Dados do Bolsa Família e da política de cotas ensinam o andar de cima a olhar direito para o de baixo
Atribui-se
ao professor San Tiago Dantas (1911-1964) uma frase segundo a qual "a
Índia tem uma grande elite e um povo de bosta, o Brasil tem um grande
povo e uma elite de bosta". Nas últimas semanas divulgaram-se duas
estatísticas que ilustram o qualificativo que ele deu ao seu povo.
A
primeira, revelada pelo repórter Demétrio Weber: Em uma década, o
programa Bolsa Família beneficiou 50 milhões de brasileiros que vivem em
13,8 milhões de domicílios com renda inferior a R$ 140 mensais por
pessoa. Nesse período, 1,69 milhão de famílias dispensaram
espontaneamente o benefício de pelo menos R$ 31 mensais. Isso aconteceu
porque passaram a ganhar mais, porque diminuiu o número da familiares,
ou sabe-se lá por qual motivo. O fato é que de cada 100 famílias
amparadas, 12 foram à prefeitura e informaram que não precisavam mais do
dinheiro.
A
ideia segundo a qual pobre quer moleza deriva de uma má opinião que se
tem dele. É a demofobia. Quando o andar de cima vai ao BNDES pegar
dinheiro a juros camaradas, estimula o progresso. Quando o de baixo vai
ao varejão comprar forno de micro-ondas a juros de mercado, estimula a
inadimplência.
Há
fraudes no Bolsa Família? Sem dúvida, mas 12% de devoluções voluntárias
de cheques da Viúva é um índice capaz de lustrar qualquer sociedade.
Isso numa terra onde estima-se que a sonegação de impostos chegue a R$
261 bilhões, ou 9% do PIB. O Bolsa Família custa R$ 21 bilhões, ou 0,49%
do produto interno.
A
segunda estatística foi revelada pela repórter Érica Fraga: um estudo
dos pesquisadores Fábio Waltenberg e Márcia de Carvalho, da Universidade
Federal Fluminense, mostrou que num universo de 168 mil alunos que
concluíram treze cursos em 2008, as notas dos jovens beneficiados pela
política de cotas ficaram, na média, 10% abaixo daquelas obtidas pelos
não cotistas. Ou seja, o não cotista terminou o curso com 6 e o outro,
com 5,4. Atire a primeira pedra quem acha que seu filho fracassou porque
foi aprovado com uma nota 10% inferior à da média da turma. Olhando-se
para o desempenho de 2008 de todos os alunos de quatro cursos de
engenharia de grandes universidades públicas, encontra-se uma variação
de 8% entre a primeira e a quarta.
Para
uma política demonizada como um fator de diluição do mérito no ensino
universitário, esse resultado comprova seu êxito. Sobretudo porque
dava-se de barato que muitos cotistas sequer conseguiriam se diplomar.
Pior: abandonariam os cursos. Outra pesquisa apurou que a evasão dos
cotistas é inferior à dos não cotistas. Segundo o MEC, nos números do
desempenho de 2011, não existe diferença estatística na evasão e a
distância do desempenho caiu para 3%. Nesse caso, um jovem diplomou-se
com 6 e o outro, com 5,7, mas deixa pra lá.
As
cotas estimulariam o ódio racial. Dez anos depois, ele continua onde
sempre esteve. Assim como a abolição da escravatura levaria os negros ao
ócio e ao vício, o Bolsa Família levaria os pobres à vadiagem e à
dependência. Não aconteceu nem uma coisa nem outra.
Admita-se
que a frase atribuída a San Tiago Dantas seja apócrifa. Em 1985,
Tancredo Neves morreu sem fazer seu memorável discurso de posse. Vale
lembrá-lo: "Nosso progresso político deveu-se mais à força
reivindicadora dos homens do povo do que à consciência das elites. Elas,
quase sempre, foram empurradas".
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