Transcrito na Carta Capital
Pela primeira vez desde 2002, as companhias estrangeiras dominam as fusões e aquisições no País
por Juliana Elias
—
Mario Castello
A J&F levou as Alpargatas
Com a aprovação pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica,
em 7 de dezembro, da aquisição da divisão de beleza do grupo brasileiro
Hypermarcas, a francesa Coty, dona de 47 marcas em 40 países, “deu mais
um passo para se tornar uma companhia desafiadora e líder global em
beleza”, conforme anunciou o presidente Bart Becht, no fechamento do
negócio de 1 bilhão de dólares, ou 3,8 bilhões de reais.
A operação sobressai-se na onda de fusões
e aquisições estimuladas pela depreciação das empresas brasileiras sob
recessão e facilitadas pela desvalorização do real.
Ela simboliza um ciclo de evolução e declínio do mercado de bens de
consumo de massa no País, produtos de beleza incluídos, nos últimos 15
anos. E também representa a superação dos grupos brasileiros pelos
estrangeiros em número de aquisições do controle ou de participações
expressivas em empresas locais. Em outubro, segundo o mapeamento mensal
da consultoria PwC, o número de fusões e aquisições comandadas por
estrangeiros totalizou 286 negócios. Pela primeira vez desde 2002 foi
maior que aquelas realizadas por compradores nacionais, 275 operações no
mesmo mês.
O trajeto da Hypermarcas acompanha os
ciclos da economia nacional na última década e meia. O grupo chegou a
reunir mais de 200 produtos em seu portfólio, entre fraldas, adoçantes,
medicamentos e molho de tomate, quando recebeu o apelido de “Unilever
brasileira”, em referência à gigante europeia dona do OMO e centenas de
outras marcas. Foram mais de 20 aquisições desde a origem do grupo em
2001, entre elas a recompra da fabricante da esponjas de aço Assolan, da
mesma Unilever, vendida à multinacional um ano antes pela família
Queiroz, de Goiás, fundadora da Hypermarcas.
No mesmo dia da aprovação da operação
pelo Cade, o conselho de administração da Hypermarcas decidiu colocar à
venda a divisão de fraldas infantis (marca Pompom) e geriátricas
descartáveis, avaliada em 1,5 bilhão de reais, e manter o foco nos
segmentos de saúde e bem-estar. As negociações com a americana
Kimberly-Clark, dona da Huggies, estariam avançadas, segundo rumores.
Dona de marcas globais, a Coty, além de acrescentar ao seu
catálogo os produtos Bozzano, Biocolor, Monange, Risqué e Cenoura &
Bronze e adquirir o centro de distribuição da Hypermarcas em Cuiabá,
estabeleceu uma base estratégica no terceiro maior mercado de cosméticos
do mundo, detentor de 9,4% do consumo global e há 19 anos com
crescimento real médio de 10%.
“Quando uma multinacional planeja entrar
em um país em desenvolvimento, ela precisa ver duas coisas, se a taxa de
câmbio está favorável e se os ativos estão baratos”, explica Thomas
Zanotto, diretor de Relações Internacionais e Comércio Exterior da
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. “O Brasil vive uma
crise sem precedentes e diversos fatores se combinam de modo a tornar o
investimento mais atraente.”
A desvalorização do real em 49% entre novembro de 2014 e
1º de dezembro deste ano significa um barateamento na mesma proporção
dos preços dos ativos no Brasil, só pelo efeito câmbio. A recessão
empurra ainda mais o valor das empresas para baixo ao comprometer
receitas, aumentar dívidas e derrubar as cotações no mercado.
As transações acumulam-se. A
norte-americana Omnicon, de relações públicas, pagou 1 bilhão de reais
pelo Grupo ABC-Meio & Mensagem, no maior negócio da história do
setor no País. Antes, a britânica WWP adquirira a Agência Ideal por
valor não divulgado. O grupo HNA, dono da Hainan, a quarta empresa aérea
da China,
arrematou 23,7% das ações preferenciais da Azul Linhas Aéreas por 450
milhões de dólares, equivalentes a 1,7 bilhão de reais. A construtora Camargo Corrêa, implicada na Lava Jato, vendeu por 2,7 bilhões de reais a Alpargatas, dona da marca Havaianas, à J&F Investimentos, controladora da JBS.
