quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Um golpe do Brazil contra o Brasil



*José Álvaro de Lima Cardoso.
     É recomendável não se alimentar ilusões. Não existe mais democracia no país. À medida que os acontecimentos se sucedem, não na velocidade normal da história, mas em marcha forçada, vai ficando evidente para a maioria, que barrar o golpe depende exclusivamente dos trabalhadores e suas organizações. O Brasil está numa encruzilhada histórica. Alguns dos fatos que acontecerem nos próximos meses definirão o que seremos, talvez, pelas próximas décadas. Golpes fazem parte da história do Brasil, o período mais longo de democracia que o Brasil viveu foi este de 1985 até 2016. Mas este foi um dos piores golpes: é o mais voraz, mais destruidor, mais açodado na destruição de direitos e na entrega das riquezas nacionais. Estão realizando ações, nos campos dos direitos sociais e da soberania, que nem a ditadura militar arriscou fazer.
     O golpe interrompeu os poucos avanços que vínhamos tendo em várias áreas, e está fazendo as conquistas retrocederem rapidamente. Os golpistas em um ano e meio de governo vêm fazendo tanto estrago, que é muito difícil acompanhar, mesmo para quem tem o dever de ofício. Estão implantando um programa, sem debate na sociedade, que vai contra os interesses de 99% da população. É extremamente ilusório alguém de classe média, com emprego formal e certa “estabilidade”, imaginar que as medidas encaminhadas não impactam sua vida e, portanto, não precisaria se preocupar. Pelo contrário, de alguma forma a pessoa já está sendo dramaticamente afetada, seja pelo congelamento de gastos sociais por 20 anos, pela entrega da Petrobrás, ou em função da privatização da Eletrobrás, ou da destruição da previdência social (que planejam realizar).
     As medidas atingem visceralmente, por exemplo, todo o pequeno e médio empresariado, que não viva de especulação, e cuja produção depende diretamente do mercado consumidor interno. Para um proprietário de um pequeno ou médio negócio qual o interesse que se destruam as leis trabalhistas, aumente o desemprego, que salários não sejam reajustados, e que o reajuste o salário mínimo fique abaixo da inflação? Os primeiros dados sobre aumento da precarização do trabalho, inclusive, com a chegada da contrarreforma trabalhista (em 11.11.17) já revelam que a classe média está sendo afetada pela pejotização, substituição de trabalhador celetista por formas precárias de contratações, não reajuste de salários, etc.
     Não é difícil entender porque o governo Temer tem impressionantes 97% de rejeição por parte da população, possivelmente a maior impopularidade da história da República. Não poderia ser diferente. Num país onde os salários são extremamente baixos (R$ 2.149,00 mensal, em 2016, segundo a PNAD), um governo que assumiu através de um golpe de Estado, eleger como um dos objetivos principais reduzir salários e custo da força de trabalho em geral, liquidando a regulação trabalhista, obviamente teria que ser odiado pela população. Na ponta do lápis, só quem deveria estar apoiando esse governo são: os proprietários e executivos de grandes empresas e de megabancos, os proprietários da grande mídia. Além dos rentistas, que vivem da especulação financeira, cerca de 10.000 famílias, e que, sem precisar apertar um parafuso, drenam cerca de R$ 600 bilhões de reais da sociedade todo ano.  
     Esse último é um dos segmentos principais de interesse por detrás do golpe. A chamada plutocracia, os super ricos, que constituem o Brazil, ou seja, o pessoal que não conhece e nunca foi ao Brasil, na definição dos poetas[1]. Esses são também traduzidos como “o Mercado”, os 71 mil brasileiros que declararam à Receita Federal, em 2016, terem rendimentos superiores a 160 salários mínimos, quase 160 mil reais por mês. Boa parte das análises dos economistas do chamado mercado reproduzem os interesses desse grupo. Advém daí a preocupação com temáticas, na economia, que em regra, não têm nenhuma relação com o cotidiano do povo. Por exemplo, a preocupação desses economistas com a queda da bolsa, ou com a classificação do Brasil nas agências de risco. Quem se preocupa com esses temas é o Brazil, que representa 0,03% da população, mal sabe onde fica o Brasil, e que faz grande barulho porque dispõe de muito dinheiro para comprar, aliciar, convencer e aparecer.
                                                                      *Economista.


[1] Ver a canção “Querelas do Brasil” composta por Maurício Tapajós e Aldir Blanc em 1978 e imortalizada na voz de Elis Regina.  

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