Caso inicie uma guerra sem o apoio de Rússia e China,
Washington mostrará que o seu poder continua inquestionável
por Lucas Pereira Rezende
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publicado
28/08/2013 12:35,
última modificação
28/08/2013 12:40
Justin Lane/Agência Lusa/ABr
A crise política pela qual passa a Síria, iniciada em janeiro de 2011 e ainda em curso ,
parece estar com os seus dias contados, quando Estados Unidos, França e
Reino Unido anunciam que estão preparados para um ataque militar ao
país, justificado pelo suposto uso de armas químicas por parte do
governo de Bashar al Assad.
Em grande medida, a demora na
definição da balança de poder síria se deu devido ao apoio das grandes
potências, o que prolongou o conflito e causou a morte de milhares de
pessoas, de ambos os lados do conflito. Os EUA e seus aliados europeus,
assim como o secretariado da ONU - que pediam a saída de al Assad do
poder para que houvesse qualquer condição de pacificação - apoiavam,
direta e indiretamente, as forças oposicionistas. Em maio desse ano, a
União Europeia aprovou a suspensão do embargo à venda de armas para a
oposição síria, abrindo espaço para que se desse, então formalmente, a
consolidação do apoio militar ao grupo que luta contra o governo.
Por outro lado, China e, em especial,
Rússia, deixavam claro que uma intervenção direta na Síria não seria
autorizada por ambos no Conselho de Segurança da ONU, o que
impossibilitaria uma decisão do órgão. A relação entre Rússia e Síria é
contínua desde a década de 1950, quando a extinta União Soviética
começou a consolidar a parceria estratégica com o partido Ba'ath, ao
qual pertence, ainda, Bashar al Assad. Esse relacionamento hoje é
sinônimo de uma das maiores parcerias militares russas, de importância
não apenas política e estratégica, mas econômica, como principal
comprador de armamentos da Rússia.
A não-decisão do Conselho de Segurança da
ONU representou, para alguns, uma mudança nos polos globais de poder. Os
EUA, diferentemente da autonomia para ditar a agenda política na ONU
que viveu nos anos após o colapso soviético, agora enfrentavam uma
Rússia reemergente e uma China cada vez mais protagonista, ameaçando, em
conjunto, um veto a qualquer intervenção na Síria. O cenário, de fato,
não é mais o mesmo, e a agenda da ONU não é mais tão unilateralmente
ditada - o que deixou o secretariado da organização "mal-acostumado",
com uma série de demandas, ainda politicamente alinhadas aos EUA, sem
chance real de implementação. O congelamento do Conselho de Segurança
passava a lembrar os anos de divisão de poder vividos pelo órgão nos
anos da Guerra Fria.
Os últimos movimentos, contudo, vêm em
sentido contrário. Se confirmado, de fato, o uso de armas químicas por
parte do governo de Damasco contra oposicionistas combatentes e civis
(condição colocada pelos EUA como a gota d'água para a série de
"violações aos direitos humanos" praticadas pelas forças
governamentais), uma intervenção militar capitaneada por EUA, Reino
Unido e França parece iminente - seja aprovada ou não pelo Conselho de
Segurança. Tal feito apenas confirmará que, quando julga necessário, os
EUA têm condições de fazer o que consideram adequado, independentemente
da legislação internacional ou da aprovação de outras potências. Esse é o
símbolo máximo do poder estadunidense.
A demora para a decisão de derrubar
militarmente al Assad não deve ser lida como uma fraqueza dos Estados
Unidos. Em especial após uma controversa guerra ao Iraque em 2003, ficou
claro que é menos custoso uma guerra multilateral, que seja vista,
politicamente, como legítima. Lembremos, ainda, que os EUA se
encontravam ainda no Iraque e no Afeganistão, em duas guerras longas e
custosas, além da crise econômica vivida pelo país desde 2008. A decisão
de derrubar al Assad já fora feita, mas procurou-se os meios mais
baratos e menos controversos para tal. O apoio militar e político à
oposição foi o primeiro caminho e, em alguns momentos, quase bem
sucedido. A pressão contínua ao governo de Damasco e seus aliados russos
e chineses também mostrava a construção de um argumento construção de
legitimidade, calcado na democracia, nos direitos humanos e na
responsabilidade para proteger. A via barata, contudo, acabou não
mostrando resultados. Nesse ínterim, os EUA saíram do Iraque, reforçaram
a campanha no Afeganistão e se recuperaram econômica e politicamente.
Em um momento em que o governo de Barack
Obama é acusado de agir contra os direitos humanos pelo uso dos veículos
aéreos não-tripulados (ou drones), fazer um ataque à Síria
multilateral, justificado na proteção aos direitos essenciais dos sírios
e, ainda por cima, aproveitando para criticar os direitos humanos na
China e na Rússia, parece bem profícuo. Além de entrarem na guerra como
os defensores da democracia, reafirmando seu chamado poder brando, sairá
dela mostrando que também o seu poder duro continua inquestionável.
Podemos ter ainda bons candidatos a novos polos globais, mas são apenas
isso: candidatos. Até que consigam, de fato, fazer uma oposição direta
aos Estados Unidos, seja politicamente, economicamente ou militarmente,
muitos anos terão ainda que se passar. O desenrolar da crise na Síria
serve para nos mostrar que, para o desgosto de muitos, o realismo e a
velha política do "manda quem pode, obedece quem tem juízo" continua
sendo o guia máximo das relações internacionais.
Lucas Pereira Rezende é
professor de Relações Internacionais da FACAMP e autor de "O
Engajamento do Brasil nas Operações de Paz da ONU" (Ed. Appris, 2012).
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