José Carlos Pelliano no Carta Maior
Manoel de Barros, nosso poeta pantaneiro, diz com sabedoria que
é preciso “repetir, repetir, até ficar diferente, pois repetir é o dom
do estilo”. Já o escritor francês Antoine de Saint-Exupéry no Pequeno
Príncipe pontuava que “o essencial é invisível aos olhos”! Esses
ensinamentos são extremamente úteis para uso no cotidiano. Não é assim
que se aprende em ditados populares que água mole em pedra dura tanto
bate até que fura ou que em terra de cego quem tem um olho é rei?
No mundo dos números, esses cuidados são também importantes e costumam ajudar a desvendar aparências até então consideradas conhecidas. Por exemplo, um arranjo sistemático de informações numa simples tabela pode revelar algo mais além do olhar acostumado a enxergar sempre a mesma coisa ou, se quiser, com visão pouco atenta.
Adentremos na região da economia e tomemos uma distribuição de rendimentos usualmente apresentada em forma de tabela com duas colunas: a primeira de faixas de rendimentos e a segunda de frequências. Essa tabela indica que o total de indivíduos que recebem renda numa empresa, cidade ou país está rearranjado em grupos (frequências) por faixas de renda – ou pela renda média de cada subgrupo.
O que normalmente se vê é que a renda total (soma de todos os rendimentos) dessa distribuição apresentada na tabela está repartida entre os subgrupos que recebem do menor ao maior rendimento. Um olhar mais apurado, todavia, vai mostrar um detalhe geralmente esquecido nas observações. A repetição do olhar revela o não visto, enquanto o que estava até então invisível se mostra essencial.
O detalhe está na primeira coluna, a das faixas de renda ou rendas médias. A coluna indica uma escala. Além de separados por subgrupos de rendimentos, portanto, os indivíduos estão escalonados por níveis de rendas médias ou valores de faixas de renda. Logo, essa simples tabela nos dá conta da distribuição da renda total por grupos de indivíduos e pelo escalonamento de rendimentos que os classifica. As colunas de renda e frequência, portanto, não só atuam juntas na conformação da desigualdade, mas também separadamente para que detalhes adicionais sejam vistos.
As duas colunas permitem avaliar a desigualdade de renda como usualmente se faz em estudos dessa natureza. Mas, agora, com a distinção das duas colunas em escala e grupamento, é possível avançar e avaliar o quanto da desigualdade se deve às variações da escala e dos grupos. Afinal, de um período a outro alteram-se tanto a escala de rendimentos quanto os grupamentos de indivíduos – as rendas aumentam e/ou diminuem e os grupos aumentam ou diminuem de tamanho. A medida da desigualdade é, portanto, o retrato final, coadjuvado pela redução ou ampliação da escala e pela concentração ou dispersão dos grupos nessa escala.
O olhar um pouco mais minucioso na tabela indicará que as variações dos tamanhos dos agrupamentos de um período a outro tem a ver com as modificações provocadas pelos movimentos dos indivíduos ao longo da escala de rendas. Essas modificações ao final comporão o retrato da movimentação dos grupos pelas faixas de renda. Com a devida cautela, essa movimentação pode ser comparada à mobilidade ocupacional ou social – a depender do universo que se analisa.
Desse modo, a simples tabela visualizada de distribuição de renda pode mostrar a medida de sua desigualdade, os pesos respectivos da escala de rendimentos e dos grupamentos de indivíduos, bem como uma indicação da mobilidade experimentada pelo conjunto de todos os indivíduos no tempo (nota).
Todos os indivíduos, quais? Os sobreviventes de um período a outro que estão aptos para o trabalho, ou seja, os que começaram a trabalhar, os que ainda trabalham e os temporariamente sem ocupação.
A desigualdade de renda, portanto, tem a ver com a escala de rendimentos predominante em uma sociedade e com a mobilidade dos indivíduos ao longo dessa escala. Como essa escala é a soma de todas as escalas parciais de empresas, instituições públicas, organismos internacionais, escolas, universidades, associações, sindicatos, etc., são essas organizações ao fim e ao cabo que dão conformação ao perfil da desigualdade de renda. E são essas instituições que respondem também pela movimentação dos indivíduos ao longo da escala de rendas na medida que estabelecem os critérios pelos quais eles devem ser enquadrados em suas estruturas ocupacionais e funcionais bem como em suas respectivas progressões de um cargo ou função a outra no tempo. Por que isso? Porque cerca de ¾ da população ocupada são empregados!
Não é pois a educação ou, melhor, a falta dela a vilã da desigualdade! Tampouco as disparidades regionais ou o processo de desenvolvimento em si. As diferenças de rendimentos entre os indivíduos e as suas posições na escala de rendimentos são definidas nos locais de trabalho de acordo com as estratégias das organizações. Assim, a redução da desigualdade tem de partir do capital para o trabalho e ao mesmo tempo do trabalho melhor posicionado para os demais.