O objetivo principal das negociações de
controle e de participações acionárias é reduzir o endividamento dos
grupos e das empresas. Vender um naco do negócio e quitar uma parte da
dívida custa menos do que se sujeitar aos juros mais altos do mundo.
Segundo a Hypermarcas, a receita da venda da divisão de produtos de
beleza deverá ser usada “preponderantemente para reduzir o endividamento
líquido” do grupo, de 3,3 bilhões de reais. Para a Azul, o resultado da
venda das ações para a HNA ajudará no “fortalecimento do caixa, na
renovação de frotas e na amortização de dívidas”, de acordo com um
comunicado da companhia.
“Toda multinacional que queira ser global sabe que tem de
estar no Brasil, e o melhor momento é agora”, diz Rogério Gollo, sócio
da consultoria PwC no Brasil para fusões & aquisições. “Os grupos
olham para o médio e longo prazo, o retorno que terão em 10, 20 anos.
Eles se atêm menos às dificuldades de dois ou três anos. O prazo de um
investimento de alguém que vem de fora para adquirir um negócio é
outro”, explica Clovis Meuer, vice-presidente da Associação Brasileira
de Private Equity & Venture Capital, entidade representativa dos
fundos de investimento no Brasil. Os compradores “diferem do investidor
financeiro, de curtíssimo prazo, que traz um dinheiro volátil para
render na Bolsa ou em títulos públicos”.
A crise interna, econômica e política, não afastou o
investidor estrangeiro com visão de longo prazo, mas o deixou mais
cauteloso. A queda do Produto Interno Bruto
em 1,7% no terceiro trimestre em relação ao mesmo período de 2014,
divulgada pelo IBGE no dia 1°, e as projeções de variações negativas do
PIB de 3,5% neste ano e de 2,3% em 2016, segundo a pesquisa Focus
anunciada pelo Banco Central na segunda-feira 7, indicam um aumento
substancial do risco.
“O câmbio está muito volátil, o crescimento econômico é
baixo e no fim, é ele que conta. Investimentos precisam de retorno”, diz
Luis Afonso Lima, presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de
Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica, a Sobeet. “Existe
um apelo maior por conta do câmbio e de ativos mais baratos, mas, na
comparação do que ganhamos por um lado e perdemos por outro, o saldo
final é negativo.”
Apesar do aumento do número de
negociações, segundo o levantamento da PwC, o total investido caiu. De
janeiro a outubro, os investimentos estrangeiros diretos no País somaram
54,9 bilhões de dólares, 32% abaixo do total nos mesmos meses do ano
passado, de 81 bilhões. “Há uma mudança no perfil do investidor”, diz
Gollo. “Há um número maior de negociações, mas entre empresas médias e
por valores menores.” As grandes multinacionais instaladas há tempo no
País “ampliaram agressivamente” sua participação nos últimos anos e
agora têm de dar resultados. As pechinchas atuais, em alguns casos,
significam uma boa oportunidade para as empresas de menor porte
aumentarem a sua participação.
No ano passado, informa a Conferência das
Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento, a Unctad, o Brasil
recebeu 2% menos investimentos em comparação a 2013. Não ficou para trás
porque o desempenho global despencou 16%, com retrações de 14% na
América Latina e 28% nos países desenvolvidos. No fim das contas, o
Brasil subiu uma posição e retornou ao posto de 6º destino dos
investimentos globais.
“O fluxo de investimentos globais não
retornou aos níveis de 2007, anteriores à crise”, diz Lima. “As
economias centrais ainda estão com capacidade ociosa, demanda fraca, e
alguns países continuam muito endividados. É uma crise sistêmica do
capitalismo. E isso, agora, se espalha para os países emergentes.”
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