Por José Sergio Gabrielli de Azevedo, especial para o 247
A compra da BG pela Shell
foi a primeira grande operação de fusão entre petroleiras do mundo nos
últimos 20 anos, indicando o retorno do ciclo de concentração do setor,
que ocorre todas as vezes que os preços de petróleo caem. Para o Brasil
representa um claro reconhecimento da produtividade e oportunidades do
pré-sal brasileiro, de onde surgirá o maior potencial de expansão das
reservas da nova empresa por décadas, refletindo as expectativas sobre
os enormes potenciais desta gigantesca fronteira exploratória de padrão
mundial.
Representa também uma
avaliação da grande capacidade técnica, operacional e gerencial da
Petrobras, especialmente considerando os atuais marcos da legislação
nacional, que atribui a ela o papel de operadora única das novas
oportunidades do pré-sal, com contratos de partilha de produção.
A Shell não comprometeria
25% do crescimento de suas reservas com operações com empresas que não
fossem confiáveis técnica, operacional e financeiramente. O CEO da Shell
foi claro: apesar das crises reputacionais, com as denúncias que
abundam nas manchetes dos jornais, a Petrobras é uma empresa com enorme
capacidade de superar os problemas e comandar os processos de exploração
e crescimento da produção
O maior efeito da fusão
não será na produção da nova companhia, mas sim no acesso a potenciais
reservas, como no campo de Libra e nos benefícios futuros das novas
explorações do pré-sal. As estimativas iniciais falam em aumento
imediato de 25% das reservas mundiais de petróleo da Shell e de 20% na
produção, depois da fusão.
Na busca de novas
reservas, as petroleiras têm três alternativas: ampliar a recuperação
dos campos já em produção, adquirir novos campos pelo processo de fusões
e aquisições de outras empresas ou descobrir novos campos através do
investimento em exploração. A maioria das grandes majors adiciona novas
reservas pela aquisição de empresas que já investiram na exploração e
contam com um bom portfólio de reservas ou potenciais recursos. É o caso
da BG no Brasil
Do ponto de vista
mundial, a fusão da BG com a Shell cria a segunda maior petroleira do
mundo com ações negociadas em bolsa, representa uma clara preferencia de
parte da Shell pelo pré-sal brasileiro sobre a expansão do shale gas americano,
inaugura um período de grandes fusões em decorrência da queda do preço
do petróleo e redefine os papeis dos diversos atores no mercado mundial
de GNL (Gás Natural Liquefeito), ampliando a importância das empresas
integradas verticalmente.
A Shell identificou nos
ativos da BG um grande valor estratégico e pagou um ágio de mais de 50%
sobre o valor de mercado das ações. Esta expectativa de ganhos refletiu
uma opção estratégica de integrar suas operações de GNL com a produção
de gás, nos ativos que a BG tem em Trinidad-Tobago e na Austrália e sua
grande presença na comercialização mundial de GNL. A integração entre
produção, liquefação e comercialização que a Shell estava buscando nos
EUA com suas tentativas com o shale gas serão agora
substituídas pela maior atividade no pré-sal brasileiro e exploração na
Austrália. Aguas profundas são cada vez mais atraentes para a Shell e
para as grande companhias de petróleo do mundo. Neste setor, não há
duvida do papel de campeã da Petrobras.
A fusão BG e Shell muda o
panorama do setor privado de petróleo e gás no pais. A BG está, entre
outros, nos campos do BM-S-9 (Lula, Iracema e Iara) com 30%, e BM-S-50
com 20% no pré-sal, e está em áreas exploratórias na Bacia de
Barreirinhas com 50%, com uma produção atual de 137 mil barris dia,
representando 20% da sua produção mundial. A Shell tem 20% do campo de
Libra e participa do BM-S-54 (Gato do Mato), além do BC-10 (parque das
Conchas) e BM-ES-27, onde a Petrobras é a operadora, produzindo 46,4 mil
barris dia. A produção conjunta será de 184 mil barris dia.
Vários impactos podem ser
esperados desta operação: o segundo maior ator no setor de petróleo e
gás no Brasil será o segundo maior grupo econômico mundial do setor,
dando mais fôlego financeiro aos consórcios já estabelecidos e definindo
um parceiro para a Petrobras com maior poder de negociação.
Outro impacto
provavelmente será uma redução do apetite para exploração da nova
empresa, devido aos ganhos do volume de reservas advindos da operação de
fusão. O maior objetivo será monetizar as reservas já identificadas.
Do ponto de vista da
Petrobras, o principal efeito da nova empresa será uma redefiniçao do
relacionamento com os parceiros. A Petrobras já está em um intenso
processo de remodelação dos mecanismos e procedimentos das suas relações
com seus fornecedores e agora precisará se adaptar a ter como parceiro
um grande player do mercado mundial.
As discussões sobre os
destinos futuros dos marcos regulatórios da exploração e desenvolvimento
da produção do pré-sal terão a partir de agora um grande ator privado,
com escala global e intensa atividade tanto em petróleo como em gás,
além de já ser proprietário da segunda maior rede de distribuição de
derivados no Brasil com a Raizen, fruto da fusão da Cosan e Shell,
unindo derivados de petróleo e etanol. A lógica da integração da Shell,
como seu orientador estratégico, reflete nesta operação de fusão da BG a
sua escolha e importância do Brasil como fundamental para seu
crescimento futuro. Neste contexto, a Petrobras é também ator
fundamental. Dois gigantes se enfrentarão no futuro deste setor.
José Sergio Gabrielli de Azevedo é ex-presidente da Petrobras (2005-2012) e professor aposentado da UFBA – Universidade Federal da Bahia.
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