domingo, 26 de maio de 2019

Regime de capitalização: aumento da insegurança e da pobreza


                                                                                     *José Álvaro de Lima Cardoso    
     A crise política do governo Bolsonaro, assim como o agravamento da própria crise econômica, tem desviado a atenção da população em relação ao programa de governo, especialmente a questão da contrarreforma da previdência, que está no centro da questão. As frações que perpetraram e sustentam o golpe de 2016, não têm unidade em relação à permanência do Bolsonaro na presidência. Mas têm razoável unidade em relação ao programa econômico. Enquanto nos ocupamos com os ataques do governo aos demais direitos, e as denúncias recorrentes de corrupção no interior do governo, as articulações no Congresso para aprovação da PEC 06/2019 continuam ocorrendo. Vale portanto, retornar ao assunto da previdência, especialmente no que se refere a um aspecto central da PEC 06/2019, que é a adoção do regime de capitalização. 
     A proposta significa a destruição dos fundamentos atuais da Seguridade Social, pois troca os princípios da solidariedade, da universalidade, do provimento público de proteção social, por outros, baseados no individualismo. A adoção do modelo de capitalização, com contas individuais, significa retirar o governo e os empresários do financiamento da previdência social. O sistema de capitalização significa trocar três partes, como funciona hoje, por uma parte. As contribuições patronais e do Estado serão extintas, resultando em uma evidente redução do valor das aposentadorias e pensões. No sistema de capitalização o pacto de solidariedade entre gerações é substituído pela condição individual. O indivíduo que tiver a capacidade contributiva vai fazer a sua poupança para a velhice, sem depender dos outros.
      Sem dúvidas é um ótimo negócio para os bancos, que passarão a administrar fundos bilionários. No caso do Brasil, são R$ 740 bilhões movimentados todos os anos em Seguridade, com a Previdência concentrando a maior parte dos recursos. O Chile é a inspiração do Paulo Guedes, ministro da economia. O que acontece hoje no Chile nos permite prever o que ocorrerá no Brasil, caso seja adotado o regime de capitalização. No Chile o montante que o trabalhador consegue acumular, após toda uma vida de trabalho, permite que ele viva com alguma dignidade até cinco anos. Se viver mais, estará em apuros, pois em média o dinheiro que o trabalhador acumula para a aposentadoria dura somente esse tempo. Possivelmente por causa disso, o índice de suicídios entre os idosos no Chile é o maior da América Latina. Um detalhe é que no Brasil, em média, os aposentados vivem 18 anos e meio. Imaginem se, num sistema de capitalização, o trabalhador brasileiro se deparar de recursos para viver como aposentado por 8 ou 10 anos, com uma perspectiva de sobrevida média de 18,5 anos. 
     Após 37 anos de implantação do sistema de capitalização no Chile, ocorrida durante a ditadura do Pinochet, cerca de 80% dos aposentados recebem menos de um salário mínimo de benefício e quase metade deles (44%) vive abaixo da linha da pobreza. O fracasso do sistema de capitalização no Chile não é caso isolado. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), dos 30 países que adotaram o sistema de capitalização nos últimos anos, 18 já recuaram e retornaram ao sistema de repartição, pois a capitalização aumentou a pobreza e diminuiu muito o acesso a aposentadoria e o valor médio das aposentadorias. No México, onde a capitalização foi adotada em 1997, a situação é ainda pior do que a do Chile. Muitos trabalhadores não têm registro e, consequentemente, não conseguem contribuir para a previdência. Atualmente, 77% dos idosos já não contam com benefício de aposentadoria e 45% da população mexicana vive na extrema pobreza (US$ 1,9 dólar dia).
     No Brasil, com o sistema atual, mesmo com todas as limitações, o que ocorre é o contrário do Chile e do México. Como os jovens estão perdendo o emprego em função das políticas do golpe e de uma das piores estagnações da história, a aposentadoria dos pais ou avós, vem “salvando a lavoura”, permitindo que o jovem desempregado ou subempregado permaneça com o mínimo de segurança, com acesso a comida e teto.  
     Importante lembrar que o fato dos banqueiros, no sistema de capitalização, trabalharem apenas com uma parte da população, já que a maioria dos brasileiros não pode arcar com custos de educação, saúde previdência privada, não preocupa esse pessoal. Se o sistema envolver 20 milhões de brasileiros, já representa quase “meia Argentina” (é que o Brasil é continental), ou seja, já seria um mercado muito grande.  
     No modelo atual, mesmo com toda as dificuldades de gestão, a Previdência Social solidária é integrada ao funcionamento da economia do Brasil, faz parte da engrenagem da economia e da sociedade. A sustentabilidade do sistema está fundada na garantia de emprego digno para as pessoas que estão no mercado de trabalho. São as contribuições de quem está trabalhando que vão garantir o pagamento das aposentadorias daqueles que já cumpriram o seu período de trabalho. Na capitalização, se der qualquer problema mais grave (e a história recente, inclusive da América Latina, mostra que dá muito problema sempre), o mercado não assume qualquer responsabilidade. Como acontece no Chile, o governo acaba tendo que entrar com recursos do tesouro, para evitar o aumento exponencial da miséria e a completa desorganização da sociedade.
     O sistema de capitalização, se implantado, pode mexer nos direitos dos que já estão aposentados, já que pode implicar na total falta de recursos para o INSS. Até porque a campanha para aprovar a contrarreforma passa pelas calúnias do sistema de repartição atual, assim como pelo desestímulo aos jovens, para ingressar no Regime com a ideia de que “previdência social está quebrada”, “não vai resistir, não adianta pagar”, que é uma campanha criminosa, para cima do jovem, e de pessoas humildes, que não têm informação.
     Os bancos brasileiros não se contentam em ganhar os juros mais elevados do planeta e acumular lucros cada vez mais altos, superando cada vez mais os lucros obtidos pelo setor em qualquer outro local do mundo. Querem garfar também a receita da Previdência Social. E o objetivo principal da contrarreforma da Previdência é empurrar trabalhadores para fundos financeiros de risco e aumentar ainda mais o lucro dos bancos.
     A previsão dos especialistas é que o total de 17% de contribuição baseado num sistema de capitalização vai gerar uma renda de no máximo 60% daquilo com base no que a pessoa contribuiu a vida inteira.  É fácil fazer a conta. Não precisa ter bola de cristal para saber que as propostas de destruição   da previdência, aliadas a reforma trabalhista do golpista Michel Temer, irão resultar num enorme empobrecimento da população e um fim de vida sem aposentadoria, para a maioria do povo brasileiro.Com salários médios de R$ 1.500,00 (na economia formal) os trabalhadores não terão a menor condição de adquirir a previdência privada. A contrarreforma trabalhista e a contrarreforma da previdência, aliadas ao conjunto de ataques aos direitos sociais e à economia brasileira, se somar para jogar a classe trabalhadora na pobreza e enriquecer ainda mais os grandes empresários.
                                                                                          *Economista.

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