*José
Álvaro de Lima Cardoso
A crise política do governo Bolsonaro, assim
como o agravamento da própria crise econômica, tem desviado a atenção da
população em relação ao programa de governo, especialmente a questão da
contrarreforma da previdência, que está no centro da questão. As frações que
perpetraram e sustentam o golpe de 2016, não têm unidade em relação à
permanência do Bolsonaro na presidência. Mas têm razoável unidade em relação ao
programa econômico. Enquanto nos ocupamos com os ataques do governo aos demais direitos,
e as denúncias recorrentes de corrupção no interior do governo, as articulações
no Congresso para aprovação da PEC 06/2019 continuam ocorrendo. Vale portanto,
retornar ao assunto da previdência, especialmente no que se refere a um aspecto
central da PEC 06/2019, que é a adoção do regime de capitalização.
A proposta significa a destruição dos fundamentos atuais da
Seguridade Social, pois troca os princípios da solidariedade, da
universalidade, do provimento público de proteção social, por outros, baseados
no individualismo. A adoção do
modelo de capitalização, com contas individuais, significa retirar o governo e
os empresários do financiamento da previdência social. O sistema de
capitalização significa trocar três partes, como funciona hoje, por uma parte.
As contribuições patronais e do Estado serão extintas, resultando em uma evidente
redução do valor das aposentadorias e pensões. No sistema de capitalização o
pacto de solidariedade entre gerações é substituído pela condição individual. O
indivíduo que tiver a capacidade contributiva vai fazer a sua poupança para a
velhice, sem depender dos outros.
Sem
dúvidas é um ótimo negócio para os bancos, que passarão a administrar fundos
bilionários. No caso do Brasil, são R$ 740 bilhões movimentados todos os anos
em Seguridade, com a Previdência concentrando a maior parte dos recursos. O
Chile é a inspiração do Paulo Guedes, ministro da economia. O que acontece hoje
no Chile nos permite prever o que ocorrerá no Brasil, caso seja adotado o
regime de capitalização. No Chile o montante que o trabalhador consegue
acumular, após toda uma vida de trabalho, permite que ele viva com alguma
dignidade até cinco anos. Se viver mais, estará em apuros, pois em média o
dinheiro que o trabalhador acumula para a aposentadoria dura somente esse tempo.
Possivelmente por causa disso, o índice de suicídios entre os idosos no Chile é
o maior da América Latina. Um detalhe é que no Brasil, em média, os aposentados
vivem 18 anos e meio. Imaginem se, num sistema de capitalização, o trabalhador
brasileiro se deparar de recursos para viver como aposentado por 8 ou 10 anos,
com uma perspectiva de sobrevida média de 18,5 anos.
Após 37 anos de implantação do sistema de
capitalização no Chile, ocorrida durante a ditadura do Pinochet, cerca de 80%
dos aposentados recebem menos de um salário mínimo de benefício e quase metade
deles (44%) vive abaixo da linha da pobreza. O fracasso do sistema de
capitalização no Chile não é caso isolado. Segundo a Organização Internacional
do Trabalho (OIT), dos 30 países que adotaram o sistema de capitalização nos
últimos anos, 18 já recuaram e retornaram ao sistema de repartição, pois a
capitalização aumentou a pobreza e diminuiu muito o acesso a aposentadoria e o
valor médio das aposentadorias. No México, onde a capitalização foi adotada em
1997, a situação é ainda pior do que a do Chile. Muitos trabalhadores não têm registro
e, consequentemente, não conseguem contribuir para a previdência. Atualmente,
77% dos idosos já não contam com benefício de aposentadoria e 45% da população
mexicana vive na extrema pobreza (US$ 1,9 dólar dia).
No Brasil, com o sistema atual, mesmo com
todas as limitações, o que ocorre é o contrário do Chile e do México. Como os
jovens estão perdendo o emprego em função das políticas do golpe e de uma das
piores estagnações da história, a aposentadoria dos pais ou avós, vem “salvando
a lavoura”, permitindo que o jovem desempregado ou subempregado permaneça com o
mínimo de segurança, com acesso a comida e teto.
Importante lembrar que o fato dos
banqueiros, no sistema de capitalização, trabalharem apenas com uma parte da
população, já que a maioria dos brasileiros não pode arcar com custos de
educação, saúde previdência privada, não preocupa esse pessoal. Se o sistema envolver
20 milhões de brasileiros, já representa quase “meia Argentina” (é que o Brasil
é continental), ou seja, já seria um mercado muito grande.
No modelo atual, mesmo com toda as
dificuldades de gestão, a Previdência Social solidária é integrada ao
funcionamento da economia do Brasil, faz parte da engrenagem da economia e da
sociedade. A sustentabilidade do sistema está fundada na garantia de emprego
digno para as pessoas que estão no mercado de trabalho. São as contribuições de
quem está trabalhando que vão garantir o pagamento das aposentadorias daqueles
que já cumpriram o seu período de trabalho. Na capitalização, se der qualquer
problema mais grave (e a história recente, inclusive da América Latina, mostra
que dá muito problema sempre), o mercado não assume qualquer responsabilidade.
Como acontece no Chile, o governo acaba tendo que entrar com recursos do
tesouro, para evitar o aumento exponencial da miséria e a completa
desorganização da sociedade.
O sistema de capitalização, se implantado,
pode mexer nos direitos dos que já estão
aposentados, já que pode implicar na total falta de recursos para o INSS. Até
porque a campanha para aprovar a contrarreforma passa pelas calúnias do sistema
de repartição atual, assim como pelo desestímulo aos jovens, para ingressar no
Regime com a ideia de que “previdência social está quebrada”, “não vai
resistir, não adianta pagar”, que é uma campanha criminosa, para cima do jovem,
e de pessoas humildes, que não têm informação.
Os bancos brasileiros não se contentam em ganhar
os juros mais elevados do planeta e acumular lucros cada vez mais altos,
superando cada vez mais os lucros obtidos pelo setor em qualquer outro local do
mundo. Querem garfar também a receita da Previdência Social. E o objetivo principal
da contrarreforma da Previdência é empurrar trabalhadores para fundos financeiros
de risco e aumentar ainda mais o lucro dos bancos.
A previsão dos especialistas é que o total
de 17% de contribuição baseado num sistema de capitalização vai gerar uma renda
de no máximo 60% daquilo com base no que a pessoa contribuiu a vida inteira. É fácil fazer a conta. Não precisa ter bola
de cristal para saber que as propostas de destruição da previdência, aliadas a reforma trabalhista
do golpista Michel Temer, irão resultar num enorme empobrecimento da população
e um fim de vida sem aposentadoria, para a maioria do povo brasileiro.Com
salários médios de R$ 1.500,00 (na economia formal) os trabalhadores não terão
a menor condição de adquirir a previdência privada. A contrarreforma trabalhista
e a contrarreforma da previdência, aliadas ao conjunto de ataques aos direitos
sociais e à economia brasileira, se somar para jogar a classe trabalhadora na
pobreza e enriquecer ainda mais os grandes empresários.
*Economista.
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