema da dívida retira da saúde e
educação para pagar aos banqueiros, portanto é prejudicial ao povo de uma forma
geral. No entanto, o senso comum, cuidadosamente construído, é de que o país
tem que ter superávit primário, do contrário terá problemas em suas contas. O
superávit primário (que é receita menos despesas, desconsiderando os gastos com
juros) é um mecanismo que garante os recursos para pagar os banqueiros e
rentistas.
Discutir a dívida pública é um imperativo
para os brasileiros e os trabalhadores em geral, em função do que a dívida
significa em transferência indevida de recursos para o setor financeiro e,
portanto, do que significa em desperdício de recursos que poderiam ser usados
para saúde, educação, habitação e melhoria de vida do povo.
Até 2013 ou 2014 o Brasil tinha superávit
primário, que era um dos cinco maiores do mundo, e era política intocável no
país. Os meios de comunicação, absolutamente controlados pela burguesia,
disseminaram ao longo dos anos a ideia de que se o país não realizar superávit
primário, não sobrevive. Claro que a maioria da população nem sabe o que vem a
ser “superávit primário” (que é arrecadação menos despesas, desconsiderando os gastos
com juros).
As transferências de dinheiro público para
o pagamento da dívida obviamente provocam graves consequências sobre controle
da inflação, dos juros, salários, renda, programas sociais, etc. Está sempre
faltando dinheiro para o orçamento. Em 2019 o gasto total com servidores
federais somou R$ 319,5 bilhões, valor equivalente a 4,4% do PIB. Já as
Despesas com juros somaram R$ 330 bilhões em 2019. Ou seja, se
destinou mais recursos para 20.000 famílias de super ricos do que para milhões
de pessoas (trabalhadores e suas famílias), que dependem dos salários do setor
público.
Os ajustes fiscais sempre cortam dinheiro
do pobre: funcionários públicos, aposentados, trabalhadores de salário mínimo.
Mas para a burguesia nunca falta dinheiro do Estado. Segundo Maria Lúcia Fattorelli,
da Auditoria Cidadão da Dívida, os rentistas contam atualmente com um “colchão
de liquidez”, para ficarem mais tranquilos. São mais de R$ 4 trilhões em caixa:
saldo de R$ 1,4 trilhão na conta única do Tesouro Nacional, mais
de R$ 1,7 trilhão em Reservas Internacionais (US$ 340 bilhões), e mais de
R$ 1 trilhão no caixa do Banco Central. Se alguém tem dúvida sobre a quem
pertence o Estado é só prestar atenção nessa informação: rentistas contam com
mais de 4 trilhões funcionando como um colchão de liquidez para eventuais
“tombos” dos capitalistas. Definitivamente este país é o paraíso dos rentistas.
*Economista 21.12.20.
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