Luiz Gonzaga Belluzzo
O debate econômico
brasileiro está produzindo muito calor, não se sabe se algum esclarecimento. No
dia de Natal, terminava de curtir a Grand Messe des Morts de Berlioz regida
pelo bolivariano Dudamel, em homenagem ao comunista Claudio Abbado, quando recebo um e-mail do nosso inestimável Arthur
Garbayo.
A mensagem estava recheada das escaramuças
recentes entre os economistas. O primeiro texto é do senhor Mansueto de
Almeida. Almeida opina sobre o manifesto
dos economistas e intelectuais que se pronunciam generosa e bravamente contra
os termos e os destemperos do colunista Alexandre Schwartzman na peça
jornalística intitulada O Porco, o Cordeiro e não sei mais o quê.
Ao ler o texto de
Schwartzman, tive um momento de entusiasmo ao imaginar que degustaria uma
réplica sintética da Revolução dos Bichos de George Orwell ou uma homenagem
erudita às fábulas do grego Esopo traduzidas por Phaedro para o latim. Tenho
especial predileção por três delas: duas falam do poder e da força, Lupus et agnus e Ranae regem petierunt. A terceira, Rana Rupta et Bos, escarnece da pretensão descabida.
Peço vênia ao leitor mais
jovem para não traduzir os títulos. Seria um desrespeito à cultura clássica de
meus ínclitos adversários.
Cheguei ao derradeiro
parágrafo do apólogo de Alexandre (o Grande?) entre decepcionado e agradecido.
Decepcionado diante da escassa criatividade do apólogo. Agradecido porque
imediatamente me identifiquei com o Porco. Símbolo do amor mais duradouro e
mais intenso de minha vida, a gloriosa agremiação fundada pelos imigrantes
italianos e hoje abraçada por milhões de brasileiros. Este amor resiste até
mesmo às ignomínias, às injustiças e as perversidades dos invejosos. Ele vence
todas as torpezas da condição humana tão bem escavada nos baixios das almas por
Hanna Arendt. Recebi está dádiva ainda
nas entranhas de minha mãe quando ouvia os recados e carinhos de meu pai que
sussurrava Palestra! Palestra!
Hoje canto Dá-lhe porco!
Dá-lhe Porco. E mais: vamos ganhar Porcoo! Vamos ganhar Porcoo.! E saibam que
não corro da raia, como jamais corri jogando bola desde a várzea do Glicério
até Ermelino Matarazzo. Não sou valentão: apanhei e bati, mas jamais fugi do
pau. Assim, os Mansuetos da vida, os Alexandres da morte podem preparar o
lombo. Os Carlos Eduardo vou deixá-los entregues aos ressentimentos de suas
nulidades. Seja como for, não vou desistir e muito menos apelar para grosserias
e maledicências.
Por essas e outras, resolvi
juntar algumas linhas que escrevi a respeito dos economistas, suas teorias,
convicções e previsões. No estouro da crise financeira, as maledicências sobre
economistas, suas teorias, crenças e previsões corriam soltas, à velocidade da
peste nos centros financeiros do mundo. Mas, passado o susto, os que fracassaram em suas antecipações, já
sobem o tom de suas arrogâncias e voltam a trovejar sua cambaleante sabedoria.
A
reputação dos economistas e o prestígio de sua arte de antecipar tendências
variam na mesma direção dos ciclos do velho, resistente, mas talvez nem tão
surpreendente capitalismo. Quando os
negócios vão bem, as previsões mais otimistas são ultrapassadas por resultados
formidáveis. É a festança dos consultores: o noticiário da mídia não consegue
oferecer espaço suficiente para os profetas e oráculos da prosperidade eterna.
Na era da informação a coisa é ainda pior: em tempo
real, os meios eletrônicos regurgitam uma fauna variada de palpiteiros e
adivinhões. Todos ou pelo menos a maioria, tratam de insuflar a bolha de
otimismo.
