Por Antonio
Delfim Netto
Estamos
num momento muito importante. Ele definirá qual será nosso futuro
nos próximos quatro anos e deixará marcas na nossa história até o
fim dos tempos. As próximas gerações vão continuar a "ler" na
evolução gráfica do nosso PIB os seus instantes de "avanços" e de
"retrocessos". Todo o resto que hoje parece sólido, o tempo
dissolverá: os erros e os acertos das políticas sociais e
econômicas voluntaristas, os bônus ou os ônus externos, os
exageros monetários, fiscais, salariais e cambiais, os argumentos
falaciosos, a contabilidade "criativa", as tentativas de violações
das identidades da contabilidade nacional e os desmandos
administrativos praticados em gigantescas empresas estatais. Até
os bons resultados e as críticas impertinentes serão esquecidos.
A
grande certeza - comprovada por nosso passado - é que tudo será
corrigido, com custos maiores ou menores, dependendo da
inteligência e da aceitação da realidade por parte do renovado
poder incumbente. No eletrocardiograma dos períodos de FHC, de
Lula e de Dilma, só restará o crescimento do PIB e, talvez (apenas
talvez), um registro mais leve dos avanços nas políticas que
incentivaram o aumento da igualdade de oportunidade. O fato é que
nem estas, nem o Brasil foram descobertos em 1994! A crueldade
estatística é que as escaras produzidas no indicador do PIB, não
importa se por má sorte ou pelas contradições entre a política
social e a econômica, não desaparecerão. São perdas definitivas
que atrasaram nosso avanço relativo na construção da sociedade
civilizada. O governo Dilma Rousseff terá registro por muitos
motivos, mas será lembrado, de 2018 em diante, pela marca que
deixar no PIB. No período FHC, o PIB cresceu pouco: 2,3% ao ano.
No período Lula, melhorou: 4,1% ao ano. No período 2011-2014,
apenas 1,6% ao ano. A herança do primeiro mandato é pesada. Para
repetir a pobre performance do PIB total de FHC, será preciso
crescer pelo menos 12% no período 2015-2018, ou seja, 3% ao ano,
em média, o que não parece tarefa trivial.
É
tempo, portanto, de enfrentar fatos elementares incontornáveis:
Governo Dilma será lembrado pela marca que deixar no
PIB
1)
Que para a sociedade não existe nada que não consuma recursos. A
passagem grátis de ônibus do Paulo nem é seu "direito", nem é
"dever" do Estado: ela será, necessariamente, paga pelo Pedro. O
Estado, que tem o monopólio da força, pode obrigar a transferência
do custo cobrando imposto do Pedro e registrando o subsídio do
Paulo no orçamento. Mas isso tem um limite na paciência do Pedro!
2) A
sociedade não pode distribuir o que ainda não foi produzido, a não
ser recebendo um presente externo (uma melhoria das relações de
troca, que é sempre transitória como aconteceu em 2003-2010) ou
tomando emprestado no exterior (que a nossa experiência mostra que
sempre termina muito mal). Logo vamos ter de nos acomodar com
nossos próprios recursos.
3)
Que essas duas restrições não são "ideológicas". São "físicas".
Elas abrigam neoclássicos, marxianos, keynesianos, kaleckianos e
até marcianos e impõem cuidadosa harmonia entre as políticas
redistributivas e o nível de investimento que determina a taxa de
crescimento do PIB. Sem crescimento, por motivo interno
(investimento e exportação) ou externo ("bônus" ou "dívida"), a
redistribuição continuada levará ao desastre. Isso nada tem a ver
com a defesa do "capitalismo", considerado como um fenômeno "quase
natural" e o "horizonte intransponível da sociedade civilizada",
como querem alguns ingênuos "cientistas" que esquecem a história.
Ele é um mero instante naquela construção, como mostraram Karl
Marx (1818-1883), Max Weber (1864-1920), John Maynard Keynes
(1883-1946), Joseph Schumpeter (1883-1850), Karl Polanyi
(1886-1964), Fernand Braudel (1902-1985) e Albert Hirschman
(1915-2012).
4)
Que a política fiscal bem conduzida é a mãe de todas as políticas.
É ela que: a) permite uma política de "meta de inflação" crível
que quando; b) apoiada por uma política salarial que "acredita" na
"meta", permite o aumento relativo do salário real e o controle da
taxa de inflação com pequenas manobras sobre a taxa de juro real
de longo prazo e c) deixa espaço para uma política cambial que
estimula o nível interno de atividade.
5) A
situação interna e a externa hoje não são nada favoráveis. Um
programa crível, mas apoiado apenas num duro ajuste fiscal pontual
e no aumento da taxa de juros real, poderá nos levar a uma
recessão da qual não nos livraremos sem graves custos sociais,
econômicos e políticos. Por outro lado, um programa de "pouco mais
do mesmo" aprofundará o desânimo e continuará a piorar os
indicadores sociais e econômicos até que ocorra uma crise.
Salta
aos olhos que, em parte por conta da própria estagnação do PIB, a
situação fiscal não é sustentável. Sua correção, entretanto, exige
um programa transparente que a corrija em dois ou três anos, mas
cuja credibilidade antecipe expectativas favoráveis aos
investimentos e dê conforto aos trabalhadores no inevitável
processo de ajuste. Não resta ao governo outra alternativa que não
seja a de cooptar a confiança do setor privado para ajudar a
realizá-lo.
Antonio
Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da
Fazenda, Agricultura e Planejamento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário