José Álvaro de Lima Cardoso (economista)
Em setembro de 2014 o Brasil foi agraciado
com a mais importante notícia do último meio século, tanto do ponto de vista
social, quanto econômico: o país havia sido retirado do Mapa da Fome da ONU, em
função dos ótimos resultados alcançados na área. O Brasil tinha também
reduzido, entre 2001 e 2012, em 75% a pobreza extrema, definida como o número
de pessoas com renda inferior a US$ 1 ao dia. Esses notáveis resultados foram
obtidos com inteligência estratégica, e com um conjunto de políticas e ações
integradas, e complexas, coordenadas pelo Estado brasileiro.
A redução da fome, como qualquer grande
empreendimento, resultou da combinação de decisão política de governo e de
políticas macroeconômicas, sociais e agrícolas, articuladas. Foram as ações
principais:
a)
Fortalecimento da alimentação escolar. Esse tipo de política “cerca” a fome na
escola, onde, quase que obrigatoriamente, a criança estará;
b) programas
que beneficiavam os agricultores familiares (responsáveis por 70% da oferta de
alimentos no país), que são diretamente atingidos pela falta de garantia de
renda, até pela insegurança que o empreendimento agrícola implica. Ao par dessa
ação, também a preocupação com a garantia de expansão da oferta de alimentos;
c) programa
Fome Zero, que colocou a questão da segurança alimentar no centro da agenda
política do país. A fome deixou de ser um problema individual, de
“meritocracia” (ou falta de), das suas vítimas, e passou a ser um problema
político e econômico fundamental, de interesse de toda a sociedade. Ou seja, um
problema de responsabilidade do Estado Brasileiro;
d) programas
de erradicação da extrema pobreza que, ao serem atacados de frente, enfrentavam
também a fome crônica, que tem um padrão de manifestação e incidência;
e)
fortalecimento das redes de proteção social como medidas de inclusão social, de
todos os tipos;
f) forte
ampliação do crédito e aumento da renda dos mais pobres, com o crescimento real
de 77% do salário mínimo entre 2003 e 2015;
g) política
de geração de milhões de empregos, que representa, ao mesmo tempo, causa e
efeito da política de combate à fome;
h) Programa
Bolsa Família, com distribuição controlada pelas mães de família, e cujo
destino principal era a alimentação das pessoas.
A fome voltou no Brasil após o golpe.
Segundo o relatório Panorama da Segurança Alimentar e Nutricional na América
Latina e Caribe 2018, divulgado no ano passado pela FAO (órgão da Organização
das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), 5,2 milhões de pessoas
no Brasil estavam em estado de subalimentação, ou seja, não tinham alimentos
suficientes para satisfazer suas necessidades no triênio entre 2015 e 2017. O
retorno da fome no país é quase que um resultado matemático das centenas de
medidas de liquidação do país que foram adotadas a partir da tomada de poder
pelos golpistas. Fim da política de salário mínimo, retirada de milhões de
pessoas do Bolsa Família, entrega de patrimônio público para as grandes
empresas, destruição dos fundamentos da Seguridade Social, corte de verbas para
a educação e pesquisa, redução do crédito para os produtores familiares,
políticas contra a indústria, entrega das jazidas do Pré-sal, e segue a lista
de atrocidades. Todo esse conjunto conduziu o país necessariamente para uma
elevação da incidência da fome entre a população.
A liquidação das políticas de combate à
fome está sendo completada por Bolsonaro, mas começou com Temer. Em 26 de
outubro de 2018, por exemplo, Temer extinguiu o Departamento que foi essencial
para a criação e implementação do o Programa de Aquisição de Alimentos da
Agricultura Familiar (PAA) no governo Lula. O PAA foi criado para viabilizar o
acesso à alimentação e, ao mesmo tempo, incentivar a agricultura familiar. O
desmonte da rede de proteção social, num contexto de gravíssima crise
econômica, levou rapidamente ao aumento da pobreza, que vinha recuando nos anos
anteriores. Segundo dados do IBGE, aqueles que vivem abaixo da linha de pobreza
extrema, cujos ganhos não passam de 7 reais diários, saltaram de 13,5 milhões
em 2016 para 15,2 milhões em 2017. Quando consideradas as famílias que vivem
com menos de 406 reais por mês, o total subiu em 2017 de 53,7 milhões para 55,4
milhões em 2017.
O desmonte de políticas tão fundamentais e
estratégicas para o país não tem um caráter apenas econômico, de redução de
gastos do Estado ou aumento de exploração da força de trabalho. No processo de
redução da renda e empobrecimento do trabalhador há também um aspecto político
importante. Trabalhador sem direitos e esmagado pela miséria, tende a ser
servil e destituído de vontade própria. Dependendo do contexto, é capaz de
trabalhar por um prato de comida, o que caracteriza um regime de
semiescravidão, no qual vive uma parte dos trabalhadores rurais brasileiros. A
obsessão em destruir políticas que visam proporcionar dignidade à população
advém de uma ideologia de extrema direita que, no caso do Brasil, se ajoelha o
tempo todo aos países imperialistas. A experiência histórica mostra que tais
ideologias não devem ser temidas, mas combatidas sem nenhuma tolerância.
24.07
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