A HISTÓRIA É UM PERIGOSO JOGO QUE NÃO PERMITE AMADORES.
Mauro Santayama, em seu blog.
O
afastamento definitivo de Dilma Rousseff da presidência da República
foi apenas mais uma etapa de um embate muito mais sofisticado e
complexo, em que está em jogo o controle do país nos próximos anos.
Desde que chegou ao poder, em 2003, o PT conseguiu a proeza de fazer
tudo errado, fazendo, ao mesmo tempo, paradoxalmente, quase tudo certo.
Livrou o país da dependência externa, pagando a dívida com o FMI, e
acumulando US$ 370 bilhões em reservas internacionais, que transformaram
nosso país no quarto maior credor individual externo dos Estados
Unidos. E o fez sem aumentar a dívida pública. Mas isso não veio ao
caso. Ajudou a criar 20 milhões de empregos, fez milhões de casas
populares, criou Pronatec, ProUni, Ciência Sem Fronteiras e Fies, fez
dezenas de universidades federais e promoveu extraordinários avanços
sociais. Mas isso não veio ao caso.
Voltou a produzir e a
construir navios, ferrovias – a Norte-Sul já chegou a Anápolis (GO) –
usinas hidrelétricas, plataformas e refinarias de petróleo, mísseis,
tanques, belonaves, submarinos, rifles de assalto, multiplicou o valor
do salário mínimo e da renda per capita em dólares. Mas isso não veio ao
caso. Porque o PT foi extraordinariamente incompetente em explicar,
para a opinião pública, o que fez. Se tinha um projeto para o país, e
que medidas faziam – coordenadamente, na economia, nas relações
exteriores, na infraestrutura e na defesa – parte desse projeto. Confiou
mais na empatia e na intuição do que a informação e no planejamento.
Chamou,
para estabelecer sua linha de comunicação, "marqueteiros" sem afinidade
com as causas defendidas pelo partido, e sem maior motivação do que a
de acumular fortunas. O PT teve mais de uma década para explicar
didaticamente à população as vantagens da democracia, seus defeitos e
qualidades, e sua relação de custo-benefício para os povos e as nações.
Teve o mesmo tempo para estabelecer uma linha de comunicação que
explicasse a que tinha vindo, e os avanços e conquistas que obtinha para
o país.
O PT dividiu-se, e não estabeleceu uma estratégia clara,
de longo prazo, que pudesse manter em andamento o projeto que pretendia
implementar para o país. Suas lideranças foram reiteradamente
advertidas de que ocorreria o que ocorreu – a presença aqui da mesma
embaixadora norte-americana do golpe paraguaio era claramente indicativa
disso. De nada adiantou.
De que era preciso estabelecer uma
defesa competente do governo e de seu projeto de país na internet –
cujos principais portais foram desde 2013 praticamente abandonados à
direita e à extrema-direita, enquanto a esquerda, sem energia para se
mobilizar, se recolhia ao monólogo, à vitimização e à lamentação em
grupos fechados e páginas do Facebook.
Não deu combate às
excrescências que sobraram do governo Fernando Henrique, justamente no
campo da corrupção, com a investigação de uma infinidade de escândalos
anteriores, que poderia ter levado à cadeia bandidos antigos como os
envolvidos nos problemas da Petrobras. E cometeu erros táticos
imperdoáveis. Não é possível que personagens como Dilma e Lindbergh
continuem defendendo a Operação Lava Jato, de público, quando essa
operação parcial e seletiva foi justamente o principal fator na
derrubada da presidente da República.
Desse processo, nasceram
uma nova classe média e uma plutocracia egoístas, conservadoras e
"meritocráticas", entregues de mão beijada para adoção institucional
pela direita. Ampliaram-se a autonomia, o poder e as contratações do
Ministério Público e da Polícia Federal, medidas elogiáveis que poderiam
em princípio funcionar bem em um país verdadeiramente democrático, mas
que, no Brasil da desigualdade e da manipulação midiática, levaram à
criação de uma nova casta de funcionários públicos formados em
universidades privadas – alinhadas à direita – com financiamento do Fies
e em cursinhos para concurseiros, que não têm nenhuma visão real do que
é o país, a República ou a História, e acham, ao lado de jovens juízes,
que devem mandar na Nação no lugar dos "políticos" e do povo que os
elege.
