Por Raul Fitipaldi, para Desacato.info.
O vice-prefeito de Barcelona, filho de
desaparecidos argentinos, Gerardo Pisarello, pediu que se agilizem as
tramitações para acolhimento dos refugiados que aumentam a cada dia
nessa e outras cidades espanholas e europeias. A prefeita, Ada Colau,
falou em criar uma rede de cidades refúgio.
As imagens são espantosas e se
multiplicam nas redes sociais. Milhares de pessoas morreram nestes anos
afogadas no mar, assassinadas por sicários, por paramilitares, por
exércitos, em caminhões fechados, em trens, enfim, de todas as formas
possíveis. Se é verdade que a existência dos refugiados e exilados
remonta-se a milhares de anos, a atual onda de refugiados é a primeira
com marco global, a mais monstruosa em termos comparativos, já que, de
um modo ou outro, a civilização pareceria ter avançado em matéria
jurídica e em condições técnicas, educacionais e culturais que deveriam
humanizar a vida coletiva. Mas, não é menos verdade que também ‘avançou’
nos métodos vis de exploração do homem pelo homem.
A onda de refugiados global acende os
nacionalismos mais repugnantes, as xenofobias mais asquerosas e todos os
defeitos que só se explicam pela existência de um mundo desigual,
violento, imoral e em processo de regressão ética do ponto de vista
humano. Em definitivo, trata-se de um mundo no apogeu capitalista
neoliberal, com impudicos impérios em decadência e transnacionais que
são o verdadeiro e demente governo do planeta.
Não pretendo desta vez, fazer uma
análise aprofundada sobre o assunto. Apenas iniciar de forma
superficial, subjetiva, anímica, minha reflexão sobre o tema, lançando
mão apenas da memória pessoal como cidadão sobre o que leio e assisto.
Sou imigrante há mais de 30 anos.
Primeiro fui imigrante na Argentina, depois e de forma definitiva no
Brasil. Fiz parte das migrações dos anos 80 no Sul da Nossa América. Por
aqueles anos as migrações eram fruto do exílio político, econômico e
também das diversas alternativas de luta que os povos se impuseram em
tempos de ditaduras violentas, desaparições, desemprego, loucura
cambial, desespero por ocasiões de progresso pessoal e coletivo. Em
nenhum caso, ao menos as imigrações oriundas dos grandes centros urbanos
(Santiago, Buenos Aires, Montevidéu, São Paulo, Lima, etc.), foram
resultado de situações parecidas como a que vivem os migrantes
centro-americanos, haitianos, africanos em geral e europeus do leste, e
os refugiados de qualquer parte do Mundo. Se, de fato, não há uma
migração forçosa que possa ser qualificada de mais agradável, nenhuma
das que vivemos por cá, podem se comparar à situação monstruosa que hoje
se observa globalmente, tanto com os migrantes forçados quanto com os
refugiados.
Por outro lado, vejamos que é muito
diferente ser migrante branco, homem, com alguma formação intelectual, a
ser refugiado negro, indígena, mulher, criança, ou pessoa com escassa
ou diferente educação formal e cultural. Jamais aqueles que emigramos
por causas próprias da década dos 80, no Sul da Nossa América, poderemos
compreender, suficientemente, o que sente um senegalês, um haitiano, um
indígena afugentado da sua terra pela violência paramilitar,
institucional dos estados ou das transnacionais e sua necessidade de
refúgio, proteção e sobrevivência. A vida pária contemporânea é fruto da
definitiva desumanização do sistema de lucro que provoca,
conscientemente, estas cenas desgarradoras que assistimos a diário.
O refugiado precisa colocar sua vida a
risco temerário para depois, se for afortunado, apenas sobreviver, dando
quase de graça sua força de trabalho, neoescravizado, para servir o
capitalismo transnacional respaldado pelas grandes potências e seus
estados corruptos. Também é mão de obra oportuna e barata para pequenas e
medianas empresas locais, como supermercados, fábricas de tecido, etc.
Ou, num dos casos piores de exploração humana, por empresas que
trabalham de forma terceirizada para multinacionais em setores de
produção para a exportação, onde não haverá direito algum preservado
para o refugiado, nem o estado receberá impostos pela escravidão: o
Eldorado da exploração humana, patrocinado pelas multinacionais ianques e
asiáticas, particularmente do setor de minérios, calçado, roupas,
brinquedos e eletroeletrônicos.