Nota
Conforme pesquisa no NEPP/Unicamp a cargo do autor deste texto.
*José Carlos Peliano é economista.
No mundo dos números, esses cuidados são também importantes e costumam ajudar a desvendar aparências até então consideradas conhecidas. Por exemplo, um arranjo sistemático de informações numa simples tabela pode revelar algo mais além do olhar acostumado a enxergar sempre a mesma coisa ou, se quiser, com visão pouco atenta.
Adentremos na região da economia e tomemos uma distribuição de rendimentos usualmente apresentada em forma de tabela com duas colunas: a primeira de faixas de rendimentos e a segunda de frequências. Essa tabela indica que o total de indivíduos que recebem renda numa empresa, cidade ou país está rearranjado em grupos (frequências) por faixas de renda – ou pela renda média de cada subgrupo.
O que normalmente se vê é que a renda total (soma de todos os rendimentos) dessa distribuição apresentada na tabela está repartida entre os subgrupos que recebem do menor ao maior rendimento. Um olhar mais apurado, todavia, vai mostrar um detalhe geralmente esquecido nas observações. A repetição do olhar revela o não visto, enquanto o que estava até então invisível se mostra essencial.
O detalhe está na primeira coluna, a das faixas de renda ou rendas médias. A coluna indica uma escala. Além de separados por subgrupos de rendimentos, portanto, os indivíduos estão escalonados por níveis de rendas médias ou valores de faixas de renda. Logo, essa simples tabela nos dá conta da distribuição da renda total por grupos de indivíduos e pelo escalonamento de rendimentos que os classifica. As colunas de renda e frequência, portanto, não só atuam juntas na conformação da desigualdade, mas também separadamente para que detalhes adicionais sejam vistos.
As duas colunas permitem avaliar a desigualdade de renda como usualmente se faz em estudos dessa natureza. Mas, agora, com a distinção das duas colunas em escala e grupamento, é possível avançar e avaliar o quanto da desigualdade se deve às variações da escala e dos grupos. Afinal, de um período a outro alteram-se tanto a escala de rendimentos quanto os grupamentos de indivíduos – as rendas aumentam e/ou diminuem e os grupos aumentam ou diminuem de tamanho. A medida da desigualdade é, portanto, o retrato final, coadjuvado pela redução ou ampliação da escala e pela concentração ou dispersão dos grupos nessa escala.
O olhar um pouco mais minucioso na tabela indicará que as variações dos tamanhos dos agrupamentos de um período a outro tem a ver com as modificações provocadas pelos movimentos dos indivíduos ao longo da escala de rendas. Essas modificações ao final comporão o retrato da movimentação dos grupos pelas faixas de renda. Com a devida cautela, essa movimentação pode ser comparada à mobilidade ocupacional ou social – a depender do universo que se analisa.
Desse modo, a simples tabela visualizada de distribuição de renda pode mostrar a medida de sua desigualdade, os pesos respectivos da escala de rendimentos e dos grupamentos de indivíduos, bem como uma indicação da mobilidade experimentada pelo conjunto de todos os indivíduos no tempo (nota).
Todos os indivíduos, quais? Os sobreviventes de um período a outro que estão aptos para o trabalho, ou seja, os que começaram a trabalhar, os que ainda trabalham e os temporariamente sem ocupação.
A desigualdade de renda, portanto, tem a ver com a escala de rendimentos predominante em uma sociedade e com a mobilidade dos indivíduos ao longo dessa escala. Como essa escala é a soma de todas as escalas parciais de empresas, instituições públicas, organismos internacionais, escolas, universidades, associações, sindicatos, etc., são essas organizações ao fim e ao cabo que dão conformação ao perfil da desigualdade de renda. E são essas instituições que respondem também pela movimentação dos indivíduos ao longo da escala de rendas na medida que estabelecem os critérios pelos quais eles devem ser enquadrados em suas estruturas ocupacionais e funcionais bem como em suas respectivas progressões de um cargo ou função a outra no tempo. Por que isso? Porque cerca de ¾ da população ocupada são empregados!
Não é pois a educação ou, melhor, a falta dela a vilã da desigualdade! Tampouco as disparidades regionais ou o processo de desenvolvimento em si. As diferenças de rendimentos entre os indivíduos e as suas posições na escala de rendimentos são definidas nos locais de trabalho de acordo com as estratégias das organizações. Assim, a redução da desigualdade tem de partir do capital para o trabalho e ao mesmo tempo do trabalho melhor posicionado para os demais.
Nota
Conforme pesquisa no NEPP/Unicamp a cargo do autor deste texto.
*José Carlos Peliano é economista.
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