Como consequência disso, há, hoje, uma batalha jurídica
sendo travada, principalmente, no âmbito do Congresso Nacional, voltada
para a aprovação de leis fascistas – disfarçadas, como sempre ocorre
historicamente, sob a bandeira da anticorrupção - que faz parte de uma
campanha que pretende alterar a legislação e o código penal para
restringir o direito à ampla defesa consubstanciado na Constituição, no
sentido de se permitir a admissibilidade de provas ilícitas, de se
restringir a possibilidade de se recorrer em liberdade, e de conspurcar
os sagrados e civilizados princípios de que o ônus da prova cabe a quem
acusa e de que todo ser humano será considerado inocente até inequívoca
prova de sua culpa.
Enquanto isso, aguerrida, organizada,
fartamente financiada por fontes brasileiras e do exterior, a direita –
"apolítica", "apartidária", fascista, violenta, hipócrita – deu um show
de mobilização. Estabeleceu seu domínio sobre os espaços de comentários
dos grandes portais e redes sociais – em um verdadeiro massacre
midiático, uma espécie de discurso único, imposto como sagrada verdade
para parte da população.
Entre as principais lições dos últimos
anos, vai ficar a de que a História é um perigoso jogo que não permite a
presença de amadores. Enganam-se aqueles que acham que o confronto
expõe apenas a direita e a esquerda. Mais grave é a guerra que se
desenha, e que já começou, entre os que atacam a política, os
"políticos", a democracia e o presidencialismo de coalizão contra os que
serão chamados a mobilizar-se para defendê-los daqui até 2018 e além. O
futuro da República e da Nação será definido por esse embate.
E é
o conjunto de erros e circunstâncias que vivemos até agora, e o que
faremos a partir de agora, que poderá levar, ou não, para o Palácio do
Planalto e o Parlamento, um governo fascista e autoritário em 2019. A
judicialização da política, a ascensão da antipolítica e de uma
plutocracia que acredita que não precisa de votos nem de maior
legitimação do que sua condição de concursada para "consertar" o país e
punir vereadores, prefeitos, deputados, senadores, governadores,
presidentes da República, em defesa de "homens de bem" que desfilam com
as cores da bandeira e com uniformes negros de inspiração nazista,
ajudará a sepultar o regime presidencialista anteriormente vigente, e
introduzirá um novo elemento, ilegítimo e espúrio, no universo político
brasileiro, transformando-se em permanente ameaça para o funcionamento e
a essência da democracia.
Infelizmente, para o país e para a
República, a permanência de Dilma tornou-se insustentável. Caminhamos
para uma situação de confronto em que o fascismo já está ficando com
todas as armas, e a esquerda com todas as vítimas. Nações e pessoas
precisam aprender que, às vezes, é preciso saber dar um passo para trás
para depois avançar de novo. É preciso resistir, mas com um projeto
claro para o país.
A corajosa defesa do governo Dilma por parte
de grandes lideranças da agricultura e da indústria, como os senadores
Kátia Abreu e Armando Monteiro, mostram que não é impossível sonhar com
uma aliança que una empresários e trabalhadores nacionalistas em torno
de um projeto vigoroso e coordenado de desenvolvimento. Que possa
promover o fortalecimento do país, do ponto de vista econômico, militar e
geopolítico e evitar, ao mesmo tempo, a abjeta entrega de nossas
riquezas, como os principais poços do pré-sal aos estrangeiros.
A
costura de uma aliança que evite a subordinação e a fascistização do
país deveria ser, daqui pra frente, a primeira missão de todo cidadão
brasileiro – ou ao menos daqueles que tenham um mínimo de consciência e
de informação – neste país assolado pelo ódio e pela mentira, a
hipocrisia e a ignorância. A divisão da Nação, a crescente radicalização
e o isolamento das forças democráticas – que devem combater esse
isolamento também internamente e rapidamente se organizar sob outras
legendas e outras condições; a fratura da sociedade nacional; a
desqualificação da política e da democracia; só interessam àqueles que
pretendem consolidar seu domínio sobre o nosso país.
É preciso
costurar uma ampla aliança nacional, que parta, primeiramente, do centro
nacionalista (se não existir, é preciso criar-se um), suprapartidária,
politicamente inclusiva, equilibrada e conciliatória, que una militares
nacionalistas da reserva – e eles existem, vide o Almirante Othon, por
exemplo –, empresários, técnicos e engenheiros desenvolvimentistas,
grandes empresas de capital majoritariamente nacional e os trabalhadores
em torno de um projeto que possa evitar o estupro das liberdades
democráticas e dos direitos individuais e a entrega de nossas riquezas e
de nosso futuro aos ditames internacionais. Vamos fazê-lo?
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