"Eu tenho vergonha
do que eu recebo do Exército. Se eu mostrar pro meu filho que eu sou general de
Exército, e ganho líquido R$ 19.000, eu tenho vergonha.” (General Heleno, chefe
do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, em
audiência na Câmara dos Deputados, na quarta-feira (10).
A vergonha do general, de receber salário
líquido de R$ 19.000,00 (fora as formas de salário indireto e benefícios que os
oficiais recebem), em um país em que os salários médios não alcançam R$
2.000,00, mostra que as elites econômicas do Brasil vivem noutro planeta, bem
distante do Brasil. Segundo dados da Secretaria da Receita Federal, dos 210
milhões de brasileiros, cerca de 30 milhões, somente, apresentam anualmente
declaração de renda, na qual revelam ter rendimento superior a dois salários
mínimos mensais. Isso significa que dos 150 milhões de brasileiros adultos, 120
milhões ganham menos de dois salários mínimos por mês e estão isentos de
apresentar declaração de renda.
Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios - Pnad Contínua (IBGE), mostram que 80% dos ocupados recebem até
R$ 1.700,00 por mês. Mas, segundo o professor Waldir Quadros, da Unicamp, quem
recebe esse valor, 40% do total, faz parte de uma “camada superior” dos pobres.
Na realidade, 27% dos ocupados recebem R$ 920,00, e há ainda um grupo de 13%,
que ele classifica de “miseráveis” têm rendimento mensal de R$ 310,00. O general que reclamou do recebimento de um
salário líquido de R$ 19.000,00, vive num país que recentemente foi considerado
um dos 10 piores do mundo para os trabalhadores, segundo análise divulgada na
108ª Conferência Internacional do Trabalho, realizada em Genebra. De acordo com
o Índice Global de Direitos da Confederação Sindical Internacional (CSI), a
contrarreforma trabalhista (Lei 13.467, de 2017) aprovada no governo Michel
Temer, significou para o país uma brutal regressão nas condições de trabalho,
direitos e níveis salariais.
A reclamação do general, foi feita no interior
do parlamento de uma nação na qual, segundo o IBGE, 17,3 milhões de crianças de
0 a 14 anos, equivalente a 40,2% da população brasileira nessa faixa etária,
vivem em domicílios de baixa renda. Uma parte dessas crianças, inclusive, vive
em situação de trabalho infantil. Para defender o pão de cada dia trabalham nas
carvoarias, em olarias, em pedreiras, na extração de castanhas, na colheita de
laranja, no corte de cana, na extração de sal. Outras vivem em situação de
semiescravidão no serviço doméstico, ou vendendo bugigangas nas ruas. As
medidas adotadas após o golpe de 2016, especialmente a contrarreforma
trabalhista, assim como a destruição do sistema de fiscalização do Ministério
do Trabalho, está aumentando em escala industrial a informalidade e a
precarização dessas atividades, fazendo crescer rapidamente o número de
crianças nessa condição.
A
forma da elite brasileira raciocinar é típica de pais subdesenvolvido, da
periferia capitalista, cuja função é transferir riqueza para o centro. A
economia sofre constantemente uma drenagem de recursos para servir ao centro, o
que tem como contrapartida um povo extremamente explorado, acostumado a
trabalhar por migalhas, e sacrificar suas crianças e idosos. Quando a situação
permite, o imperialismo promove essa transferência por vias “pacíficas”
(internacionalização da economia, “commoditização”, relações cambiais, dívida
externa, etc). Quando precisa (e a correlação de forças assim o permite),
realiza tal transferência de riqueza na “porrada”, como está acontecendo agora
com o golpe no Brasil. O outro lado dessa moeda é a existência de uma elite
rentista, subserviente ao império, extremamente cruel com a população e com um
padrão de vida de verdadeiros príncipes, completamente descolado da realidade da
população.
O golpe de 2016 veio para interromper um
processo que vinha tentando alterar, muito modestamente, o tipo de relação histórica
do país com as potências capitalistas. Talvez a maior expressão disso tenha
sido a lei de Partilha, aprovada em 2010, que visava reter no país, a favor dos
brasileiros, a maior parte da renda petroleira, decorrente da grande descoberta
de petróleo dos últimos 40 anos, o Pré-sal. Dado o golpe, essa foi uma das
primeiras leis a serem liquidadas, ação inspirada, inclusive, num projeto de
lei de José Serra, o homem que tinha prometido à Chevron (grande multinacional
do petróleo) revogar a lei de Partilha. De
lá para cá as políticas implementadas são uma declaração de guerra contra a
população brasileira. São 13 milhões de desempregados, mais de seis milhões de
“desalentados”, 40 milhões de empregados informais (sem carteira e sem
direitos), sessenta milhões de endividados, falência de centenas de milhares de
empresas, estagnação da economia, deterioração da infraestrutura, aprofundamento
da desindustrialização, precarização dos sistemas de saúde e educação, retorno
de doenças que haviam sido erradicadas, e assim por diante.
As elites econômicas, e conservadores de
uma forma geral, fazem de tudo para disfarçar as razões da desigualdade. Muitas
vezes publicam as informações mais escandalosas, porque são impossíveis de
esconder. Mas a análise da questão é sempre enganosa. A desigualdade
estarrecedora é atribuída à mérito individual, falta de esforço para o estudo,
preguiça, etc., abordagens que trazem geralmente, inclusive, componentes racistas.
E que são abundantes na boca dos privilegiados.
Se você é pobre é porque não se esforçou
suficientemente, ou está errando na estratégia. Os meios de comunicação da
grande mídia, destacam vícios, excesso de filhos, ou desleixo com as finanças,
como os vilões da pobreza. Selecionam casos excepcionais e os generalizam,
visando desfocar o problema central e trabalhar com a aparência das coisas. O
fato é que as análises conservadoras não podem fazer uma abordagem realista do
problema porque desnudaria a condição de sobre exploração que vivem os
trabalhadores brasileiros. Mas não tenhamos ilusão: em face da demolição que Bolsonaro
está tramando, que fará com que as políticas neoliberais de FHC pareçam um
piquenique, tais abordagens irão ser cada vez mais disseminadas.
*Economista. 13.07
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