Quando desabou a tormenta, as
certezas dos analistas mais certeiros entraram em colapso. Em pleno estado de oclusão mental diante da
derrocada dos preços dos ativos e da violenta contração do crédito, um gênio da
finança global proclamava na televisão: “os investidores são racionais, mas
estão em pânico”. Imaginei que antes da emboscada do subprime e de outros
créditos alavancados, os investidores racionais estivessem apenas no exercício
de sua peculiar racionalidade.
O pânico dos mercados induziu à pane
na razão. O ineditismo dos acontecimentos abalroou seus modelos e fez naufragar
suas previsões. Desconcertados, os sábios de ontem embarcam em hipóteses
exóticas e peregrinas, como as que atribuem responsabilidade aos devedores Ninja (no income, no job, no asset),
gente irresponsável que não deveria aceitar os empréstimos gentilmente
oferecidos por bancos generosos.
Em sua crueldade, as maledicências
maltratam a labuta persistente dos economistas acadêmicos, sempre dedicados à
construção de teorias e modelos pretensamente sofisticados que ao invés de
explicar como funcionam as engrenagens do capitalismo, cuidam zelosamente de
falsificar seu modo de funcionamento.
O economista Willem Buiter desancou
a revolução novo-clássica das expectativas racionais - associada aos nomes de
Robert Lucas e Thomas Sargent, entre outros. A teoria econômica, diz ele,
“tornou-se auto referencial.... impulsionada por uma lógica interna e por
quebra-cabeças estéticos, em vez de motivada pelo desejo de compreender como a
economia funciona... Assim, os economistas profissionais estavam despreparados
quando a crise eclodiu”.
Nos idos de 2009, relatei aos leitores de Carta Capital uma proeza de Robert Lucas, que exibe em suas prateleiras acadêmicas o prêmio Nobel. Em setembro de 2007, Lucas publicou no Wall Street Journal o artigo Hipotecas e Política Monetária (Mortgages and Monetary Policy). Àquela altura do campeonato, o preço das residências já despencava com grande estrondo. Até mesmo os mais fanáticos crentes na eficiência dos mercados estariam incomodados com o barulho, para não falar da pulga que percorria insistentemente a parte posterior de suas respeitáveis orelhas. Suspeito que Lucas tenha baixa sensibilidade nesta região do corpo humano. Mas Lucas não é apenas um crente, é um sacerdote.
Paramentado, ele escreveu no Journal: “Sou cético a respeito do argumento que sustenta haver risco de contaminação de todo o mercado de hipotecas pelos problemas surgidos na faixa subprime. Tampouco acredito que a construção residencial possa ser paralisada e que a economia vá deslizar para uma recessão. Cada passo nessa cadeia de argumentação é questionável e nada foi quantificado. Se aprendemos alguma coisa da experiência dos últimos 20 anos é que há muita estabilidade embutida na economia real”.
As recomendações e análises dos
economistas (inclusive as minhas), mesmo quando prestadas em boa-fé estão
eivadas de valorações e pressupostos não revelados, para não falar de
ostentações de rigor e cientificidade incompatíveis com a natureza do objeto
investigado. Esse incidente - o desacordo entre o método de investigação e a
natureza do objeto investigado - é quase sempre ignorado pelos praticantes da
“Ciência Triste”. Isso não lança necessariamente dúvida sobre a honestidade
intelectual dos economistas, mas, sim, os obriga a explicitar as “visões” (como
dizia Schumpeter) que antecedem e fundamentam suas análises.
Essas cautelas tornam-se ainda mais
imperiosas quando as sabedorias dos interesses subjugam os interesses pelo
conhecimento. Na “era da informação e dos consultores”, só a velhinha de
Taubaté ignora a importância da “opinião autorizada” e chancelada pela
“dignidade acadêmica” na formação dos consensos dominantes nas últimas décadas.
As divergências legítimas e inevitáveis foram escoimadas em benefício de
certezas tão sólidas quanto esféricas em suas estultícias.
No Brasil, as certezas da “teoria”
econômica ultrapassaram o ridículo para alcançar o grotesco. Convoco o grande
Machado de Assis que definiu o grotesco como “o ridículo tomado a sério”.
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