CRISE NA PETROBRAS
Por Luciano Martins Costa em 06/02/2015 na edição nº 836 no Observatório da Imprensa
Comentário para o programa radiofônico do Observatório, 6/2/2015
O noticiário de sexta-feira (6/2) marca a culminância da escalada de
denúncias no escândalo da Petrobras. O ponto alto é a declaração de um
dos acusadores, o ex-gerente executivo Pedro Barusco, segundo o qual o
Partido dos Trabalhadores recebeu, ao longo de dez anos, um total que
pode chegar a US$ 200 milhões de empresas que detinham os maiores
contratos com a estatal. A denúncia produz o fenômeno das manchetes
trigêmeas, que já se tornou rotina na imprensa brasileira.
Como basicamente tudo que se tem publicado até aqui tem a mesma fonte,
ou seja, confissões feitas por operadores do esquema que negociam penas
mais brandas, a verdade aparente é apenas aquela que os jornais definem
como tal. No entanto, o cruzamento das denúncias permite prever uma
mudança importante na direção do escândalo, pelo simples fato de que a
pista que leva ao tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, também conduz à
direção do PSDB.
Entre as confissões de Barusco, cujo ponto central, na escolha dos
editores, é sua suposta relação com o tesoureiro do PT, oculta-se uma
informação crucial para colocar em novo contexto o escândalo da
Petrobras: o autor da delação premiada informa que o esquema de desvios
começou em 1997, o ano em que o monopólio da Petrobras, instituído por
Getúlio Vargas em 1953, foi revogado pelo então presidente Fernando
Henrique Cardoso. O esquema que agora sitia a presidente Dilma Rousseff
foi consolidado e institucionalizado na empresa no ano 2000, segundo o
denunciante.
O que não está dito nas reportagens é que o governo do PSDB havia se
empenhado durante anos em desmontar a estrutura de poder da Petrobras,
acusada publicamente pelo falecido ministro das Comunicações, Sérgio
Motta, de ser “o último esqueleto da República”, que precisaria ser
desmontado “osso a osso”. Ele se referia à estrutura de mando da
estatal, que se mantinha fechada em um complexo sistema corporativo
virtualmente impermeável à ação do Estado.
O esquema de corrupção nasceu associado ao processo de desmanche do
corporativismo, consolidou-se com o fim do monopólio e, pelo que revela a
“Operação Lava Jato”, já dominava a empresa no ano 2000. Mas a imprensa
determinou que só é importante descobrir o que aconteceu a partir de
2003.
Vazamentos seletivos
O único dos três grandes diários de circulação nacional que dá algum
destaque a esse “pormenor” das confissões de Pedro Barusco é a Folha de S.Paulo, em reportagem com o seguinte título: “Ex-gerente diz que começou a receber propina na era FHC”. O Globo faz apenas uma breve referência, num perfil do acusado, e o Estado de S.Paulo ignora a informação.
O critério da Folha aponta para a conveniência de determinar o
ponto inicial do esquema de corrupção, mas os outros jornais não
consideram isso importante. Se tivesse o interesse autêntico de
investigar com profundidade e revelar a extensão do escândalo que abala a
Petrobras, a imprensa teria mergulhado há muito tempo no histórico da
empresa a partir do fim do monopólio, fato que marca a tomada do
controle por agentes públicos.
Desde o final dos anos 1990, a estatal viveu fracionada entre dois
mundos: o dos gerentes executivos formados na empresa e o dos executivos
impostos pelo sistema de partilha de cargos que sustenta o poder de
Brasília. Pelo que se pode depreender das denúncias, a corrupção se
instalou quando os dois grupos se entenderam.
Como no caso chamado de “mensalão”, o sistema foi montado sob os
governos do PSDB e passado aos sucessores em praticamente todos os
escalões da República. Mas, como na Ação Penal 470, há um recorte seleto
em tudo que vaza ou, do que vaza, em tudo que se publica. Uma evidência
desse cuidado seletivo é o fato de que a declaração publicada nas
edições de sexta-feira (6/2) foi feita no dia 20 de novembro do ano
passado.
Apesar de a maior parte do noticiário ter como origem declarações de
réus que fazem denúncias em troca de benefícios da Justiça, e a despeito
das muitas contradições quanto aos valores que teriam sido desviados
nos acordos com grandes empreiteiras, é incontestável que a corrupção se
tornou endêmica, como declarou o denunciante que ganhou as manchetes na
sexta-feira (6).
O interesse do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em apontar o
dedo para a presidente Dilma Rousseff, com sua tentativa de inspirar um
processo de impeachment, pode esconder uma manobra para impedir que a
investigação coloque uma lente na biografia de seu antigo ministro das
Comunicações.
Só se vai chegar ao esclarecimento completo do escândalo da Petrobras se a Justiça e a imprensa vasculharem suas origens.
Nenhum comentário:
Postar um comentário