Os estados são cúmplices conscientes
dessa afronta à humanidade, seja aqueles que praticam o capitalismo
vulgar e tradicional como aqueles que se orgulham dos seus duvidosos
progressos pelo desenvolvimentismo tardio e conjuntural ou pelo
capitalismo de estado.
O refugiado é um pária aos olhos dos
outros trabalhadores, nem sequer é reconhecido como trabalhador e em
todos os países, tanto refugiados como migrantes suportam algum apelido
pejorativo. São animais exóticos, apresentados como um risco para a
massa trabalhadora nativa. Inimigos potenciais que pode tirar o parco
emprego que possui a classe trabalhadora regular, por trabalharem no
limite da escravidão, por serem obrigados a vender sua força de trabalho
por comida e, no melhor dos casos, moradia.
O refugiado é um exilado do Mundo. Isso.
Ele é transformado pelo sistema e a deformação político-cultural que
nos governa globalmente, num humano errado no lugar errado, este
Planeta. Isso tudo, porque ainda o atraso civilizatório pratica as
regras imperiais que dividiram o Mundo em pedaços, na régua, pelos
países da Europa Ocidental, e mais tarde, pelas potências que surgiram
depois das invasões conquistadoras, dentre as que se destacam no mapa do
horror transnacional, Estados Unidos com todas suas multinacionais e
seu poder bélico, Canadá e suas malditas mineradoras e Austrália, a cada
governo, mais fascista e com mais poder de interferência regional.
A deformação branca, patriarcal,
ocidental, institucional e religiosa, os estados cada vez mais fracos e
podres, a cultura do individualismo, a alienação, isso tudo, não permite
visualizar como se deve, os milhões de irmãos que morrem em decorrência
das crises falimentares, das guerras genocidas, das disputas de
território acirradas pelos interesses de ocidente que destruiu
recentemente o Iraque e a Líbia, das invasões incessantes de território
com sua carga de morte, degeneração social e rapinagem. E por se
faltasse algo mais, estão os desastres naturais usados como
justificativa para invadir, saquear e aviltar povos, pelas grandes
nações dominantes em todos os continentes.
A miséria moral, a maior de todas as
misérias, banalizou os deslocamentos forçados e a nefasta saga dos
refugiados. Transformou as cenas horripilantes em show digital, com a
mesma atitude impudica com que Ted Turner transformou a Guerra do Golfo,
em espetáculo comunicacional, recriando e fazendo palatável e divertida
a imagem da morte em massa. As tragédias humanas rendem muitíssimo
dinheiro aos países que as produzem ou estimulam. A vida pária em
trânsito televisivo e digital, o refugiado morto flutuando no
Mediterrâneo, o sírio humilhado pelo macedônio, isso tudo satisfaz uma
audiência embrutecida e ávida de espetáculo. A criação de exércitos
multinacionais como o Exército Islâmico e outros cruzados da época,
rende boa cota para os noticiários, banaliza a destruição e esconde a
realidade miserável dos brasis profundos, dos muros malditos como o que
divide o México do outro México roubado pelo império norte-americano, ou
o que separa pelo meio famílias inteiras na Palestina.
É preciso seguir o exemplo da
administração catalã. É preciso ter o entendimento solidário que tem a
Cuba revolucionária. Torna-se urgente estudar, compreender e lutar
diariamente contra as razões que produzem essas ondas mundiais de
refugiados, históricas na Colômbia e na América Central, endêmicas na
África, nos países árabes e parte da Ásia. É preciso compreender que no
sistema capitalista, produtivista, desenvolvimentista, transnacional,
paramilitar e imperial, sempre, em toda circunstância haverá refugiados.
Acolher um refugiado, facilitar sua
legalização em todo país, preservar sua identidade cultural, defender
seus direitos humanos, educativos e econômicos, é dever de todo ser
humano enquanto tal. Devemos abominar a ideia de fronteiras e receber o
outro que precisa refúgio com nossa mão solidária, ao final, trata-se um
irmão nosso que nasceu na única nação que nos é comum a todos, a Terra.
O povo austríaco deu o exemplo nestes dias exigindo condições humanas
para o tratamento aos refugiados. Nos estádios alemães de futebol
cartazes deram as boas-vindas aos refugiados. Há esperanças. Façamos
parte dessas esperanças aqui, em Santa Catarina, onde está sendo escrito
este artigo.
Imagem tomada de: migrarehumano.wordpress.com
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